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CAPÍTULO 3 – LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL

3.1 LINGUAGEM, METAFUNÇÕES, SISTEMAS

3.1.1 Metafunção ideacional

3.1.1.1 Função experiencial: sistema de transitividade

3.1.1.1.1 Orações verbais e mentais

Os processos verbais estão localizados em um contínuo entre os relacionais e os mentais e compartilham atributos de ambos, formando um tipo particular de processo (HALLIDAY, MATTHIESSEN, 2014). Processos verbais e mentais dividem

a capacidade de projetar fenômenos de segunda ordem. As orações com processos verbais auxiliam para a existência de passagens dialógicas, permitindo que o jornalista atribua informações a vozes externas. O discurso jornalístico utiliza com muita frequência os processos verbais, tendo em vista o cuidado com o discurso das fontes consultadas (CABRAL; BARBARA, 2012). As orações verbais têm seu núcleo formado pelos processos de dizer e auxiliam na constituição de vários gêneros, como a notícia, ao permitirem que o jornalista atribua informações a diversas fontes (FUZER; CABRAL, 2014), conferindo credibilidade ao discurso jornalístico.

Processos verbais podem ser de dois tipos: de atividade e de semiose. Como exemplos de processos verbais de atividade temos “acusar”, “elogiar”, “criticar” “falar”, ”xingar”, etc. Já os processos verbais de semiose englobam verbos como “contar”, “relatar”, “perguntar”, “ameaçar”, “dizer, “explicar”, etc (CABRAL; BARBARA, 2012; HALLIDAY; MATTHIESSEN; 2014). O Quadro 1, apresenta exemplos de verbos que realizam processos verbais.

Quadro 1 – Verbos que realizam processos verbais

Tipo Exemplos de verbos

Atividade Alvo

acusar, caluniar, criticar, culpar, difamar, denunciar, elogiar, injuriar, insultar, lisonjear, repreender, xingar

Fala conversar, falar

Semiose

Neutro contar, dizer

Indicação

anunciar, contar (algo a alguém), convencer (alguém de algo), explicar, informar, provar, relatar, persuadir (alguém de algo), prometer (algo a alguém)

perguntar (a alguém se), interrogar, indagar-se

Comando

ameaçar (alguém de algo), convencer (alguém a pensar ou fazer algo), dizer (para alguém fazer algo), exigir, implorar, mandar, pedir (para alguém fazer algo), ordenar, persuadir (alguém a fazer algo), prometer (algo a alguém), rogar, solicitar, suplicar

Fonte: Adaptado de Halliday e Matthiessen (2014, p. 305) e Fuzer e Cabral (2014, p. 72).

Dentre os participantes das orações verbais estão, normalmente, um Dizente, um Receptor, uma Verbiagem e, às vezes, um Alvo (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, 2014; VERGARA, 2015, p. 147). Dizente é o próprio falante; Receptor é o participante para quem é dirigida a mensagem; a Verbiagem é o que é

dito e o Alvo é a entidade atingida pelo processo de dizer (FUZER; CABRAL, 2014, p. 73). O Exemplo 8 mostra uma oração verbal constituída por alguns desses participantes.

Exemplo 8

Dunga pede desculpas à torcida. (FUZER; CABRAL, 2014)

Dizente Processo Verbal Verbiagem Receptor

O dizer, que se constitui como elemento complementar dos processos verbais, pode ser representado de duas maneiras diferentes na oração verbal: por meio do participante Verbiagem ou pela projeção. A Verbiagem, aquilo sobre o que se fala, pode indicar o conteúdo do que é dito, o nome do dizer ou o nome de uma língua e são realizados, geralmente, por um grupo nominal que pode ser a nominalização do que é dito. Esse papel de Verbiagem pode, muitas vezes, ser realizado por outra oração que é chamada de projetada. A projeção, que veremos mais detalhadamente na subseção 3.1.1.3, é uma relação lógico-semântica por meio da qual a oração funciona como a representação da representação, na forma de relato ou de citação, sendo comum em notícias, quando o autor deseja atribuir a informação a fontes externas (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, 2014; CABRAL; BARBARA, 2012).

Uma das formas de projeção é a citação, como no Exemplo 9, sendo que a oração projetante é constituída por um processo verbal, o “dizer” e a projetada vem normalmente introduzida, na forma escrita, por aspas.

Exemplo 9

“Os terceirizados receberão capacitação para participar de processo seletivo simplificado para que possam permanecer no quadro de pessoal”, disse. (UFRN#7)

Também é possível projetar o discurso do outro por meio de relato, cuja oração pode ser introduzida por “que” ou “se”, conforme mostrado no Exemplo 10.

Exemplo 10

Não só para falar utilizamos a linguagem, mas também a utilizamos para pensar (HALLIDAY, MATTHIESSEN, 2014). Orações mentais são formadas por processos que se referem à experiência do mundo de nossa consciência (HALLIDAY, MATTHIESSEN, 2014; FUZER; CABRAL, 2014). Eles podem indicar afeição (adorar, abominar), cognição (acreditar, esquecer) percepção (escutar, provar) ou desejo (almejar, cobiçar) e têm a função de construir o fluxo de consciência do falante/escritor. Nesses tipos de oração o participante pode ser um humano ou coletivos humanos que pensam, sentem, percebem e desejam e também seres inanimados ou desprovidos de consciência criados pela mente humana, que são chamados de Experienciadores. Já aquilo que é pensado, sentido, percebido ou desejado é chamado de Fenômeno (HALLIDAY, MATTHIESSEN, 2014; FUZER; CABRAL, 2014), como apresentamos no Exemplo 11.

