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Ordenamento jurídico brasileiro acerca da justiça restaurativa

Conforme visto anteriormente, é sabido que a Constituição federal de 1988, e a lei 9.099/95 proporcionaram a abertura para que fossem instaurados alternativas a justiça comum, mas também deve-se abordar outras leis importantes para o contexto de sua aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro.

É nesse sentido que Leonardo Sica (2009, p. 427) explica:

A mediação e outras práticas de justiça restaurativa não exigem, a priori, previsão legal específica para serem utilizadas no âmbito penal. Requer-se, apenas, dispositivos legais que recepcionem medidas como a reparação-conciliação ou soluções consensuais, afastando a possibilidade de pena ou atenuando-a [...]. Essa adaptabilidade, é uma das características marcantes do paradigma de justiça debatido e deve ser aproveitada, num primeiro momento, para viabilizar programas experimentais com o objetivo de testar a operatividade real da mediação no contexto nacional e aprender com as falhas para, num segundo momento, pensar-se em legislar a matéria. A existência de legislação, então, permitirá a definição das especificidades da mediação em face da justiça penal e atenderá às necessidades que emergirão do confronto empírico dos primeiros projetos com o sistema de justiça e, principalmente, com a atitude dos operadores.

Diante do exposto, fica cristalino o entendimento de que apesar de não existir no ordenamento jurídico brasileiro uma lei específica, caso outros dispositivos de lei tenham abertura para recepcionar as práticas restaurativas, elas conseguem ser inseridas no âmbito jurídico criminal. Dessa forma, alega Pinto (2005, p. 20):

É importante ressaltar que com o advento da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e do Estatuto da Criança e do Adolescente, têm sido adotadas práticas restaurativas no Brasil, mas não com sua especificidade, seus princípios, valores, procedimentos e resultados conforme definidos pela ONU.

Sendo assim, a justiça restaurativa interposta no país tem uma flexibilidade para modificar seus métodos de aplicação, não sendo necessário que siga um modelo em específico, porém visando sempre princípios constitucionais e o objetivo das práticas restaurativas, bem como promovendo a reinserção do ofensor a sociedade, auxiliar na recuperação da vítima e reparar o dano.

O Código Penal brasileiro é do ano de 1940, porém em 1984, antes da Constituição Federal 1988, conhecida como Constituição cidadã, houve a alteração de alguns dispositivos do Código Penal, passando assim a dar outras providências a certas matérias, uma das alterações que trazem bastante importância para a aplicação de práticas restaurativas é o artigo 59 que traz em sua redação:

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Dessa maneira, abriu-se possibilidades que não só a pena privativa de liberdade, podendo ser inseridas penas alternativas se o réu preencher os requisitos do caput, sendo essa uma das primeiras medidas do ordenamento jurídico a estabelecerem a pena privativa de liberdade somente quando necessário e utilizada como último recurso.

Além do mais, segundo Pinto (2005, p. 29) “A Constituição prevê, no art. 98, I, a possibilidade de conciliação em procedimento oral e sumaríssimo, de infrações penais de menor potencial ofensivo.”

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

À vista disso, consequentemente, alega Pinto (2005), que tal dispositivo criou a possibilidade da criação da lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) que possibilita também uma forma de justiça restaurativa, e em fase preliminar cabe destacar alguns artigos da presente lei.

A Lei 9.099/95, Brasil, prevê na Seção II, sobre a fase preliminar:

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

Art. 73. A conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação.

Parágrafo único. Os conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados, na forma da lei local, preferentemente entre bacharéis em Direito, excluídos os que exerçam funções na administração da Justiça Criminal.

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.

Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou

representação.

Os artigos citados acarretam, segundo Pinto (2005) a possibilidade de encaminhamento a núcleos de justiça restaurativa, e se os pressupostos para tal estiverem em consonância, juntamente com uma avaliação multidisciplinar o processo restaurativo pode ser implantado.

Porém, cabe destacar as alegações de Pinto (2005) sobre o parágrafo único, do artigo 74, da Lei 9.099/95, onde conforme já exposto, nos casos de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação se a vítima aceitar a proposta das práticas restaurativas ela perde direito de queixa ou representação. Sabe-se que o um dos princípios da justiça restaurativa é sua revogabilidade, ou seja, se as partes desistirem da prática restaurativa, o processo é instaurado novamente na esfera comum. Contudo, desde que a vítima em crimes de ação penal privada ou ação penal pública condicionada sejam informadas

claramente que caso aceitem as práticas restaurativas como meio alternativo, elas perdem o direito de queixa ou representação, sendo de sua vontade adentrar ou não no processo restaurativo.

