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2 ORDENAÇÃO DE DOCUMENTOS: NOÇÕES ELEMENTARES

3.1 ORDENAR PARA CONSERVAR E DISPONIBILIZAR: A TÔNICA FRANCESA

3.1.9 Ordenação (classement): a consolidação de um processo

As posições e formulações quanto à ordenação de documentos a partir dos oito autores analisados permitem observar, a despeito de singularidades manifestas, abordagens direcionadas no sentido de contemplar, preferencialmente, o emprego de métodos cronológicos e sistemáticos e a definição de sistemas de localização fixa e também relativa. Ainda que estes autores não tenham se valido do termo atributo para referir-se às características escolhidas para fins de ordenação de documentos, fossem elas intrínsecas ou extrínsecas aos documentos, o Quadro 1, a seguir, apresenta os métodos e respectivos atributos que constituíram base para a proposição dos arranjos. Nele, listam-se os métodos orientadores das soluções discutidas trabalhando-os juntamente com os atributos associados. Assim, a autoria é atributo próprio ao método alfabético, enquanto ordem de entrada e ano de publicação são atributos que conduzem à ordenação baseada no método cronológico. Contudo, vale ressaltar que ambos podem ser empregados, também, como atributo secundário nos arranjos de base sistemática. Define-se por atributo que configura o método sistemático todo aquele que é mobilizado para a composição da estrutura de um sistema de classificação bibliográfica ou de outros esquemas que não compõem propriamente um sistema de classificação constituído de maneira formal, mas estão pautados numa estruturação mais ou menos simples de classes hierarquizadas.

Por meio do quadro é possível sintetizar e explicitar quais métodos e atributos associados foram contemplados por cada um dos autores analisados. O atributo tamanho, relativo à característica material do documento, é destacado em coluna separada por ser regular em todas as propostas, atuando como elemento ineludível e cuja única variação consistia na possibilidade de definir um número maior ou menor de intervalos baseados na altura dos documentos.

Quadro 1 - Métodos e atributos secundários elegíveis para composição de arranjo conforme tradição francesa

Autor

Cronológico Alfabético Sistemático

Outros* tamanho número de entrada publicação ano de autoria Cronológico número de Alfabético

entrada autoria Namur

(1834)

- raridade, valor econômico, encadernação Constantin

(1841)

- raridade, procedência, cuidados especiais de conservação Cousin (1882) ** Delisle (1896, 1910***)

- raridade, valor econômico, facilitação de uso, restrição de uso, tipologia

Maire (1896)

** - gosto pessoal, tipologia

Cim

(1902, 1907, 1908)

- encadernação, frequência de uso

Morel (1908,1910)

- tipologia, periodicidade, língua, público, beleza, época de publicação, comodidade no uso

Crozet (1932)

- procedência, tipologia, frequência de uso, interdição de uso

* Estes atributos são mencionados especialmente para fins de separação de parcelas da coleção do arranjo principal. ** Passíveis de uso sem separação por tamanho

*** Embora tenha tido sua primeira edição publicada em 1890, na pesquisa utiliza-se a quarta edição do manual, publicada em 1910. Fonte: elaborado pela autora (2016).

Como nos lembra Riché (2009), os autores dos manuais de Biblioteconomia escritos ao longo do século XIX estavam predominantemente associados a bibliotecas de usos eruditos, como as municipais e universitárias. Esta coesão institucional não significou, todavia, uma redução na diversidade das abordagens, uma vez que foi possível identificar propostas de ordenação de documentos baseadas em três métodos: cronológico, alfabético e sistemático.

No conjunto das ideias apresentadas, torna-se bastante evidente a recorrência dos métodos cronológico e sistemático, este útlimo ausente apenas no manual de Cousin (1882). A manifesta preferência pela ordem de entrada como atributo primário ou secundário parece corroborar com a ideia de que, em grande medida, as propostas estiveram vinculadas às questões de conservação dos documentos. Em associação com a divisão por tamanho, a ordem de entrada reunia documentos com propriedades materiais semelhantes e, com isto, favorecia sua conservação. É pertinente ressaltar que a ordem de entrada define-se por meio de uma atribuição de caráter administrativo que imputa a cada documento chegado à biblioteca um número exclusivo e sequencialmente definido. No caso de seu uso como atributo primário, configurando um sistema de localização fixa, tornava-se possível, pela exploração da disposição da própria coleção, identificar documentos que há muito tempo faziam parte da coleção e aqueles que haviam sido incorporados mais tardiamente. Conjugada a um arranjo sistemático, a ordem de entrada poderia responder a esta mesma questão em cada uma das classes definidas para o esquema e não para a biblioteca como um todo. Nas propostas de Constantin (1841) e Delisle (1910), a definição de intervalos numéricos era responsável por expressar a combinação entre tamanho e ordem de entrada, garantindo assim que não houvesse cotas idênticas em nenhum dos agrupamentos propostos.

