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1. Enquadramento Legal da Educação Pré-Escolar

1.3. A Língua Portuguesa nas Brochuras – Textos de apoio para Educadores de Infância

1.3.1.1. O Oral / Os Sons

Os sons da fala acompanham-nos no nosso dia a dia e não os podemos ignorar no quotidiano da criança. Estes estão presentes na sua vida desde o nascimento e o seu

4 “Oracia é a capacidade de cada indivíduo de comunicar oralmente de forma competente” (Pereira e

Viana, 2003: 1).

5 “Literacia, tal como definida no estudo PISA, M.E., 2001a, (…) é a capacidade de cada indivíduo

compreender, usar e de refletir sobre os textos escritos, de modo a atingir os seus objetivos, a desenvolver os seus próprios conhecimentos e potencialidades e a participar ativamente na sociedade” (Pereira e Viana 2003: 1).

desenvolvimento processa-se com recurso à memória auditiva. Desde o próprio choro às vozes que fazem parte do quotidiano do bebé, a criança está a apreender padrões de entoação e ritmo, reagindo aos sons da fala, isto é, a variações acústicas. As entoações de carinho, recriminação, ordem, também são identificadas e, gradualmente, a criança reage com alegria, riso ou choro de acordo com o que compreendeu e, desta forma, interage através de produções vocais como o riso, o choro, o palreio e a lalação que fazem parte do período pré- linguístico6, etapa anterior à articulação de palavras.

A sensibilidade ao som está interligada com a receção auditiva, de forma mais ou menos perfeita, e irá proporcionar à criança a descodificação e interpretação da mensagem oral, de forma correta, possibilitando-lhe distinguir, identificar e reproduzir sons do seu meio sonoro. A partir da voz, podemos produzir grande número de sons que permitem explorar, experimentar e originar diferentes intensidades melódicas. Esses padrões melódicos admitem, de forma privilegiada, perscrutar a linguagem pela maravilha da dimensão do lúdico, pela importância a colocar no jogo de interação e comunicação. O processo de associação do som a uma imagem ou gesto é uma forma facilitadora de a criança se familiarizar com o verbal e não verbal e desenvolver a capacidade de reconhecer semelhanças e diferenças entre os sons, assim como encontrar representações para os sons que ouve e onde cada som vai ter um papel funcional.

O trabalho de treino e desenvolvimento da capacidade de identificação e manipulação de elementos sonoros, comuns e diferentes, na educação pré-escolar, aponta para a utilização de rimas e trava-línguas e a sua aparente relação positiva com o sucesso da linguagem. Assim, Cerezo (1997: 623) refere:

“A disposição para dar atenção e escutar é necessária para uma boa discriminação auditiva e esta, por sua vez, intervém numa correta discriminação fonética, base da linguagem oral, tanto na sua vertente compreensiva como na expressiva.”

A criança, ao recorrer a métodos de imitação do que lhe é possível observar, estará a submetê-los a uma fase de interiorização. Posteriormente, valer-se-á dessas aprendizagens que lhe irão possibilitar utilizar uma linguagem verbal, de forma valorada, conseguindo comunicar de maneira expressiva e bem articulada, como indica Sim-Sim (2008: 17), fazendo uso das “estruturas prosódicas da língua (…), isto é, referentes à entoação, ritmo, melodia, tom, ou seja, à musicalidade da língua.”

A voz humana altera-se mediante a mensagem a transmitir. Subentende-se a finalidade do discurso mediante o matiz utilizado no momento em que falamos: colocar uma questão, dar uma ordem, fazer um pedido, manifestar uma emoção ou formular um desejo. As particularidades globais da fala humana são distintas das sonoridades provenientes do meio circundante e a criança tem de ser educada e treinada para que a sua acuidade auditiva

6 O chamado período pré-linguístico, segundo Sim-Sim, ocorre quando “Antes da articulação de

palavras, a criança interage vocalmente através de um conjunto de produções sonoras, tais como o choro, o riso, o palreio e a lalação…” in SIM-SIM, Inês et al., (2008: 15).

tenha capacidade de diferenciar os diversos sons, de os identificar e associar a quem ou ao que lhes deu origem. Os estímulos auditivos são influenciados pelo meio envolvente em que a criança está inserida e a informação que os sons do meio rural transmitem é de nível diferente dos de um meio urbano e movimentado ou de um meio industrializado, tal como os de um espaço fechado ou aberto. Qualquer um deles nos permite apropriar de informação preciosa sobre o contexto físico e social em que se inserem e proporcionam diversidade e riqueza nos estímulos sonoros percecionados, nas suas semelhanças e diferenças, ainda que não haja um reconhecimento rigoroso entre objeto e som produzido. A aprendizagem e a consequente tomada de consciência da prática da fala, produção oral, dá-se quando a criança passa a fazer uso da palavra, da sílaba, do fonema apoderados por meio da perspicácia auditiva e da capacidade que tem em fazer da linguagem verbal um meio transmissor da mensagem, permitindo-lhe expressar-se com clareza. Ao descobrir novos significados, novas palavras, a criança sente necessidade de atribuir nome às novas coisas agora experienciadas.

Este percurso evolutivo aproxima-nos da capacidade de palmilharmos um processo paciente que vai desde a simples sensibilidade aos sons até à habilidade de os trabalharmos, de forma consciente e espontânea, com vista à comunicação natural, admitindo distinguir e articular palavras, ativando processos de análise automáticos e inconscientes mas necessários

à perceção e compreensão do discurso. O processo complexo e fascinante da aquisição e

aumento da linguagem oral permite à criança desenvolver, de forma simultânea, competências comunicativas, linguísticas e de conhecimento. A apropriação do sistema linguístico do meio onde se insere permite-lhe servir-se dessa língua, num processo dicotómico, tanto para comunicar com o mundo como para aprender acerca do mundo. A interação diária com o adulto, com o educador, conduz a criança ao desfrutar de aprendizagens determinantes para o seu crescimento, pois tal como Sim-Sim (2008: 11) refere:

“Ao conversar com a criança, o adulto desempenha o papel de “andaime”7, interpelando-a,

clarificando as suas produções, expandindo os enunciados que a criança produziu e providenciando modelos que ela testa. Esta função do adulto é determinante no processo de desenvolvimento do jovem aprendiz falante.”