Perante o exposto, é importante salientar o previsto no artigo 89 da lei 9.099/95, Brasil, que traz o instituto da suspensão condicional do processo:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II - proibição de frequentar determinados lugares;

III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.

§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.

§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.

§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.

§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.

Diante disso, o artigo supracitado da lei abriu a possibilidade de serem aplicadas práticas restaurativas, compreende Pinto (2005), que diante da previsão do artigo acima mencionado, os crimes com pena mínima de até 1 ano juntamente com as condições impostas no caput, podem ser objetos de suspensão condicionada do processo, e automaticamente conforme o exposto o parágrafo 2° do artigo supracitado é permitido seu encaminhamento as práticas restaurativas.

Por conseguinte, no que se refere a outros dispositivos de lei, Pinto (2005, p. 32) utiliza-se do exposto:

[...] além da Lei 9.099/95, também o Estatuto da Criança e do Adolescente enseja e recomenda implicitamente o uso do modelo restaurativo, em vários dispositivos, particularmente quando dispõe sobre a remissão (art. 126) e diante do amplo elastério das medidas socioeducativas previstas no art. 112 e seguintes do diploma legal. Também nos crimes contra idosos, o processo restaurativo é

possível, por força do art. 94, da Lei n. 10.741/03 – o Estatuto do

Idoso – que prevê o procedimento da Lei 9.099/95 para crimes contra idosos cuja pena privativa de liberdade não ultrapasse 4 anos.

Destarte, diante das leis referidas fica cristalino o entendimento de que o direito positivado brasileiro aceita as práticas restaurativas, inicialmente, a casos que se encaixem nas hipóteses elencadas, porém, conforme explica Sica (2009), não existe nenhuma legislação vigente que regule sua aplicabilidade.

Diante disso, em 2005 houve a proposta da implementação do modelo restaurativo no país, Pallamolla (2009, p. 179) explica o Projeto de Lei n° 7006 de 2006.

Em 2005, foi encaminhada pelo Instituto de Direito Comparado a sugestão nº 99/2005 à Comissão de Legislação Participativa. No ano seguinte, tal proposição foi aprovada e transformada no Projeto de Lei nº 7006/06, que propõe sejam acrescentados dispositivos nos Códigos Penal e Processual Penal e na Lei dos Juizados Especiais.

Segundo Prudente (2013), o projeto de lei propõe uma série de alterações, sendo alguns artigos da lei confusos, como o artigo 1° que traz a alcunha de uso facultativo e complementar em casos de crimes e contravenções penais.

Em concordância, Pallamolla (2009), afirma que um dos principais problemas do Projeto de Lei está em seu artigo 1° e a utilização da terminologia facultativo, sendo claro que se for de escolha dos juízes, promotores públicos e policiais esses só encaminharam para o núcleo restaurativos crimes de bagatela, sendo que não está firmado de forma concreta quais seriam as situações em que se aplicaria esse modelo de justiça.

Nesse tocante, Prudente (2013), destaca mais algumas falhas do Projeto de Lei proposto, onde faltam preencher lacunas no projeto em questão, como, quais práticas serão utilizadas e vigoradas, as técnicas que serão seguidas, a figura do facilitador precisa de qual formação, os integrantes de práticas restaurativas irão ou não ser remunerados, qual o papel do Estado.

São inúmeros questionamentos que o Projeto Lei n° 7006, de 2006 acaba por deixar sem resposta, então seria fundamental que fosse estudado de forma mais aprofundada a proposta, onde através da doutrina, projetos e resoluções de instituições especializadas o projeto poderia buscar um escopo.

Devido a isso, em 31/01/2007 a PL se deu por arquivada, porém foi desarquivada encontrando-se em situação apensada ao Projeto de Lei 8045/2010, que tramita com o objetivo de mudar o Código de Processo Penal, onde espera a Constituição de Comissão Temporária pela Mesa, estando o Brasil, por enquanto sem dispositivo de Lei que regule e positive a justiça restaurativa.

Desse modo, para a aplicabilidade da justiça restaurativa em âmbito jurídico criminal são seguidos os princípios desse novo modelo de justiça, e esta vai moldando-se conforme experiências aplicadas em outros países, seguindo o modo de aplicação do Decreto Lei 7.037/2009, juntamente com outros programas brasileiros, e também a Resolução 2002/12 do Conselho Econômico e Social da ONU (Organização das Nações Unidas), razão pela qual serão abordadas a seguir.

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