Abordados inicialmente na análise de Delisle sobre a CDD (1896) e, pouco tempo depois, nos escritos de Cim (1902, 1907, 1908), os atributos alfabéticos, mormente a autoria, passaram a ser contemplados como elementos secundários na estrutração dos sistemas baseados no método sistemático. Delisle (1896), Morel (1908, 1901) e Crozet (1932) não abandonaram a ordem de entrada como possiblidade de ordenação dos itens dentro das classes, mas discutiram o uso da ordem alfabética como solução igualmente válida. No que concerne aos meios de instrumentalizá-la, Cim (1902) e Morel (1908) não discorreram sobre qualquer tipo de alternativa. Delisle (1896) também não contemplou detalhes quando da crítica à CDD, mas afirmou que o uso de recursos similares à tabela Cutter em instituições francesas obrigaria a elaboração de uma tabela própria aos sobrenomes recorrentes no país. A apresentação da cota literal (cote littéral) por Crozet (1932) explicitou que em sua proposta as

três primeiras letras do sobrenome do autor do documento poderiam ser utilizadas para ordenar os itens dentro das classes, sendo seguidas pela inicial minúscula do título do documento. Também na descrição da abordagem das diversas tipologias documentais e de suas particularidades, os recursos alfabéticos foram explorados por Crozet (1932), sendo trabalhadas, inclusive, algumas estratégias necessárias à sua incorporação ao arranjo.

Dentre todos os autores analisados, apenas Cousin (1882) não descreveu arranjos sistemáticos, restringindo-se àqueles de base cronológica, fossem exclusivamente sustentados pela ordem de entrada ou baseados na associação do tamanho com a própria ordem de entrada ou o ano de publicação do livro. Já para Constantin (1841, p. 48) a vantagem da ordenação sistemática em relação às demais, advinha do fato de ela desobrigar o profissional a percorrer toda a biblioteca em busca dos livros demandados sobre um mesmo assunto. De modo similar, Namur (1834, p. 31) defendia que nas grandes bibliotecas ela consistia em elemento auxiliar de importância fundamental para a busca e controle dos livros solicitados. Portanto, parece haver o entendimento entre estes autores de que a opção por utilizá-la, e consequentemente optar por sistemas de localização relativa, estaria relacionada, antes, à facilitação do trabalho.

Apenas com Morel (1908, 1910) este quadro sofre uma modificação mais evidente, pois o autor atribui ao método classificatório, com exclusividade, a primazia na ordenação de documentos, uma vez que ele seria o mais adequado para o livre acesso do público às estantes, devendo ser empregado o mais amplamente possível. Cabe destacar ainda que com Morel há uma reorientação institucional no enfoque das propostas já que, diferentemente dos demais autores, seu trabalho direcionava-se fundamentalmente às bibliotecas públicas. Ainda assim, é preciso considerar que autores como Delisle (1910) e Crozet (1932) contemplaram, mesmo sem evidenciar, como fizera Morel (1908, 1910), a consideração do público para a configuração dos arranjos em bibliotecas. Delisle (1910, p. 13) afirmava que as obras mais frequentemente consultadas deveriam receber uma cota adicional simplificada que, ao mesmo tempo, indicaria seu pertencimento a um agrupamento especial da biblioteca definido em função do uso frequente de alguns itens e facilitaria, para o leitor, o trabalho de busca e devolução nas estantes. Por sua vez, Crozet (1932, p. 63-64) considerava os sistemas de localização relativa aqueles mais adequados para as salas de leitura, isto é, para espaços de livre acesso à coleção.

