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Justiça restaurativa: um resgate à humanidade

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

NICOLE GONÇALVES VICENTE

JUSTIÇA RESTAURATIVA: UM RESGATE À HUMANIDADE

Santa Rosa (RS) 2019

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NICOLE GONÇALVES VICENTE

JUSTIÇA RESTAURATIVA: UM RESGATE À HUMANIDADE

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador (a): MSc. Marcelo Loeblein dos Santos

Santa Rosa (RS) 2019

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O presente trabalho é dedicado à minha família, por desde que eu tenho memória me apoiarem, e acreditarem no meu melhor.

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AGRADECIMENTOS

Em “A Outra História Americana”, certo personagem, diz que uma citação sempre cai bem, porque o que quer que você esteja pensando ou sentindo, alguém definitivamente já escreveu de uma forma melhor. Bom, uma citação constante que me lembra cada familiares e amigos que estão aqui citados é “A felicidade pode ser encontrada mesmo nas horas mais difíceis, se você lembrar de acender a luz. – Alvo Dumbledore", essa é para vocês, que são minha luz, cada qual a seu modo.

À minha família, primeiramente a minha mãe, Elizabete Gonçalves Vicente, por todos os ensinamentos, e por desde sempre me incentivar aos estudos, crendo no meu melhor, até mesmo quando eu não dei motivos para tal. Ao meu pai, que sempre foi presente na minha vida, cuidando e zelando por mim.

Ao meu avô, Orides Moreira Machado, in memoriam, que era a pessoa mais sábia que eu conheci, o qual dava os melhores conselhos e contava as melhores histórias.

À minha avó, Ernestina Machado Gonçalves, in memoriam, a mulher de riso mais doce e abraço acalentador.

Ao meu irmão Cláudio Alan Schmorantz e minha irmã e colega Monique Gonçalves Vicente, aos quais eu sempre pude contar, e enquanto tivermos uns aos outros jamais estaremos sozinhos.

À minhas amigas Gabriela Gonçalves, Karen Daiane Oliveira Danigno e Thalia Francine Aurélio, as quais apesar da distância, e correria do dia a dia, estão

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sempre presentes nos momentos mais importantes, sou agradecida por cada conversa, desabafo, cada sessão de filme assistido para descontrair, a minha vida é mais feliz com vocês, obrigada por tudo o que fazem por mim, eu amo muito vocês.

Aos meus amigos e colegas Aline Marceli Schwaikardt e Matheus Moacir Perinazzo, pela companhia durante esses anos, por terem participado e aguentado todo surto por provas, trabalhos e prazos infindáveis, pelas risadas, conversas e companhia, vocês tornaram a faculdade, e além disso, minha vida infinitamente melhor, a amizade de vocês é muito importante.

Ao meu orientador Marcelo Loeblein dos Santos, por desde o projeto do TCC, ser uma presença essencial nesse trabalho, sem a qual eu não saberia nem como subdividir o tema, obrigada por todo o tempo disponibilizado e toda bibliografia posta à minha disposição.

O sonho dos meus avós era que eu me formasse e com o trabalho de conclusão, vejo o quão perto isso está de se concretizar, esse trabalho é um pequeno, mas importante passo dado ao futuro, friso meus agradecimentos a todos vocês aqui presentes.

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“A educação sobre direitos humanos é a chave para lutar contra as causas profundas de injustiça em todo o mundo. Quanto mais as pessoas sabem sobre seus direitos, e os direitos do outro na sociedade, melhor preparados estão para protegê-los.” Salil Shetty

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O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise sobre justiça restaurativa, e sua aplicação no sistema penal brasileiro. De forma inicial aborda o histórico do sistema penal e o surgimento da justiça restaurativa devido as rupturas da justiça retributiva. Analisa a aplicabilidade das práticas restaurativas e de como os direitos humanos são efetivados perante essa nova forma de justiça alternativa. Estuda o porquê se faz necessária a mudança de paradigmas e a ótica com que se visualiza o crime, principalmente no Brasil onde uma mudança no sistema penal é necessária, de forma implementar a justiça restaurativa. Aborda a legislação no ordenamento jurídico brasileiro que permite recepcionar formas alternativas de cumprimento de pena, como a justiça restaurativa e em como se baseia a metodologia aplicada na justiça brasileira. Ademais, investiga quais são os impactos e desafios que o sistema de justiça criminal brasileiro enfrenta com as mudanças e propostas acerca dessa nova concepção. Finaliza concluindo que a melhor forma, por ora, é a aplicação da justiça restaurativa subsidiária a justiça retributiva, tratando de crimes de menor potencial ofensivo, ou após uma análise aplicá-la em crimes de maior proporção, para auxiliar na problemática do encarceramento em massa, trabalhar as relações sociais e garantir na atuação do sistema penal os direitos fundamentais inerentes à todos os seres humanos.

Palavras-Chave: Sistema penal. Justiça restaurativa. Práticas restaurativas. Direitos humanos. Recepção na legislação brasileira.

