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História – constituições pretéritas

Vamos fazer um breve histórico do orçamento público no Brasil, analisando o tema orçamentário em nossas constituições pretéritas:

1824: nessa época, o Brasil ainda era um império! Mas a Constituição Imperial de 1824 fazia menção ao orçamento. Ela instituiu a obrigatoriedade do orçamento formal por parte das instituições do período imperial. Nela, a competência da elaboração da proposta era do Executivo e a competência da aprovação era do Legislativo.

1891: agora já somos uma república (proclamação da república foi em 15/11/1889) e esta foi a nossa primeira Constituição Republicana. Ela trouxe mudanças: a elaboração da proposta tornou-se competência privativa do Congresso Nacional. Portanto, aqui temos um orçamento legislativo. E uma curiosidade: essa Constituição também instituiu um Tribunal de Contas.

1934: governo de Getúlio Vargas (que chegou ao poder depois da Revolução de 1930). A Constituição de 1934 conferiu destaque ao orçamento público. E também fez modificações: a elaboração da proposta orçamentária volta a ser competência do Executivo e a sua aprovação é competência do Legislativo. Isto é:

orçamento misto. Além de votar o orçamento, o Legislativo também julgava as contas do Presidente da República, contando para tal com o auxílio do Tribunal de Contas (olha aí o modelo atual surgindo... ).

1937: a Constituição de 1937 (também conhecida como Polaca) foi outorgada e marca o início do período conhecido como Estado Novo (1937 – 1946), caracterizado pela centralização do poder, nacionalismo, anticomunismo e por seu autoritarismo. É interessante saber disso, porque (veja a esperteza...) a norma previa que a elaboração da proposta era competência do Executivo e a competência da aprovação era da Câmara dos Deputados e do Conselho Federal (composto por membros nomeados pelo Presidente da República). Só que essas duas câmaras legislativas nunca foram instaladas e o orçamento sempre foi elaborado e decretado pelo próprio presidente. Esse é o nosso exemplo de orçamento executivo.

1946: redemocratização. Voltamos ao orçamento misto. Agora o Poder Legislativo pode fazer emendas à proposta orçamentária. Os dispositivos constitucionais consagraram princípios orçamentários básicos (unidade, universalidade, exclusividade...) e definiram o papel do Tribunal de Contas de forma mais clara.

1967: Regime Militar (1964 – 1985), de caráter autoritário e nacionalista. O tipo de orçamento continuava misto, isto é, o Executivo elabora a proposta e o Legislativo vota e aprova. No entanto, o Legislativo não podia fazer emendas relevantes, e isso o enfraqueceu muito (viu a esperteza de novo? ). O Legislativo não podia propor emendas que causassem aumento de despesas ou visassem modificar o seu montante, natureza ou objetivo. Se não pode mudar isso, o que é que o Legislativo pode mudar? Praticamente nada!

1988: democracia! O tema orçamentário ganhou destaque na Constituição Federal de 1988. As novidades aqui, no âmbito orçamentário, são: a) devolução ao Poder Legislativo da prerrogativa de propor emendas; b) explicitação do sentido da universalidade (quais receitas e despesas devem integrar o orçamento público?); c) instituição do Plano Plurianual (PPA) e Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Para finalizar, uma tabela resumindo tudo isso7: Constituição

de...

Elaboração Aprovação Característica

1824 Executivo Legislativo Império

1891 Legislativo Legislativo Orçamento legislativo

1934 Executivo Legislativo Orçamento misto

1937 Executivo Legislativo (mas na prática era o Executivo)

Orçamento executivo

1946 Executivo Legislativo Legislativo pode fazer emendas

1967 Executivo Legislativo Legislativo praticamente não pode

fazer emendas

1988 Executivo Legislativo Emendas, universalidade, PPA e LDO

Natureza jurídica do orçamento brasileiro

Qual é a natureza jurídica do orçamento público brasileiro? De cara, vou logo lhe dar a resposta e depois comentá-la. A Lei Orçamentária Anual (LOA) brasileira é:

• Lei formal e material;

• Lei ordinária;

• Lei temporal (ou temporária);

• Lei especial.

“O que seria uma lei formal e material, professor?”

Bom, a doutrina costuma classificar as leis em: lei em sentido formal e lei em sentido material. Lei em sentido formal é toda norma que seja produzida em atenção ao processo legislativo previsto nos arts. 49 a 59 da Constituição Federal. Não importa o que estiver escrito nesse ato normativo. O conteúdo desse ato normativo não importa, é irrelevante! Passou por um processo legislativo? É lei em sentido formal.

Já a lei em sentido material é o contrário: o conteúdo é que é importante. Não interessa se a norma passou por um processo legislativo. O importante é que seu conteúdo tem caráter geral e abstrato, isto é, suas normas são dotadas de abstração e generalidade, isto é, aplicam-se a um número indeterminado de indivíduos e situações futuras.