No que concerne aos sistemas de localização por meio da associação entre o código do documento e o lugar fisicamente ocupado por ele, conforme sala, estante e prateleira, Constantin (1841, p. 49) e Maire (1896, p. 109) foram categóricos em rechaçá-los,

respectivamente, em função de sua incapacidade de permitir intercalações e por produzir notações complicadas como decorrência das muitas variáveis implicadas na codificação. Porém, todos os autores analisados mencionaram a possibilidade de construção de arranjos baseados exclusivamente na ordem de entrada ou em sua conjugação com a divisão por tamanho. Esta proposta também constituía sistemas de localização fixa na medida em que o lugar ocupado pelo documento corresponderia ao número que lhe fora atribuído, inexistindo a possibilidade de uma mudança em sua posição no arranjo ou a obrigatoridade de qualquer tipo de relação entre documentos adjacentes. Portanto, a crítica de Constantin (1941) e Maire (1896) não pode ser generalizada a quaisquer sistemas de localização fixa, apenas àqueles em que o lugar ocupado pelo documento era o critério definidor para a estruturação do arranjo e composição da cota.

Entre os primeiros autores analisados, a escolha entre sistemas de localização fixa e sistemas de localização relativa estava condicionada ao tamanho das coleções, sendo que as menores, em geral, eram coleções particulares. Para Namur (1834) e Constantin (1841) as pequenas coleções poderiam ser ordenadas pela ordem de entrada, o que não conviria às grandes coleções, que demandavam arranjos classificatórios como meio de faciliar o trabalho de busca dos profissionais. Este quadro seria invertido por Morel (1908) e Crozet (1932) que afirmavam a pertinência do método classificatório para o favorecimento de uso pelo público e, talvez, por isso, associavam aos arranjos sistemáticos a autoria como atributo secundário. Porém, no conjunto dos manuais analisados, arranjos cronológicos ou sistemáticos eram apresentados sem maiores considerações ou avaliações comparativas que apontassem as vantagens associadas à opção entre um ou outro.

A escolha que aparecia frequentemente justificada nos manuais e que caberia a qualquer proposta era a divisão dos documentos por tamanho, fosse conjugada com a ordem de entrada ou com arranjos sistemáticos. Além de garantir a rápida realização da atividade, conforme afirmava Namur (1834, p. 50), a divisão por tamanho economizaria espaço, evitaria a irregularidade visual e facilitaria a manutenção da ordem estabelecida. Quase 100 anos depois, Crozet (1932, p. 65) faria considerações de mesmo teor afirmando que arranjos divididos por tamanho eram especialmente favoráveis à conservação dos documentos, à economia de espaço e, ainda, como meio de dar à coleção um aspecto visual agradável.

Excetuando-se os manuais de Namur (1834), Constantin (1841) e Cim (1902, 1907, 1908), a apreciação de variadas tipologias e suportes documentais foi recorrente entre os autores, sobretudo quando se considera a frequente menção aos periódicos e manuscritos que, juntamente dos livros, tiveram bastante expressividade nos manuais analisados. O exemplo

mais expressivo foi encontrado nas propostas de Crozet (1932) que, além de trazer à tona inúmeras tipologias documentais, ofereceu breves instruções acerca dos atributos que poderiam ser escolhidos para ordenar cada uma delas. Indicações de separação de parcelas da coleção do arranjo geral em função das diferentes tipologias documentais também estiveram presentes nas colocações de Delisle (1910), Maire (1896) e Morel (1908, 1910).

Outro ponto importante no sentido de apontar para uma coesão entre os autores é a presença incontroversa do termo classement para indicar uma das etapas indispensáveis à estruturação de uma biblioteca: a ordenação. Alguns destes autores se valeram de outros termos, também próprios à ordenação, para indicar atividades e instrumentos necessários à sua realização. Dentre os manuais analisados, Morel (1910, p. 225) foi o primeiro autor a estabelecer uma clara distinção entre os termos ordenação de livros (classement des livres) e ordenação de fichas (classement des fiches). Segundo o autor, ordenar as fichas de um catálogo não seria substitutivo à ordenação de documentos, e tampouco o inverso seria válido. A dimensão material dos documentos levaria a certas escolhas, como, por exemplo, a separação dos grandes atlas das obras que os comentavam, escolha esta que, para a uniformidade das fichas, seria absolutamente desnecessária ou incongruente.

Delisle (1896, 1910) foi quem primeiro empregou o termo cota (cote), dentre os manuais analisados, para referir-se à marca responsável por indicar a posição ocupada por um documento dentro da coleção, fosse em sistemas de localização fixa ou relativa. Depois dele, Maire (1896), Cim (1908) Morel (1910) e Crozet (1932), fizeram alguma menção ao termo no contexto das propostas de ordenação de documentos sem modificar-lhe o sentido primeiramente atribuído. Neste sentido, entre os autores estudados, classement e cote se constituíram como os termos mais recorrentes e estáveis para a abordagem francesa sobre ordenação de documentos.

