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1. UMA POÉTICA DE MOSAICOS?

1.1. Opus musiuum

O breve comentário de Nietzsche sobre as Odes de Horácio já é, hoje, um lugar comum da crítica; entretanto, ainda vale a pena retomá-lo para início do debate:

Até hoje não senti com outro poeta o arrebatamento artístico que uma ode de Horácio me proporcionou desde o início. Em algumas línguas o que ali foi alcançado não pode nem ser desejado. Aquele mosaico de palavras, em que cada palavra, como som, como lugar, como conceito, irradia sua força para direita, para a esquerda e sobre o conjunto, aquele mínimo em extensão e número de signos, e o máximo que obtém na energia dos signos – tudo isso é romano e, se acreditarem em mim, nobre por excelência. Todo o restante da poesia se torna popular demais em comparação – apenas tagarelice sentimental… (2006: 101- 2).

Essa afirmação sobre posicionamento de palavras parece, de certo modo, ecoar alguns comentários antigos sobre Horácio que encontramos em Quintiliano (10.1.96, uerbis

felicissime audax)28 e na fala de Eumolpo em Petrônio (curiosa felicitas)29, bem como em estudos mais recentes sobre o estilo de Horácio30. Embora Nietzsche pareça estar,

      

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Um termo me intriga aqui, audax: Quintiliano vê no projeto horaciano uma audácia (e talvez insolência) além do comum no uso das palavras, porém bem realizada (felicissime). Seria essa audácia verbal a causa do fracasso das Odes em Roma, por contraponto ao registro mais mollis da elegia, que no mesmo momento histórico fazia tanto sucesso? Nesse ponto de vista, a análise mecanicista de Collinge (“Horace is developing an exciting product from a cautious process”, p. 30) parece exatamente perder o senso de risco implicado na sua radicalidade, como tentarei demonstrar.

29 Ele indica que essa curiosa felicitas está relacionada à seguinte precaução: “Praeterea curandum est

ne sententiae emineant extra corpus orationis expressae, sed intexto uestibus colore niteant” (“Ademais, é preciso cuidar para que as sentenças não extrapolem corpo da oração, mas brilhem com uma cor tecida nas vestes”, Satyricon 118). Nas palavras de Tarrant: “The two aspects of the Odes most prized by ancient opinion are their metrical virtuosity and consummate verbal artistry” (2007: 280).

no seu pensamento filosófico, sobretudo interessado na nobreza da poesia horaciana, no seu caráter aristocrático, é outro aspecto que aqui nos interessa: o “mosaico de palavras” e o “mínimo em extensão”31 que constituem sua poesia. Para Nietzsche, a arte horaciana (que ele identifica à arte romana em geral) está no posicionamento sintático das palavras32, aliado a uma escolha minuciosa da “palavra justa” de gosto helenístico33, que é capaz de ampliar seu sentido para além do mero jogo de significação, em outras palavras, o que vemos aqui é o sentido poético, que transcende a interpretação semântica, por adicionar camadas interpretativas — por sua posição, suas contraposições, inter-relações, sua sonoridade etc. — num formato conciso de escrita34. Nietzsche percebe nessa concisão concentrada pela força posicional das palavras um mote para a comparação com o mosaico romano, porque nele vemos um sentido maior pela junção de pequenos quadros pintados. O que podemos depreender dessa comparação é que, muito maior do que as partes separadas, seria a relação estabelecida entre elas (seus contrastes de cor e forma, numa posição premeditada pelo artífice) que criaria um sentido maior. Em outras palavras, num mosaico não vemos um conjunto incoerente de pedras, mas uma imagem derivada dessa conjunção (tema que é muito caro à teoria da Gestalt); porque       

31 Via Ezra Pound, “dichten = condensare” (1961: 36). 32

Hegel havia chegado a uma conclusão similar, porém menos positiva: “Horácio, pelo contrário, precisamente nos lugares em que mais se quer elevar, mostra-se frio e rude, e manifesta uma artificialidade imitativa que não dissimula convenientemente a delicadeza de uma composição onde tudo está calculado”. A conclusão pela artificialidade calculada é a mesma de Nietzsche, porém o gosto romântico da Estética hegeliana dificilmente veria um ponto positivo nessa “inibição” do gênio.

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É o que vemos sugerido, por exemplo, num epigrama de Filetas de Cós (Estobeu, 2.5): Οὐ µέ τις ἐξ ὀρέων ἀποφώλιος ἀγροιώτης

αἱρήσει κλήθρην, αἰρόµενος µακέλην· ἀλλ' ἐπέων εἰδὼς κόσµον καὶ πολλὰ µογήσας, µύθων παντοίων οἶµον ἐπιστάµενος.

