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2.1 TEORIA GERAL DO DISCURSO

2.1.1 Teoria da Argumentação à luz da Nova Retórica

2.1.1.1 Operadores argumentativos

Um estudo acerca da argumentação não poderia ser considerado satisfatório se não dedicasse alguma atenção aos componentes que participam da organização linguística das ideias selecionadas para compor um discurso.

Sabemos que os estudos retóricos sempre se ocuparam da formação dos argumentos e dos recursos linguísticos que captassem a benevolência do auditório para favorecer a adesão dos espíritos, por isso investigar as discretas e sutis estratégias argumentativas utilizadas na composição dos discursos, especialmente quando se pretende convencer ou persuadir alguém, é algo que particularmente nos interessa.

Quando alguém utiliza um enunciado para defender um ponto de vista, pode optar por não apresentar explicitamente todas as suas intenções, mas por construir uma sequência que conduza seu interlocutor a chegar a uma certa conclusão.

No final da década de 90, Maingueneau apresentava os marcadores argumentativos como articuladores textuais que cumprem diferentes papéis, como progressão temática, anáforas, recuperação pressuposicional, etc. e distinguia entre os elementos que direcionam ou restringem os encadeamentos argumentativos duas importantes classes:

os conectivos e os operadores. Os primeiros servem para ligar dois ou vários enunciados, destinando a cada um um papel particular em uma estratégia argumentativa única, enquanto os segundos (não, quase, etc.) aplicam-se a um enunciado único, ao qual conferem um potencial argumentativo específico (MAINGUENEAU, 1997, p. 162, grifo nosso).

Os conectivos se diferenciariam dos conectivos lógicos por ligarem proposições e, também, elementos que se referem à situação extralinguística ou a conteúdos implícitos, ou seja, de natureza bastante distinta.

De maneira geral, considerava-se um enunciado coerente quando algum sentido era construído na interação com seus receptores. Isso ainda nos incita a querer saber como se dá o processo de atribuição de sentido a um texto.

Segundo Koch, “para haver coerência é preciso que haja a possibilidade de estabelecer no texto alguma forma de unidade ou relação entre seus elementos” (1993, p. 21), indicando, assim, que participam da coerência tanto os mecanismos de textualização como os mecanismos enunciativos.

Segundo Bronckart, os mecanismos de textualização incluem os elementos de coesão26. Embora possa haver alguma divergência quanto à definição dos elementos de coesão, consideramos, neste trabalho, principalmente o uso dos elementos de conexão27 ou operadores argumentativos, certos advérbios28, a repetição e/ou a substituição de palavras ou ideias para estabelecer uma relação semântico-lexical e a elipse. No caso da análise de textos argumentativos, daremos maior destaque aos elementos de conexão que estão diretamente articulados ao conteúdo e à infraestrutura geral do texto.

A expressão operadores argumentativos, segundo Koch (1992, p. 30), foi introduzida por Ducrot “para designar certos elementos da gramática de uma língua que têm por função indicar (‘mostrar’) a força argumentativa dos enunciados, a direção (sentido) para o qual apontam”; mas, para que possam ser assim definidos, precisam atender simultaneamente a três condições: a) permitir a construção de um novo enunciado que possa receber novos elementos ou substituir algum deles; b) possibilitar a criação de um novo enunciado com

26 Recursos utilizados para estabelecer vínculos entre os vários segmentos que compõem um texto.

27 Entende-se por elementos de conexão tanto as conjunções e locuções conjuntivas como algumas preposições e

locuções prepositivas e até mesmo algumas palavras denotativas.

28

Principalmente os que assumem a função anafórica, os temporais e os dêiticos, ou seja, aqueles que têm a função de “mostração”, de indicação no espaço.

valor argumentativo diferente; c) não estabelecer a diferença argumentativa por meio de fatos ou de novas informações (DUCROT, 1989, p. 18-19).

Tais referências continuam auxiliando bastante na compreensão de como os marcadores argumentativos contribuem para a organização da argumentação, porém também adotaremos neste trabalho alguns articuladores utilizados por Koch (2002), por perceber a possibilidade de integração dos conectivos/operadores e modalizadores29.

Segundo Koch (1992, p. 133ss), “os articuladores textuais podem ser divididos em três grandes classes: os de conteúdo proposicional, os enunciativos ou discursivo-argumentativos e os meta-enunciativos”.

Os articuladores de conteúdo proposicional incluem os marcadores de relações espaço- temporais, como “naquele jardim”, “a primeira vez”, “depois”, etc., e também os indicadores de relações lógico-semânticas, de condicionalidade, causalidade, finalidade ou mediação, oposição/contraste, disjunção, como “porque”, “para”, “se”, etc.

Os articuladores enunciativos ou discursivo-argumentativos são aqueles que encadeiam atos de fala distintos, por isso apresentam elementos de contrajunção (oposição, contraste, concessão), de justificativa, explicação, generalização, disjunção argumentativa, especificação, comprovação, entre outras. São exemplos desse tipo de articulador tanto conjunções, como “mas”, “portanto”, “isto é”, etc., quanto dêiticos.

Os articuladores meta-enunciativos são utilizados para “comentar” a enunciação. Isso pode ser realizado por:

• delimitadores de domínio, como “geograficamente”, etc.;

• organizadores textuais, como “por um lado/por outro”, “em primeiro lugar”, etc.;

• modalizadores epistêmicos, como “evidentemente”, “aparentemente”, etc.;

29 Do ponto de vista linguístico, os modalizadores são palavras ou expressões que sinalizam o modo como algo

que se diz é dito. Assim, podem indicar comentários ou avaliações formulados pelo enunciador a respeito de alguns elementos do conteúdo temático.

• modalizadores atitudinais ou afetivos, como “infelizmente”, etc.;

• modalizadores axiológicos que expressam a valorização atribuída aos eventos, ações e situações a que o enunciado faz menção, como “mais uma vez”, etc.

• modalizadores de caráter deôntico que indicam o grau de imperatividade ou facultatividade atribuído ao conteúdo proposicional, como “é indispensável”, etc.

• atenuadores, com vista à preservação das faces, como “talvez fosse melhor”, etc.

• metaformulativos de diferentes tipos:

a) comentadores da forma como o enunciador se apresenta perante o outro no ato da enunciação, como “sinceramente”, etc.;

b) comentadores da forma do enunciado, como “em síntese”;

c) nomeadores do tipo de ato ilocucionário que o enunciado pretende realizar, como “minha crítica é que”, “cabe perguntar se...”, etc.;

d) comentadores da adequação do tema ou dos termos utilizados, como “por assim dizer”, “digamos assim”, etc.;

e) introdutores de reformulações ou correções, como “quero dizer”, etc.; f) introdutores de tópico, como “a respeito da questão racial no Brasil”, etc.; g) interruptores e reintrodutores de tópico, realizados por marcadores de

digressão, por exemplo;

h) marcadores conversacionais que operam o “amarramento” de porções textuais, como “agora”, “então”, etc.

Até este ponto, pudemos verificar que os articuladores são multifuncionais, uma vez que, no interior dos textos, desempenham funções variadas, de ordem cognitiva, discursivo- argumentativa, organizacional, meta-enunciativa e interacional, por isso contribuem para a coesão e coerência textual, sinalizando pontos de vista e auxiliam na organização dos argumentos selecionados para a construção dos textos.

2.2 FOUCAULT E OUTROS ANALISTAS DO DISCURSO DISCUTEM OS ATOS DE