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1.4. Macrossintaxe do Discurso

1.4.2. Operadores argumentativos

Koch (2004a, p. 102) assevera que “[...] a argumentatividade não constitui apenas algo acrescentado ao uso lingüístico, mas, pelo contrário, está inscrita na própria língua, ou seja, [...] o uso da linguagem é inerentemente argumentativo. Além do que, todo enunciado tem como característica constitutiva o fato de se apresentar como orientando a seqüência do discurso, determinando encadeamentos possíveis para continuá-lo, alguns são empregados com a pretensão de orientar o interlocutor para certos tipos de conclusão, com exclusão de outras igualmente possíveis.

A autora afirma que existem, na gramática de cada língua, morfemas responsáveis por esse tipo de relação, os operadores argumentativos ou discursivos que, em alguns casos, são considerados pelas gramáticas tradicionais como elementos meramente relacionais - conectivos, como mas, porém, embora, já que, pois ou, até mesmo, não são enquadrados pela N.G.B.23 em nenhuma das dez

classes de palavras. Esclarece que “é a macrossintaxe do discurso ou semântica argumentativa que vai recuperar esses elementos, por serem justamente eles que

23 Segundo a autora, Rocha Lima chama-os de palavras denotativas, Bechara, de palavras de inclusão [até mesmo, também, inclusive]; de exclusão [só, somente, apenas, senão]; de retificação [aliás, ou melhor, isto é]; de situação [afinal, então], Celso Cunha de palavras “essencialmente afetivas” (Cf. KOCH, 2004a, p. 103).

determinam o valor argumentativo dos enunciados, constituindo-se, pois, em marcas lingüísticas importantes da enunciação”24 (Ibid., p.103).

Dada a validade da análise dos operadores argumentativos, em nosso estudo reproduziremos o seu exame como é proposto pela autora, em Argumentação e Linguagem (2004a), complementados por análises presentes em sua outra obra: A Inter-ação pela Linguagem (2004c) :

1. Estabelecem hierarquia dos elementos numa escala, assinalando o argumento mais forte no sentido de uma determinada conclusão r – mesmo, até, até mesmo, inclusive – ou, então, mais fraco – ao menos, pelo menos, no mínimo.

2. Havendo dois ou mais argumentos orientados no mesmo sentido, seus elementos podem ser encadeados por meio de operadores que somam argumentos a favor de uma mesma conclusão como e, também, nem, tanto ... como, não só ..mas também, além de, além disso, etc.

3. Ainda25, já e agora introduzem conteúdos pressupostos.

Ainda pode servir como marcador de excesso temporal/ não temporal e introdutor de mais um argumento a favor de determinada conclusão.

24 A autora considera conveniente, para um exame desses morfemas, retomar a noção de classe e escala argumentativa formulada por Ducrot. “Dois ou mais argumentos orientados no mesmo sentido, isto é, para uma mesma conclusão, constituem uma classe argumentativa. Diz-se que p é um argumento para a conclusão r, se p é apresentado como devendo levar o interlocutor a concluir r. Quando vários argumentos – p, p’,p’’... - se situam numa escala graduada, apontando, com maior ou menor força, para a mesma conclusão r, diz-se que eles pertencem à mesma escala argumentativa (KOCH, 2004a, p. 103).

25 Koch (2004a) cita, como exemplo: Paulo mora no Rio./ Paulo ainda mora no Rio./ Paulo já mora no Rio./ Paulo agora mora no Rio.

Já, agora podem ser empregados como indicadores de mudança de estado.

4. Aliás, além do mais introduzem, de maneira subreptícia, um argumento decisivo, apresentando-o a título de acréscimo.

5. Isto é, quer dizer, em outras palavras visam a esclarecer, retificar, desenvolver, ajustar, precisar.

6. Operadores que se distribuem em escalas opostas: Tudo, todos para escalas orientadas no sentido de uma afirmação plena; nada, nenhum, negação plena. Pouco orienta no sentido da negação, da restrição e um pouco, no sentido da afirmação. Quase26 aponta para a afirmação da totalidade e apenas, para a negação da totalidade.

7. Portanto, logo, por conseguinte, pois, em decorrência, conseqüentemente, e sinônimos, são operadores que introduzem uma conclusão relativa a argumentos apresentados em enunciados anteriores.

8. Ou, ou então, quer ... quer, seja ... seja introduzem argumentos alternativos que levam a conclusões diferentes ou opostas.

9. Mais que, menos que, tão ... como, etc estabelecem relações de comparação entre elementos, com vistas a uma dada conclusão.

26 Koch (2004c) alerta para o fato de certos operadores obedecerem a regras combinatórias como, por exemplo,

10. Porque, que, já que, pois, etc introduzem uma justificativa ou explicação relativa ao enunciado anterior.

11. Mas27, porém, contudo, todavia, entretanto e embora28, ainda que, posto que, apesar de (que), etc contrapõem argumentos orientados para conclusões contrárias.

A autora conclui, reiterando a importância do estudo desses operadores, pois grande parte da força argumentativa do texto depende dessas marcas lingüísticas que, ao selecionarem “[...] enunciados capazes de constituírem a seqüência do discurso, são responsáveis pela sua orientação argumentativa global, no sentido de levarem o interlocutor a um determinado tipo de conclusões em detrimento de outras” (KOCH, 2004a, p. 107):

Evidencia-se, portanto, que essas instruções, codificadas, de natureza gramatical, supõem evidentemente um valor retórico da construção, ou seja, um valor retórico – ou argumentativo – da própria gramática. O fato de se admitir a existência de relações retóricas ou argumentativas inscritas na própria língua é que leva a postular a argumentação como ato lingüístico fundamental (Ibid., p. 107).

Nossos estudos constataram a presença de vários operadores argumentativos, nos textos, que compõem nosso corpus; principalmente, os trabalhados nas oficinas, conforme se verificará no quadro do anexo 5 na página 221. Em capítulo posterior, examinaremos em detalhe essas marcas argumentativas.

27 A autora afirma que mas é considerado por Ducrot “o operador argumentativo por excelência”e assim explica seu esquema de funcionamento: o locutor introduz em seu discurso um argumento possível, com o qual não se engaja, que pode ser atribuído a terceiros, a um determinado grupo ou ao saber comum de determinada cultura; a seguir, opõe-lhe um argumento decisivo para a conclusão contrária, ao qual adere.

28 Segundo Koch (2004c), existe uma diferença entre os operadores do grupo do mas e os do grupo do embora. No caso do mas, cria-se um suspense por se apresentar uma conclusão R, para depois introduzir o argumento que levará o interlocutor à conclusão R’; ao empregar embora, o locutor antecipa que o argumento introduzido por esse operador vai ser anulado.

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