Destes montes nenhum campestre brutamontes, mão no machado, arranca-me, um amieiro; mas quem labute, saiba a forma das palavras e conheça as estradas das histórias.

O poema parece ser enunciado pela árvore (o amieiro), mas permite uma leitura alegórica de uma jovem ainda virgem que prefere um poeta a um camponês, ou dos próprios poemas de Filetas, numa referência à defesa do labor limae erudito que se está firmando no tempo do poeta. Cf. ainda Calímaco Epigramas 27 Pfeiffer (sobre Arato).

34 A distinção que faço entre sentido e semântica é, de certo modo, similar à diferenciação entre “ponto

de vista semântico” e “ponto de vista estético” proposta por Abraham Moles em sua Teoria da informação e percepção estética (1969:189-99); com pelo menos uma diferença fundamental: não creio que a informação estética seja intraduzível. Como Moles não julgo ser possível, em última análise, traçar um limite claro entre informação estética e semântica, pois isso acontece na especificidade do leitor (de certo modo, isso está implícito nos ready-mades de Marcel Duchamp, por um lado, e na retórica, por outro): “mensagens de conteúdo puramente semântico e puramente estético não são senão limites, pólos dialéticos. Toda mensagem real comporta sempre, intimamente misturadas, certa proporção de uma e de outra” (ibid.: 196).

diante de uma variedade imensa de subconstruções, o ser humano tende como que naturalmente a fazer dela uma imagem com a qual possa dialogar, por meio da formação contrastiva entre forma e fundo.

No entanto, está longe do meu propósito tentar compreender leis da visão ou compreensão humana. O que me interessa talvez aprofundar é a visão de poesia como mosaico apresentada por Nietzsche e testá-la em seus limites. O único caso de um estudo similar de que tenho conhecimento até o momento é o livro Ludic proof, de Reviel Netz (2009), onde o autor argumenta que as obras matemáticas do período helenístico obedeciam um modelo de escrita próximo ao do mosaico e que, por sua vez, isso seria um traço da escrita helenística em geral, como ele tenta provar pela comparação com a poesia. Para Netz, esse processo seria fundamental na poesia helenística; e ele mesmo afirma que o que ele denomina (2009: 220) mosaic-structure (“estrutura de mosaico”) seria o equivalente ao que Fantuzzi & Hunter (2004) chamam contamination (“contaminação”) em seus estudos sobre poesia helenística. Em outras palavras, para Netz o mosaico é “a construção de uma única obra a partir de elementos diversos” (ibid.: 228), tais como a incorporação de cálculos ou de elementos da física a um tratado geométrico. Um exemplo notável pode ser resumido na seguinte explicação sobre a estrutura de um livro de Arquimedes (De lineis

spiralibus). Netz analisa como a abertura do tratado apresenta uma série de

proposições que parecem não ter relação alguma com o tema central; porém, quando nos aproximamos do fim do tratado, aqueles dados são retomados para criar um efeito maior na composição do livro:

The shock of surprise is double: as you enter proposition 24, you do not know what to expect; and as you leave, you suddenly realize why proposition 10 was there all along. This moment of double surprise is certainly the rhetorical climax of the treatise, appearing appropriately at its geometrical climax35.

Netz observa como a construção aparentemente aleatória da proposição 10 só ganha sentido pleno quando o leitor está próximo do fim do livro. Esse efeito, passa a ser de importância lógica, mas também estética para o texto matemático; já que não altera as leis fundamentais do assunto, mas é capaz de mudar a visão do leitor diante dos       

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“O choque da surpresa é duplo: quando entramos na proposição 24, não sabemos o que esperar; quando saímos, é possível perceber porque a proposição 10 estava lá desde o início. Esse momento de dupla surpresa é com certeza o clímax retórico do tratado, que aparece devidamente em seu clímax geométrico” (ibid.: 11).