Exemplo 11

Abelhas não gostam de celulares. (FUZER; CABRAL, 2014)

Experienciador Processo Mental Fenômeno

Uma oração mental pode também projetar outro oração. Utilizamos o nexo projetante com orações mentais na representação do pensamento do falante ou destinatário em um diálogo, para representar a consciência de um personagem em uma narrativa, as opiniões e crenças de um especialista ou instituição em reportagens e no discurso científico, assim como para representar o ponto de vista do falante nesse último gênero, como resultado de uma linha de raciocínio (HALLIDAY, MATTHIESSEN, 2014, p. 515). Por exemplo, no complexo oracional trazido no Exemplo 12, a oração projetante é mental, mais especificamente de cognição, enquanto que a oração projetada representa uma ideia em vez de uma locução.

Exemplo 12

Rondon de Castro, presidente da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (Sedufsm) -

Acredita que a adesão à empresa pública será uma forma de privatização do HUSM. (UFSM#11)

Também podemos encontrar exemplos de citação do pensamento como no Exemplo 13, mas esses casos são menos comuns e servem para reconhecer o fato de que alguém pense em palavras.

Exemplo 13

“Nossa meta é criar mecanismos para fortalecer o SUS. Com isso poderemos ampliar os

atendimentos e elevar a qualidade do serviço”, acredita o Pró-Reitor de Planejamento.

(UFRN#2)

Como podemos ver, orações podem ser projetadas, tanto por processos verbais como por mentais em citações e relatos. Além da citação e do relato canônicos, podemos mencionar ainda uma forma híbrida, a citação evocada, também chamada por (MAINGUENEAU, 2008) de ilha textual. Mesmo que esse tipo de construção seja tratada globalmente como um relato, ela carrega algumas palavras atribuídas aos enunciadores citados (CHARAUDEAU, 2007; SANTOS; 2011; MAINGUENEAU, 2008). Além da ilha textual, Maingueneau (2008) também comenta que essas formas híbridas podem ser formadas pelo discurso relatado e o “que”, como no Exemplo 14, a seguir.

Exemplo 14

Na réplica, Dimas disse que a "chapa 1, mais uma vez, não se posiciona claramente sobre a política de recursos humanos". (UFJF#20)

No Exemplo 14, a oração projetante é formada pelo processo “dizer” e a conjunção integrante “que” e a oração projetada é uma citação, sinalizada pelo emprego de aspas duplas. Trata-se de uma “mescla” entre citação e relato, um procedimento muito utilizado pela imprensa. Maingueneau (2008) explica que o desenvolvimento desse tipo de discurso relatado revela uma evolução da mídia que, uma vez que a televisão, com suas entrevistas ao vivo, pode estar influenciando os jornalistas a buscarem atuar em duas frentes ao mesmo tempo mantendo uma certa distância em relação aos indivíduos de quem falam, procurando aproximar-se da linguagem e ponto de vista deles; não satisfeitos em apenas comentar acontecimentos e descrever a realidade, “pretendem restituir o ponto de vista e as palavras dos atores” (MAINGUENEAU, 2008, p. 152).

Caldas Coulthard (1994) sugere uma classificação dos verbos de dizer, de acordo com a função deles in relação à oração relatada. Os verbos neutros estruturantes que introduzem o dizer sem necessariamente avaliá-lo; os verbos de glosa ilocucionários são aqueles que transmitem a presença do autor no texto e são altamente interpretativos e podem ser metalinguísticos ou metaproposicionais, que podem ser de três tipos: assertivos, diretivos ou expressivos; outros verbos são

descritivos em relação à interação representada, podendo marcar o modo ou a atitude do falante em relação ao que está sendo reportado; finalmente, os verbos sinalizadores do discurso, que não são verbos de relato em absoluto, mas frequentemente acompanham o discurso citado, marcando a relação entre a citação a outras partes do discurso ou marcam o desenvolvimento do discurso. O Quadro 2 demonstra mais claramente essa taxonomia sugerida por Caldas-Coulthard (1994):

Quadro 2 – Verbos de relato

Fonte: Adaptado de Caldas-Coulthard (1994, p. 306).

Para fins de análise, neste trabalho, categorizamos os processos verbais, com base em Coulthard (1994) e Halliday e Matthiessen (2014), em cinco tipos:

1) Processos neutros, como “dizer” e “falar”, por exemplo;

2) Processos mentais com valor de verbais, tais como, “acreditar” e “lembrar”; 3) Processos sequencializadores do discurso, como “continuar” e

“prosseguir”;

4) Processos de modulação de voz, como “salientar”, “frisar” e “ressaltar”; 5) Processos assertivos, que distanciam o falante/escritor do que foi

reportado, como “afirmar”, “explicar”, “alegar”.

Na seção seguinte, ainda dentro da metafunção ideacional, mas no nível acima da oração, temos a função lógica que é responsável pelas combinações de

grupos lexicais e oracionais. Esses grupos formam as relações lógico-semânticas onde destacamos as projeções, cuja compreensão será pertinente à análise das notícias que compõem o corpus do presente estudo, já que as vozes convocadas pelos jornalistas das notícias são apresentadas na forma de projeção ou de circunstâncias de ângulo.