Percurso distinto foi observado para o quadro de ordenação (cadre de classement) que, tendo sido empregado, também pela primeira vez, por Delisle, em 1910, voltou a figurar nos manuais apenas com Crozet, em 1932. A despeito da diferença temporal que separa os dois manuais, em ambos o sentido atribuído ao quadro de ordenação foi o mesmo. Delisle demarcava-o como a estrutura de classes empregada para fins de ordenação nas estantes que deveria "[...]modificar-se de acordo com os lugares e sobretudo de acordo com a abundância e natureza dos materiais"75 (DELISLE, 1910, p. 11, tradução nossa). Crozet (1932, p. 279) apresentava dois quadros de ordenação em seu manual: o primeiro deles voltado para a

75 "[...]se modifier suivant les lieux et surtout d'après l'abondance et la nature des matériaux" (DELISLE, 1910, p.

elaboração das entradas nos catálogos sistemáticos e o segundo destinado à ordenação dos documentos sobre as estantes. Ao explicar o quadro de ordenação de documentos, o autor mencionava a necessidade de adaptações na estrutura classificatória original, empregada para a ordenação no catálogo sistemático, em função das imposições colocadas pela disposição material dos documentos. Segundo Crozet (1932), em classes demasiado extensas era possível transformar parte das classes subordinadas em classes de mesmo nível hierárquico, ou, ainda, reelaborar algumas classes a fim de favorecer a composição de cotas e arranjos mais fáceis. Simplificar a estrutura original de classificação pela diminuição dos níveis hierárquicos e do número total de classes consistiria em tarefa fundamental para a ordenação de documentos segundo estas propostas.

Mesmo sem se valer de terminologia específica, Morel (1908, p. 233) propunha o mesmo tipo de adaptação quando mencionava o uso da CDD para fins de ordenação de documentos visto que, segundo ele, as dez classes principais acompanhadas de algumas subdivisões já seriam capazes de oferecer uma estrutura adequada. Pode-se entender, portanto, que além compor termo próprio à ordenação, o quadro de ordenação se caracterizava pela proposta de elaboração de um sistema próprio ou da adaptação institucional realizada sobre um sistema de classificação bibliográfica já elaborado, a fim de torná-lo mais compatível com as necessidades locais, sobretudo no que se referia ao perfil da coleção. Sob outra perspectiva, depreende-se das falas de Delisle (1910), Morel (1910) e Crozet (1932) que a função do bibliotecário estava associada às escolhas intrínsecas aos modos de implantação dos sistemas de classificação bibliográfica, cabendo-lhe, portanto, papel intelectivo no exercício do ofício, pois interveniente nas soluções escolhidas, não fechadas ou definidas de antemão.

Cabe ainda ressaltar que o processo de ordenação dos documentos era tratado em separado da apresentação ou escolha dos sistemas de classificação bibliográfica. Nos manuais analisados, a apresentação dos sistemas de classificação bibliográfica seguia as instruções para a elaboração do catálogo sistemático, como em Namur (1834) e Constantin (1941), ou era explorada em seção própria, como em Maire (1896), Cim (1908), Crozet (1932), o que tornava ainda mais clara a relação de complementaridade, mas não dependência, entre a proposição de arranjos e o emprego do método sistemático. A CDD, por exemplo, foi analisada por Delisle (1896) e mencionada por Maire (1896), que a listava dentre os sistemas de classificação bibliográfica existentes à época e apresenta suas 100 primeiras divisões. Do mesmo modo, Cim (1907) e Morel (1908) mencionavam a CDD e Crozet (1932) reportava-se à CDU, mas nenhum destes autores prescrevia sua utilização na configuração dos arranjos,

apontado-as, apenas, como uma alternativa dentre outras possíveis. Não havia, aparentemente, nenhuma unanimidade quanto à escolha dos sistemas de classificação bibliográfica à época, o que, em certa medida, encontra correspondência com a proposição dos quadros de ordenação por Delisle (1910), Morel (1908) e Crozet (1932).

As propostas de ordenação de documentos presentes nos manuais analisados foram discutidas nos aspectos concernentes ao seu âmbito geral, não chegando a contemplar sua instrumentalização detalhada ou os pormenores implicados na opção por certo arranjo. Assim, poucos foram os autores que se dedicaram ao exame das cotas referentes aos arranjos propostos e nenhum deles pôs-se à explicitação processual de sua composição. É possível que a elaboração das cotas tenha levado ao desenvolvimento de soluções muito mais completas e complexas do que aquelas expostas pelos autores, pois o que aparece evidenciado pelos manuais é preferencialmente uma reflexão quanto ao processo de ordenação de documentos, não a busca por uma solução replicável.