problemas apresentados por Arquimedes. Procedimentos similares aconteceriam em outros tratados de Arquimedes, bem como nas obras de outros matemáticos gregos, tais como Euclides. O problema dessa abordagem instigante de Netz é, no entanto, dupla: por um lado, ele apresenta análises quase que exclusivamente no campo da macroestrutura dos livros, deixando de lado a minúcia constitutiva desses textos, de modo que ficamos sem um estudo sobre as possibilidades de mosaico em outros níveis. Em segundo lugar, e a meu ver o problema mais importante, como aponta Markus Asper (2013: 76) numa resenha sobre o livro, Netz “poderia ter tornado seu estudo ainda mais convincente se integrasse algumas passagens sobre materiais visuais”. Asper observa, com isso, um problema fundamental no trabalho em questão: ao usar o conceito de mosaico, Netz faz um uso instintivo do termo e em momento algum analisa as técnicas do mosaico, ou as reais similaridades entre um mosaico helenístico e um tratado matemático da mesma época. Para ele, o mosaico é, de modo mais abstrato, um dispositivo que gera “suspense e surpresa, transições abruptas, expectativas criadas e frustradas […]” (2009: 3). Como veremos mais adiante, os processos que analiso em Horácio são muito similares aos propostos por Netz, porém pretendo demonstrar tanto algumas similaridades como algumas dissonâncias entre o mosaico das artes visuais e o mosaico da poesia.

Para isso, creio que podemos nos deter um pouco sobre o que era o opus musiuum romano. Em primeiro lugar, é importante notar que o termo demora a aparecer na literatura romana: Plínio, por exemplo, o descreve sempre como pauimentum tesseris structum (“pavimento composto por tesserae”). Num artigo intitulado “Imagens ‘bordadas’ na pedra: os mosaicos como fonte para o estudo da sociedade imperial romana” (2013), Gilvan Ventura da Silva tenta analisar a feitura dos mosaicos romanos e suas relações com a cultura. Como atenta Da Silva36, opus musiuum é derivado das Musae, as divindades patronas das artes comumente evocadas na poesia, pelo menos a partir da História Augusta (Vida de Pescênio 6.8), onde vemos a expressão pictum de musiuo, para depois vermos hominum genera musiuum picta aparecer em Agostinho (Cidade de Deus 16.8). Da Silva, portanto, parece deixar de lado o dado de que o termo aparece apenas na Antiguidade Tardia romana. Um pouco       

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Boa parte das informações subsequentes são profundamente debitárias a esse artigo (sobre o assunto, é um dos poucos de que tenho conhecimento em português), bem como da entrada “Mosaico” da Gedea Arte, vol. 9 (1999: 671-706), com contribuições de vários estudiosos, e de King, 2002, Dunbabin, 1999 e Pappalardo & Ciardiello, 2012.

antes, o que temos são o termo grego lithostrotum, mencionado por Varrão (Res

rusticae 3.1.10 e 3.2.4) e Plínio (História natural, 36.184 e 36.189); e também os

termos tessellata e sectilia em Suetônio (Vida de Júlio, 46.1), pauimenta sectilia aparce em Vitrúvio (De arch. 7.1.3-4). Por isso, tudo nos levar a crer que a relação com as Musas seja mais derivada do espaço tipicamente reservado aos mosaicos pelos romanos: os jardins de uma uilla, onde poderíamos encontrar grutas reservadas às ninfas (nymphaeum) ou às musas (musaeum); nesse caso, um opus musiuum seria simplesmente a obra feita no musaeum. Mas certamente — ut pictura poesis — o mosaico partilhava aspectos comuns com a poesia, por isso vejamos rapidamente alguns detalhes do seu desenvolvimento.

Apesar de ter uma grande fama ligada ao seu desenvolvimento entre os romanos, sua origem técnica é datada em cerca de 3.000 a.C. (fig. 1), no Oriente Próximo, e também temos exemplares micênicos datados do séc. VIII, em Górdion, antiga capital da Frígia. Porém seu principal desenvolvimento parece ter ocorrido entre os gregos a partir do séc. V a.C., que era como pensava Plínio (NH 36.184), de modo que hoje muitos estudiosos compreendem que o mosaico helênico tenha origem indígena (Dunbabin, 1999: 5). Como observa King, os mosaicos mais antigos da Grécia já apresentam um desenvolvimento técnico no uso de seixos para desenhos relativamente complexos (fig. 2), apesar das poucas cores e das estruturas mais lineares, o que sugere uma tradição mais antiga que simplesmente não chegou até nós. Tudo nos leva a crer que, em Olinto, os mosaicos eram um luxo para poucos membros de uma elite; alguns exemplares em casas privadas mostram que o lugar mais comum desses mosaicos eram as salas de jantar (andrones); isso já demonstra no mosaico antigo uma vocação para os espaços limítrofes entre o privado e o público: o banquete é esse espaço, quando um cidadão recebe outros cidadão em sua própria casa. Nos mosaicos de Olinto, ainda encontramos inscrições tais como ἀγαθή τύχη (boa fortuna), que levam Dunbabin (ibid.: 8) a considerar as funções apotropaicas dessa arte.

Fig. 1: Mosaicos de argila colorida em semicolunas em Uruk, (circa 3.000 a.C.).  

