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Capítulo 4 Resultados e discussão

4.2. Desvios transversais

4.5.3. Ordem de palavras

No que diz respeito à ordem de palavras, são vários os padrões de desvios encontrados, como a posição de advérbios, de adjetivos e a de clíticos.

Alguns dos desvios nesta categoria vêm na colocação de também e de sempre na frase. Em alemão, auch (também) funciona como partícula, uma classe de palavras invariáveis e semelhantes a advérbios (Duden, 2001: 349-351). Dependendo da frase, a partícula auch pode ocupar várias posições em alemão, inclusive entre verbo e SN com

função de complemento acusativo, ou entre verbo conjugado e verbo no infinitivo, dado que “antecede o escopo da avaliação” (Duden, 2001: 351). Parece ter havido um raciocínio semelhante no exemplo:

(93) Mesmo que a Suíça tem também a sua história […]. (de016CVATF avançado)

Contudo, é possível que o aprendente esteja a tentar constuir uma frase com ordem marcada (mesmo que também a Suíça tenha a sua história). Dado que em ALM o advérbio não pode ocorrer imediatamente a seguir ao conector de concessão, como acontece em português, porque a posição está ocupada pelo SN sujeito, a Suíça, colocou

também na primeira posição possível, depois do verbo.

Os desvios com o advérbio sempre são fáceis de explicar, porque frases com estrutura sintática igual à dos dois próximos exemplos também ocorrem em alemão –

und immer ist es…/und immer gibt es.

(94) […] gostamos muito de viajar e sempre é muito agradável. (ALEMÃO.ER.A2.37.1.1A)

(95) Mas sempre há diferenças […]. (ALEMÃO.ER.B2.27.69.3Q)

A posição dos adjetivos em relação ao nome é outro problema comum. Nesse campo a língua alemã segue regras muito simples: todos os adjetivos atributivos posicionam-se diretamente antes do nome com o qual concordam, exceto se se tratar de um arcaísmo ou de uma expressão lexicalizada (Helbig e Buscha, 2001: 273). Uma alternativa a essa posição adjetival é a estrutura copulativa, na qual o adjetivo não sofre declinação. Pelo contrário, a regra geral do português dita que a maioria dos adjetivos são colocados após o nome. Embora esta afirmação se aplique a bastantes circunstâncias, induz os aprendentes em erro:

(96) Tenho muitos amigos bons […] (ALEMÃO.ER.A2.46.1.1A)

(97) […] é, acho, o problema maior no campo […]. (ALEMÃO.ER.B2.10.69.3Q)

A sobregeneralização da regra faz com que os aprendentes se esqueçam de que certos adjetivos qualificativos podem estar antes do nome, o que lhes confere uma leitura figurada e expressiva (Raposo et alii, 2013a: 1091). Em (97), o aprendente não se refere certamente ao tamanho literal do problema, quer apenas conferir-lhe importância. Por este tipo de desvios ter um impacto forte na mensagem transmitida, é necessário explicar aos aprendentes que alguns adjetivos podem ocupar as duas posições e que isso tem consequências no significado.

Entre outros erros e desvios encontrados, o padrão que merece maior destaque pertence aos pronomes clíticos, que são de difícil aprendizagem desde logo pelas suas

características inerentes, tal como o facto serem atraídos pelo verbo que complementam, ou pelo verbo finito de uma frase subordinada, quer em próclise, quer em ênclise (Raposo et alii, 2013b: 2232 e 2234).

As colocações desviantes de pronomes no corpus ocorreram na maioria com pronomes reflexos, o que é justificável por uma série de motivos. Um deles é o clítico em si, pois em alemão nenhum pronome é átono. Além disso, a língua alemã admite apenas uma posição para estes pronomes, a ênclise. A posição é a mesma independentemente da palavra com a qual se relaciona: se corresponder a um sujeito, o clítico ocorre depois do verbo; se corresponder a um complemento acusativo ou dativo, ocupa a posição imediatamente a seguir; e, se estiver incluído num SP, segue-se à preposição (Duden, 2016: 273).

À partida, as diferenças entre as duas línguas não deviam resultar em desvios nos vários níveis de aprendizagem de PLNM, já que a posição não marcada em português é a ênclise. Contudo, o maior problema pode ser mesmo fonético, e não sintático, visto que as formas alemãs correspondentes aos pronomes clíticos são tónicas. Tal significa que, à exceção de falantes nativos ou fluentes em português, mal se consegue identificar o clítico numa frase, porque não se ouve. Por exemplo, o verbo em (98) também é reflexo neste contexto em alemão (sich treffen), pelo que uma explicação provável para a omissão de clítico é os aprendentes não o ouvirem no uso quotidiano.

(98) […] onde os portugueses encontram […]. (de016CVATF avançado)

As ocorrências seguintes têm uma origem que aponta para a transferência de ALM:

(99) As noites gosto de passar com os meus amigos. (ALEMÃO.ER.B1.40.33.1J) (100) A minha infância passei nas áreas rurais […]. (ALEMÃO.ER.B2.25.69.3Q)

Com efeito, em português, há necessidade de sinalizar o complemento direto topicalizado através da retoma de clítico na posição pós-verbal (passa-las, passei-a), ao passo que em alemão isso não é necessário.

Já o exemplo (101) difere dos anteriores por não ter origem em regras linguísticas. Em alemão, o verbo divertir-se é o verbo reflexo sich amüsieren, o que levaria o aprendente a colocar um clítico em português.

(101) […] por isso, vamos divertir os dias ficantes! (ALEMÃO.ER.A1.25.6.1B)

Todavia, sendo este um aprendente de nível A1, como é típico de alunos alemães, terá provavelmente procurado a tradução no dicionário, onde consta o verbo divertir sem indicação de que pode ser reflexo. Neste caso, estamos perante um erro e não um

desvio. Erros causados por falhas nos dicionários são mais comum do que imaginávamos, especialmente nos dicionários bilingues da editora Langenscheidt, que os aprendentes com ALM normalmente usam. O mesmo acontece em (102)

(102) […] quando eu estudo muito, eu tenho também de mover depois. (ALEMÃO.ER.B1.69.33.1J)

em que pelo menos o dicionário da Langenscheidt não menciona a hipótese de mover ser reflexo.

Encontrámos ainda um desvio causado por uma mistura de línguas. O aprendente em causa assinalou na ficha de informações que tinha um conhecimento de espanhol superior ao de português, dado que viveu em Espanha e no Chile durante vários meses. Na ocorrência (103), estamos perante uma interferência em que duas línguas – o espanhol e o ALM – coincidem:

(103) Tenho de aprender estrategias para melhorar-me. (ALEMÃO.CF.A2.16.33.1J)

O facto de o aprendente ter recorrido a outra LNM faz sentido, pois espanhol e alemão partilham algumas semelhanças neste contexto. Deste exemplo pode-se concluir que, à medida que se vai conhecendo melhor uma LNM e nos aspetos em que há convergências, a probabilidade de transferência ou interferência é maior.

A colocação dos pronomes clíticos na frase não provoca uma mudança drástica na interpretação da frase se a compararmos à sua omissão. Sugerimos, portanto, que seja posto ênfase nos verbos com clítico obrigatório e facultativo durante a aula, e que as entradas nos dicionários sejam revistas.

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