Se além da conservação material a ordenação de documentos tinha por objetivo a simplificação e a agilidade nas buscas, fosse como elemento facilitador das funções do bibliotecário ou como recurso de acesso às coleções pelo público, a cota era, anteriormente, vista como um recurso de localização do documento, sendo possível torná-la funcional à biblioteca, tanto a partir de sistemas de localização fixa, quanto a partir de sistemas de localização relativa. Estes sistemas não parecem necessariamente hierarquizados no conjunto das propostas descritas e esta concepção só será modificada quando o livre acesso às estantes passa a ser considerado elemento fundamental, o que pode ser percebido, como já ressaltado, no posicionamento de Morel (1908), que descrevia exclusivamente arranjos sistemáticos e considerava os sistemas de localização fixa prejudiciais às bibliotecas públicas. Ainda assim, Morel (1908, p. 227) afirmava que cada biblioteca deveria encontrar, por ela mesma, sua própria ordenação.

De modo similar, tratando-se de uma adaptação local do sistema de classificação bibliográfica para fins de ordenação, o quadro de ordenação não foi abordado quanto aos critérios norteadores para sua elaboração. Não havia indicações quanto à estrutura de classes a ser proposta a partir do sistema de classificação bibliográfica escolhido, quanto a um possível número de níveis hierárquicos que pudesse servir de guia na construção do quadro ou aos modos de consolidar a proposta em uma orientação que pudesse ser explicitada institucionalmente. De outro modo, havia uma sugestão de incorporação particular dos sistemas de classificação bibliográfica, mas inexistiam orientações relacionadas à sua viablização institucional.

Na ordenação de documentos, as discussões apresentadas por estes autores pouco especificaram os aspectos procedimentais e não se estabeleceu um modo único e referencial de se realizar a atividade. A despeito das similaridades identificadas, no que concerne à composição da cota, por exemplo, quando mencionada, a atividade apresentava significativas nuances entre os autores. Mesmo tratando-se de manuais, não foram escontradas descrições pormenorizadas acerca da dimensão técnica do processo. Se de um lado ficam questionamentos quanto aos modos de proceder que estariam associados às propostas apresentadas, por outro, o entendimento da ordenação de documentos como etapa particular e necessária à estruturação de uma biblioteca parece ter ressaltado suas características próprias no conjunto dos processos descritos pelos manuais, e, também, quanto aos métodos que viabilizariam sua efetivação e quanto à relação destes métodos com os instrumentos empregados.

3.2 DA PROPOSIÇÃO À CONSOLIDAÇÃO DO NÚMERO DE CHAMADA: UM

MODELO ANGLO-AMERICANO

Em levantamento realizado no ano de 1893 nas bibliotecas estadunidenses com 25 mil itens ou mais, Horace Kephart buscava identificar os esquemas utilizados para a ordenação dos livros nas estantes, a fim de detectar conjunturas favoráveis que viabilizassem a cooperação entre estas instituições sem a imposição de uma uniformidade demasiada (KEPHART, 1896, p. 861). Após analisar os dados coletados em 127 bibliotecas, Kephart (1896, p. 890) afirmou que o único consenso substancial identificável entre os bibliotecários referia-se à ideia de que os livros não deveriam mais ser ordenados nas estantes cronologicamente, alfabeticamente ou por tamanho, mas conforme o assunto de que tratavam.

Neste panorama esboçado para as grandes bibliotecas, Kephart ansiava apresentar um quadro sobre os sistemas de classificação bibliográfica empregados nos Estados Unidos como primeiro passo na construção de um trabalho cooperativo em classificação. Esta motivação justificava-se, pois, segundo o autor, mesmo tendo emergido em fins dos anos de 1870, a literatura sobre classificação era ainda o trabalho de poucos homens e não refletia as conclusões dos bibliotecários estadunidenses enquanto classe (KEPHART, 1896, p. 861). A pesquisa revelava, na virada do século XIX para o século XX, a existência de variados arranjos materializados no emprego de diferentes esquemas, posto que, em 66 instituições, soluções locais eram utilizadas, e nas outras 61 instituições, as bibliotecas haviam escolhido

um dentre os nove sistemas de classificação mais conhecidos à época76. Dentre as instituições