 

Fig. 3: Um casa de Delos (séc. II-I a.C.). O uso de seixos persiste, mas já não é restrito à elite (há mais de 350 pavimentos na ilha). Importante ver a coexistência de mosaicos preto-e-branco de

seixos com mosaicos coloridos em tesselatum, nessa mesma imagem.

No início do período helenístico, nos séc. IV-I a.C. (fig. 3), primeiro em Pela, depois em Pérgamo e Alexandria vemos um desenvolvimento técnico (desenhos mais complexos, busca por maior realismo, mais cores, com influência da pintura); é então que aparece a primeira menção a um mosaico na literatura grega (Ateneu 206d) a respeito da ornamentação de um barco de Hierão II feita com pequenos cubos (ἀβακίσκοι); é também datado de meados do séc. III o papiro Cairo Zenon 59.665, onde lemos algumas especificações sobre mosaicos. É nesse período de experimentação técnica que aparece também o único mosaicista cujo nome é recordado na literatura antiga37: Soso de Pérgamo (fig. 4). Com o uso de tesserae (ou

tessellae), cubos cortados de pedra, vidro ou terracota cerca de 4 ou 5 cm cuja

principal vantagem, em comparação aos seixos, era a possibilidade de ampliar a gama de cores (Dunbabin, 1999: 18-19). O termo, no entanto, é de origem romana: tessella aparece em Sêneca (Questões naturais 6.31.3) e nas Sátiras de Juvenal (11.132) em casos em que há clara referência à arte do mosaico. E, por fim, nesse mesmo período helenístico que se desenvolve a técnica do uermiculatum minucioso, que podemos conferir na fig. 438.

      

37 Plínio, NH 38.184: celeberrimus fuit in hoc genere Sosus: ele também teria inventado o mosaico

pavimental do asorokos oikos, a casa não-varrida. Entre os alexandrinos, temos uma obra impressionante em uermiculatum assinada por Sófilo, em Tmuis (circa 200 a.C.), em que aparece representada Berenice II.

38 Esses opera uermiculata geralmente ocupavam uma parte menor do mosaico como um todo, e eram

amiúde feitos nas oficinais dos mosaicistas (e não in loco, como o resto do mosaico), por isso ganhavam o nome específico de emblema, derivado do grego (cf. Pappalardo & Ciardiello, 2012: 12- 13): “In general, the emblemata, whether original subjects or copies of famous paintings, were luxury pieces, easily transported due to their small size; for example, Suetonius reports that Caesar was fond

Fig. 4: “Pombas Capitolinas” da villa do imperador Adriano (c. 120 d.C.). O mosaico é provavelmente uma cópia do original grego feito por Soso de Pérgamo (séc. II a.C.).

Foi só com a crescente expansão romana dos séc. II-I a.C. por territórios gregos, que Roma finalmente passou a ter contato mais constante com uma técnica já bastante desenvolvida, um processo que ocorreu junto com a adaptação dos gêneros poéticos gregos aos modos latinos num processo de progressivo desenvolvimento imitativo dos resultados: “In mosaic as in other arts, Italy in the last two centuries BC absorbed the

full impact of Hellenistic influence”39. Embora, é claro, o mosaico romano tenha trazido suas especificidades: um exemplo significativo é a probabilidade de que os mosaicos parietais (figs. 16 e 17) tenham sido uma invenção itálica (cf. Plínio, NH 36.189, que defende que teriam sido criados no tempo de Sul), já que não encontramos exemplos gregos que tenha sobrevivido40. Essa mudança de posição do mosaico altera também as relações de observação, jogos de luz, etc. Um dos exemplos mais notáveis dessa arte no mundo romano é o imenso mosaico do Nilo, uma imagem que constava no Templo da Fortuna, em Preneste, provavelmente composto no início do século I a.C. “sem dúvida atribuível à escola alexandrina”, segundo Kurt Körbel (Gedea Arte, 1999: 676)41.

        of bringing tessellata et sectilia pauimenta along on his military campaigns, apparently to decorate his tent (Julius Caesar 46)”.

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“No mosaico, assim como nas outras artes, a Itália, nos últimos dois séculos a.C. absorveu todo o impacto da influência helenística” (Dunbabin, 1999: 38).

40 Tema analisado em minúcia por Dunbabin (1999: 236-53), com a tese de que foi essencialmente uma

invenção romano, e en passant por Papparlado & Ciardiello (2012: 55).

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O estado atual do mosaico nos apresenta alguns problemas: ele foi retirado de seu local ainda no séc. XVII e depois remontado a partir de desenhos. Com isso, há uma série de problemas estruturais, embora a iconografia geral — e talvez o estilo — parece ter sido reconstituída de modo confiável (cf.