7 PALUDO, Augustinho. Orçamento público: Administração Financeira e Orçamentária e LRF, 5ª ed., 2015.

Com efeito, podemos muito bem ter leis que são, ao mesmo tempo, formais e materiais. Podemos ter leis somente materiais. E podemos ter leis somente formais, que são conhecidas como leis de efeitos concretos (ou leis individuais), porque seu conteúdo não é próprio de lei, mas é o ato normativo é uma lei mesmo assim.

Ok! Depois de toda essa explicação e embasados pela nova jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), podemos dizer que o orçamento público brasileiro é considerado uma lei formal e material.

Após anos de jurisprudência no sentido de que o orçamento público brasileiro seria apenas lei formal, o STF consolidou o entendimento, em 2016, que as leis orçamentárias podem ser objeto de controle abstrato (e concentrado) de constitucionalidade. A tese é que o controle concentrado de constitucionalidade se mostra adequado quando a lei orçamentária revela contornos abstratos e autônomos, abandonando o campo da eficácia concreta.

Observe trechos do julgado:

Leis orçamentárias que materializem atos de aplicação primária da Constituição Federal podem ser submetidas a controle de constitucionalidade em processos objetivos.

É possível a impugnação, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, de leis orçamentárias. Assim, é cabível a propositura de ADI contra lei orçamentária, lei de diretrizes orçamentárias e lei de abertura de crédito extraordinário.

STF. Plenário. ADI 5449 MC-Referendo/RR, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 10/3/2016

De acordo com Marcus Abraham, “ao superar a sua defasada concepção de que haveria uma suposta ausência de normatividade, abstração e generalidade nas leis orçamentárias (...), o STF passa a absorver os bons ventos dos novos tempos, deixando para trás a obsoleta influência da teoria do jurista germânico Paul Laband (de meados do século XIX), o qual forjou a tese da natureza de lei formal do orçamento público como mero ato administrativo autorizativo, passando a reconhecer materialidade e substancialidade ao seu conteúdo.”

Preste atenção!

Segundo jurisprudência do STF (2016), a LOA é lei formal e material e é possível o controle de constitucionalidade de leis orçamentárias.

A LOA também é uma lei ordinária e não uma lei complementar. A LOA não exige quórum qualificado para sua aprovação. Apesar de toda sua importância, é necessária somente a maioria simples. Quando a CF/88 demanda lei complementar, ela fala expressamente em “lei complementar”. Se falar somente em “lei”, entenda lei ordinária. Observe o seguinte dispositivo constitucional:

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

A CF/88 falou somente em “leis”, viu? Então entende-se que são leis ordinárias.

Além disso, a LOA também é temporal! A sua vigência é limitada! Lembra do princípio orçamentário da anualidade (ou periodicidade)? O orçamento deve ser elaborado e autorizado para um determinado período de tempo, geralmente de 12 meses, chamado de exercício financeiro. Para comprovar isso, observe só esse trecho do art. 1º da lei 13.587/18, a Lei Orçamentária Anual da União para o exercício de 2018:

Art. 1º Esta Lei estima a receita da União para o exercício financeiro de 2018 (...)

A lei orçamentária brasileira também é especial, porque possui matéria específica (previsão de receitas e fixação de despesas) e processo legislativo diferenciado, mais célere que o processo legislativo ordinário.

Questões para fixar

CESPE – ANTT – Técnico administrativo – 2013

A CF em vigor confere ao orçamento a natureza jurídica de lei formal e material. Por esse motivo, a lei orçamentária pode prever receitas públicas e autorizar gastos.

Comentários:

Primeiro, observe o ano da questão: 2013. Segundo, lembre-se do ano em que o STF consolidou o entendimento de que o orçamento público brasileiro é lei formal e material: 2016.

Agora perceba que, à época da questão, o gabarito seria errado, pois considerava-se que o orçamento público tinha natureza jurídica de lei formal. Hoje, o gabarito seria certo.

Gabarito: Errado, à época. Hoje: certo.

CESPE – TCE-PE – Auditor de Controle Externo – 2017

Prevalece no Brasil a compreensão de que o orçamento público é lei apenas em sentido formal, visto que é aprovado pelo Poder Legislativo, mas é substancialmente ato de natureza político-administrativa, insuscetível de hospedar normas gerais ou abstratas próprias de lei em sentido material.

Comentários:

Essa foi uma questão bem polêmica na época do concurso. A banca recebeu uma enxurrada de recursos, mas manteve o gabarito!

Mais uma vez, repare na data da realização do concurso: 2017. Após a jurisprudência do STF. O entendimento atual é que o orçamento público brasileiro tem natureza jurídica de lei formal e material, sendo suscetível sim de hospedar normas

LOA

Lei formal e material Controle abstrato de constitucionalidade

Lei ordinária Não é lei complementar.

Não exige quórum qualificado

Lei temporal Vigência limitada (princípio da anualidade)

Lei especial Matéria específica e processo legislativo

diferenciado

gerais ou abstratas próprias de lei em sentido material. A questão utilizou o entendimento antigo, afirmando que “o orçamento público é lei apenas em sentido formal”. Por isso, a questão ficou errada.

Gabarito: Errado

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