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Temos utilizado ao longo do nosso trabalho os termos oralidade e fala como pertencentes ao mesmo eixo de abordagem, sendo, como já vimos, ambas pertencentes ao mesmo campo de realização. Dentro desse campo de oralidade, priorizamos trabalhar o gênero oral ou texto oral, uma vez que escolhemos a entrevista de emprego para tal.

A título de esclarecimento conceitual, consideramos pertinente elencarmos, neste trabalho, o significado de oralidade, oralização e fala ou discurso planejado com o intuito de fazer compreender a nossa proposta de trabalho. A oralidade é concebida como um grande campo do oral, entendida de acordo com a visão de Marcuschi (2010, p. 25) “como uma prática social interativa para fins comunicativos que se apresenta sob várias formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora”.

A oralidade, portanto, é uma prática social que utiliza a fala para realizar a interação entre os falantes de uma língua. Ocorre para estabelecer a comunicação oral com propósitos interacionais variados e em formatos de registro linguísticos selecionados conforme as necessidades dos falantes.

A oralização no campo do ensino de língua materna é vista como verbalização do texto escrito. Leal et al. (2012, p. 17) afirmam que a oralização do texto escrito “pode ser considerada uma interseção entre o eixo da oralidade e o da leitura, pois envolve tanto o desenvolvimento da fluência de leitura quanto de algumas habilidades típicas da comunicação oral”. As autoras complementam que

[...] a oralização do texto escrito, como a leitura em voz alta; a recitação de poesias; a representação teatral, em que um determinado texto foi decorado; a notícia televisiva, em que o jornalista lê um texto; ente outras situações, colocam em evidencia diferentes recurso usados nas práticas de linguagem em que circulam textos, recursos esses que podem ser ensinados na escola.

Depreende-se do trecho que não se trata apenas do fato de emitir a voz a partir de algo escrito. A oralização envolve aspectos ou recursos que demandam esforços para o falante como a entoação, a expressão corporal e facial, entre outros, a depender do tipo de escrito que se oralize.

Assim sendo, a oralização pode ser abordada na escola como foco nesses elementos que a envolvem. A nossa proposta, de certa forma, não descarta a oralização do escrito, principalmente quando o aluno entrevistador anota as perguntas básicas de uma entrevista de emprego para realizar com os colegas a simulação desse evento comunicativo.

Todavia, o foco principal deste trabalho está no planejamento da fala ou discurso mediante a realização de uma entrevista de emprego e nesse contexto, entendemos esse planejamento como sendo algo definido a partir do que se pretende falar em uma dada situação em que se conhece previamente do que se trata.

Quando nos referimos a planejamento da fala ou discurso, entendemos que o candidato que se prepara para uma entrevista de emprego formula antecipadamente um planejamento mental, mesmo rudimentar, do que e como falar mediante o seu entrevistador e considerando o cargo ou função que pretende ocupar

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Nesse sentido, o planejamento pode se dar a partir do que analisa Rodrigues (2003, p. 23):

O tópico, entendido como aquilo a respeito do que se fala, é, e deve ser, desenvolvido pelos interlocutores. Associando a ideia de tópico à de planejamento discursivo, podemos dizer que uma primeira dimensão do processo do planejamento do discurso é a do planejamento temático [...]. Mas, independentemente de ser o tema estabelecido "de fora para dentro", e não pelos interlocutores, a conversa sempre gira em torno de um assunto ou tema, condição indispensável para a coerência do produto da conversação, isto é, do texto conversacional.

O tópico discursivo ou temático é fator que interfere no desenrolar da conversa, aliás, o determina, conforme é possível verificar nas ponderações de Rodrigues (2003). A autora associa o planejamento da fala ou discurso ao planejamento de abordagem do tema a ser tratado pelos interlocutores, elemento preponderante para o estabelecimento da coerência na conversa.

Rodrigues (2003, p. 20) amplia a análise a respeito de planejamento na língua falada e afirma que

[...] se, na conversação espontânea, o tema pode sugerir algum grau de planejamento, dificilmente se pode falar em formulação verbal planejada (URBANO, 1990). A questão do planejamento discursivo é discutida por OCHS (1979), que fala de quatro níveis de planejamento no discurso de falantes cultos de inglês: falado não planejado, falado planejado, escrito não planejado escrito planejado. [...] Em termos mais gerais, a língua falada apresenta uma tendência para o não planejado, ou, ainda, com base nas ideias de OCHS, a língua falada é planejada localmente, isto é, constitui uma atividade administrada passo a passo.

A partir da análise de Rodrigues (2003), podemos perceber que, quando tratamos do planejamento da fala aliada a uma situação de uma entrevista de emprego, enquadraríamos esse evento discursivo oral, como falado planejado. Esse evento é, portanto, passível de ser reformulado ou reorganizado, no momento em que se realiza, para se obter um melhor desempenho verbal durante a entrevista. Nesse aspecto, a autora cita Ochs que alerta para o fato de a língua falada permitir o planejamento local, ou seja, instantâneo.

Tratando desse aspecto de planejamento da fala, a partir de Ochs (1979) e de Givôn (1979 ), Decat ( 2016, p. 3) observa que:

As postulações de Ochs (1979) e de Givôn (1979), segundo as quais um discurso será relativamente planejado ou não, conforme apresente estruturas características do modo pragmático (no caso de discurso não- planejado) ou do modo sintático (no caso de discurso relativamente planejado). Segundo Ochs, o discurso relativamente não-planejado (ou, segundo a terminologia de Givôn, discurso informal não-planejado) é aquele que não foi pensado e organizado antes de sua produção, aquele que é espontâneo, e que exibe estruturas características da linguagem infantil nos primeiros estágios de sua aquisição. E o discurso em que predominam estruturas mais simples, adquiridas nos períodos mais anteriores do desenvolvimento da linguagem. E o discurso relativamente planejado (ou formal, elaborado, segundo outros autores) caracteriza-se pela organização anterior à sua realização, [...]

O planejamento ocorre dentro do contexto situacional que pode ser formal ou informal. Assim, o planejamento da fala acontece quando o falante se encontra em situações que exigem maior cuidado e atenção, principalmente em situações formais, que demandam uma postura mais específica, diferente das habituais, espontâneas ou informais, como por exemplo, as da vivência familiar que costumam ter construções livres de preparo e planejamento. Corrobora nesse sentido a reflexão de Bastos e Gomes (2012, p. 151), quando observam que:

[...] o que precisa ficar claro é que o texto falado não está isento de organização, nem de planejamento, nem, muito menos, de reformulação e normatividade. Posto isso, é preciso não perder de vista que, no ensino- aprendizagem da fala, são essenciais os processos de coleta de dados e transcrição. Tais aspectos implicam tomadas de decisões fundamentais, como definição do objeto de estudo (gênero textual), dos procedimentos de coleta desse objeto e das técnicas de transcrição, entre outros.

Dentro da perspectiva de planejamento da fala ou discurso, tendo principalmente o gênero oral entrevista de emprego como modelo, entendemos que os alunos podem refletir sobre o aspecto do planejamento da fala e passar a realizá- lo, uma vez que conhecerão como se organiza o gênero e quais as perguntas mais comuns. Dessa forma, eles podem planejar o que vão falar durante a realização da entrevista.

1.6 Subsídios e procedimentos didático-metodológicos para organizar a