Fig. 5: “Mosaico do Nilo”, templo da Fortuna, Preneste, séc. I a.C. 5,8m x 4,3m. É, talvez, a imagem mencionada por Plínio (História natural 36.189).

Trata-se de uma descrição da enchente anual do Nilo desde sua nascente (no alto) até desaguar junto ao porto de Alexandria (em baixo à direita): uma narrativa imagética composta de uma sucessão de imagens em ziguezague que revela os monumentos arquitetônicos que cercam o leito do rio, ao mesmo tempo em que faz um erudito manual de zoologia antiga (Pappalardo & Ciardiello, 2012: 129). Sobre este mesmo mosaico, Barbara Hughes Fowler foi ainda mais longe, ao compará-lo com as técnicas da poesia helenística: “this astounding mosaic […] reflects or shares in the same

        Dunbabin, 1999: 49 e Pappalardo & Ciardiello, 2012: 125-6). Dunbabin (p. 51) ainda comenta a minúcia factual da obra: “The lower part of the mosaic shows a familiarity with Egypt and Egyptian life quite different from the generic Nilotic scenes common in Roman art”.

aesthetic that governs Apollonius epic”42; nesse caso, o que se partilha ainda não é propriamente o procedimento, mas uma poética geral.

A técnica, portanto, era a inserção de pequenas peças sobre o cimento, ou algum tipo de reboco, para a produção de temas geométricos mais abstratos (fig. 1), ou para a representação de homens, plantas e animais em geral (fig. 3, 4 e 5), “o que lhes permitiu inclusive suplantar a pintura como principal técnica” (ibid.). De tal modo os mosaicos invadiram a vida dos romanos, que é comum dividi-los em alguns tipos principais quanto à disposição (em verdade, como há poucos casos de teorização sobre o mosaico na Roma antiga, os conceitos são vagos e acabaram sendo posteriormente organizados):

a) opus regulatum, feito de peças quadradas regulares, tanto na horizontal como na

vertical.

Fig. 6: regulatum.

b) opus sectile, feito de peças maiores (crustae), que costumam ter a forma desejada (na imagem abaixo, imagina-se que o peixe seja feito de apenas uma peça).

Fig. 7: sectile.

      

42 “[…] esse impressionante mosaico […] reflete ou partilha da mesma estética que governa a épica de

Fig. 8: mosaico sectile do séc. IV d.C., da Basílica de Júnio Basso, no Monte Esquilino.

c) opus tessellatum, similar ao regulatum, porém neste caso as peças são enfileiradas apenas no sentido vertical ou horizontal (parece ser o caso da fig. 1, porém naquele caso as peças foram feitas em formatos cilíndricos).

Fig. 9: tessellatum.

d) opus uermiculatum, uma técnica já mais complexa formada por tesserae bem pequenas (uermiculus, “vermezinho”) que se sobrepõem em camadas similares e parecem criar uma aura em torno da imagem. O termo aparece em um fragmento de Lucílio citado por Plínio (NH 36.185), com a expressão emblemate uermiculato.

Fig. 11: uermiculatum em torno de um sectile.

e) opus musiuum, provavelmente a forma mais complexa, que é quando o

uermiculatum se expande até ocupar toda a área, criando uma textura contínua. Nas

palavras de Ernst Kitzinger, “mosaico parietal derivado do opus uermiculatum” (Gedea Arte, 1999: 673)

Fig. 12: musiuum.

Fig. 13: Painel central de um mosaico de chão, séc. I a.C.43

      

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Pappalardo & Ciardiello (2012: 138), ao comentarem outro mosaico duplo com os mesmos desenhos, que se encontra na Casa do Fauno, lembram como a temática da caça e da pesca implicada pelas imagens fazia parte da epigramática helenística.

Desses44, os principais são o tessellatum, que costumava ser instalado no pavimento dos edifícios, e o musiuum, nas paredes e abóbadas (mais comuns nos edifícios ricos, como palácios e termas); como se poderia imaginar, os que temos hoje são majoritariamente tessellata, porque não ruíram com os anos e se mantiveram em melhor estado. Um detalhe que ainda me parece importantíssimo sobre os mosaicos é sua distribuição social:

a arte musiva não se encontrava à disposição de todas as camadas da população. Pelo contrário, os mosaicos constituem uma técnica de decoração refinada ao alcance principalmente da aristocracia e, quando muito, de alguns setores médios urbanos, como os comerciantes. […] os mosaicos romanos que conhecemos provêm,