Para além do ambiente familiar, local primeiro onde a linguagem oral da criança beneficia de modificações quantitativas e qualitativas, temos de fazer referência ao espaço da sala do jardim de infância, local facilitador de oportunidades, em que a dinâmica da linguagem oral é usada com propósitos e finalidades diversas. Podem participar em ações iniciadas por outra pessoa ou ter a iniciativa da interação com os outros, sendo o ato comunicativo um ato de troca de mensagens, de prazer, de participação, de envolvimento, de atuação, de tomar e dar a vez. A criança usa a linguagem oral, tal como o adulto, para

7 Cf. referência das autoras SIM-SIM, Inês et al. (2008: 11), em nota de rodapé, sobre a palavra

“andaime” - “Quando J. Bruner se refere a “andaimes”, ou Vygotsky a “zona potencial de desenvolvimento”, pretendem enfatizar que a importância das interações comunicativas adulto/criança são essenciais, quer para o desenvolvimento da linguagem, quer para a expansão da aprendizagem, em geral, pela criança.”

participar em ações decorrentes das rotinas diárias sejam elas “para formular pedidos, para dar informação, para responder a perguntas, para narrarem o que fizeram, para recontarem histórias, para cantarem canções, para cumprimentarem, etc.,” (Sim-Sim, 2008: 30). Este processo que queremos dinâmico, natural e espontâneo tem intencionalidades e importa envolver a criança nesta significativa oportunidade de linguagem e comunicação em que o seu uso se distingue consoante as finalidades pretendidas.

Partindo de ambientes estimulantes, mencionando as OCEPE (1997: 68), a criança tem oportunidades de melhorar o domínio da linguagem oral, um dos objetivos da educação pré- escolar, enquanto ao educador cabe a tarefa de:

“(…) alargar intencionalmente as situações de comunicação, em diferentes contextos, com diversos interlocutores, conteúdos e intenções que permitam às crianças dominar progressivamente a comunicação como emissores e como recetores.”

Assim, referimos como parte fundamental no desenvolvimento da criança a capacidade e o interesse de comunicar. A criação de oportunidades a partir das quais possa aprender novos conceitos, adquirir um maior domínio da expressão oral, do poder de discussão, da capacidade de formular hipóteses e sínteses e de aprender a descobrir vínculos entre essas mesmas palavras. Durante a educação pré-escolar entendemos como espectável que a criança desenvolva competências comunicativas que não venham a comprometer o sucesso da escolaridade obrigatória. Mas, para que tal aconteça e tal como atrás referimos,

as situações de comunicação implicam dois aspetos primordiais ao sucesso, que concordando

com a conceção de Sim-Sim (2008: 40) passam por: “saber expressar-se e saber escutar e deste modo ser capaz de comunicar eficaz e adequadamente.”

A capacidade de comunicação desenvolve-se depois de a criança ter um domínio alargado da língua materna. Para isso, torna-se fundamental a interação comunicativa estabelecida entre adulto e criança, mãe e filho e a forma como o adulto “oferece” a sua “fala” como modelo ao aprendente. Se compreendermos quão especial é a evidência em que a linguagem cresce a comunicar, mencionado por Niza (2012: 72), então nós adultos precisamos de promover a interação necessária na tomada de consciência desse código e na ajuda que depositamos para a aprendizagem do «achamento» da fala por parte da criança.

Concordando com o estudo apresentado por Sim-Sim, Silva e Nunes (2008: 33), arriscaríamos partilhar o seu esquema exemplificativo de todo o processo que temos vindo a abordar, sobre os fatores que influenciam a comunicação verbal da criança e lhe possibilitam o desenvolvimento da língua materna.

Assim, em síntese, procuramos mostrar os fatores que contribuem para o desenvolvimento comunicativo, com a figura aqui apresentada:

Figura 1 – Fatores determinantes do desenvolvimento das competências comunicativas8

A qualidade de interação estabelecida entre adulto e criança assim como a capacidade de resposta mantida pelo adulto, às tentativas comunicativas da criança, constituem-se vitais como base das aprendizagens, do conhecimento, do saber comunicar e do saber fazer uso dessa comunicação nos vários contextos e funções inerentes ao desenvolvimento social, cognitivo, afetivo e linguístico, assim o referencia Sim-Sim (2008: 33-34):

“A comunicação é vital no desenvolvimento da criança, implicando a participação ativa de ambos os interlocutores (criança e adulto) e requerendo oportunidades comunicativas e a existência de múltiplas razões que levem ao desejo e à necessidade de comunicar. A interação verbal é o meio mais elaborado e privilegiado da interação comunicativa. Através dela a criança adquire a língua materna e, simultaneamente, pensa simbolicamente e aprende sobre o real físico, social e afetivo.”

Para que as crianças aprendam a assumir um papel ativo na comunicação, julgamos da maior importância a participação do educador no processo, para que, de forma recíproca, enquanto ouvintes ou enquanto falantes, interajam de modo diversificado no desenvolvimento das respetivas competências comunicativas, progredindo a partir das vivências comuns para a criação de um clima propiciador e facilitador da expressão e do desejo de comunicar, tanto em pequeno como em grande grupo.