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El presente trabajo de conclusión de curso hace un analisis sobre justícia reconstituyente, y su aplicación en el sistema penal brasilero. De forma inicial enfoca el historico del sistema penal y el surgimiento de la justicia reconstituyente devido las rupturas de la justicia retributiva. Analiza la aplicabilidad de las prácticas restaurativas, y de cómo los derechos humanos son efectuados mientras esa nueva forma de justicia alternativa. Estudia el porqué se hace necesario el cambio de paradigmas y la optica con que se vizualiza el crimen, principalmente en Brasil donde un cambio en el sistema penal es necesario, de forma implementar la justicia reconstituyente. Aborda la legislación en el ordamento brasilero que permite recibir formas alternativas de cumplimiento de pena, como la justicia reconstituyente, y en como se basa la metodologia aplicada en la justicia brasilera. Además, investiga cuales son los impactos y desafíos que el sistema de justicia criminal brasilero enfrenta con los cambios y propuestas acerca de esa nueva concepción. Finaliza concluyendo que la mejor forma, por ahora, es de la aplicación de la justicia reconstituyente subsidiária a la justicia retributiva, tratando de crimenes de menor potencial ofensivo, o despues de un analisis aplicarla en crimenes de mayor proporción, para auxiliar en la problematica del encarcelamiento masivo, trabajar en las relaciones sociales y garantizar en la atuación del sistema penal los derechos fundamentales inherente a todos los seres humanos.

Palabras clave: Justicia reconstituyente. Prácticas reconstituyente. Derechos humanos. Recepción en la legislación brasilera.

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INTRODUÇÃO ... 9

1 MODELO RESTAURATIVO: UMA NOVA PERCEPÇÃO DE JUSTIÇA ... 11

1.1 Resgate histórico acerca do sistema penal ... 11

1.2 Justiça restaurativa: uma transformação necessária ... 16

1.3 Práticas restaurativas ... 20

1.4 O enfoque da justiça restaurativa é voltado aos direitos humanos... 24

2 JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL ... 27

2.1 A importância da justiça restaurativa no Brasil... 27

2.2 Ordenamento jurídico brasileiro acerca da justiça restaurativa ... 31

2.3 Propostas visando a adoção da justiça restaurativa no Brasil ... 36

2.4 As críticas à justiça restaurativa no sistema de justiça criminal ... 41

CONCLUSÃO ... 44

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão visa apresentar um estudo sobre justiça restaurativa, que busca, especialmente, a reparação dos danos causados às vítimas e a reconciliação do infrator com a comunidade e o ofendido, priorizando a restauração dos prejuízos causados. Essa nova forma de tratar o crime, é necessária face à desordem no sistema penal, que corroborou para os altos índices de criminalidade e um encarceramento massivo, sendo o Brasil a terceira maior população carcerária no mundo, segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEM, em 2016 a população era de 726.712 mil, tendo aumento a cada ano que passa. Este panorama trouxe à tona a necessidade de discutir sobre um novo modelo e paradigma de justiça penal, a justiça restaurativa.

Nessa conjuntura, o trabalho de conclusão de curso traz como problemática a indagação de se a justiça restaurativa seria a transformação necessária para o sistema penal, qual seria sua correta aplicação e se o Brasil estaria apto a recepcioná-la.

Os objetivos gerais configuram-se em estudar sobre justiça restaurativa desde o seu surgimento até suas formas de aplicabilidade e, através de um comparativo histórico com o sistema penal retributivo, verificar como esta nova modalidade de justiça apresenta a possibilidade de um resgate da humanidade de todos os envolvidos no ilícito penal, e com isso, demonstrar a importância de sua aplicabilidade no sistema penal brasileiro por tratar-se de uma ferramenta que possibilita a aplicação do Direito Penal preservando os princípios constitucionais, tais como o da dignidade da pessoa humana, sendo essencial sua tutela em um estado

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democrático de direito, como é o Brasil, nos termos do art. 1º da Constituição Federal.

A abordagem do trabalho se dá através do método hipotético-dedutivo, onde utilizou-se no seu planejamento a coleta de informações através de pesquisas bibliográficas, tanto por meios físicos quanto por meios eletrônicos, principalmente por artigos publicados em revistas eletrônicas, livros e também sendo observados os dispositivos legais que tratam sobre a matéria, com o intuito de embasar de forma efetiva a pesquisa, assim trazendo de forma eficaz o entendimento do conceito de justiça restaurativa e sua aplicabilidade, pois com seus métodos empregados de forma correta, poderá ajudar ante os problemas do sistema criminal, promovendo a ressocialização e consequentemente auxiliando no esvaziamento das prisões.

O presente trabalho teve sua estrutura firmada em dois capítulos, dos quais foram divididos por subtítulos. Inicialmente, no primeiro capítulo abordar-se-á o histórico do sistema penal, fazendo um comparativo da justiça tradicional ante a justiça restaurativa, trazendo também o conceito de sociedade punitivista. Logo após, são examinadas as práticas restaurativas e a metodologia que as compõem, como por exemplo, os círculos restaurativos, e como se dão esses programas. Ademais, ainda cabe referir, que são expostas as garantias aos direitos humanos na prática dessa modalidade de justiça, e como uma solução não violenta e com viés não punitivista pretende assegurar igualdade social.

Já no segundo capítulo, estudar-se-á a justiça restaurativa em âmbito brasileiro, a necessidade de mudança na justiça comum brasileira para que haja efetividade de direitos inerentes a todos, de que forma ela é recepcionada no ordenamento jurídico, quais dispositivos de lei que permitem essa alternância de pena, e, em quais casos, ocorre essa aplicação. Fronte a isso, apresenta-se também as propostas e programas que visam a adoção de práticas restaurativas no Brasil. Por fim, são mencionados os impactos e desafios da justiça restaurativa no sistema de justiça criminal brasileiro.

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1 MODELO RESTAURATIVO: UMA NOVA PERCEPÇÃO DE JUSTIÇA

O sistema penal faz-se presente desde a formação da sociedade, como meio de resolução dos conflitos existentes, apesar do modelo atual ser diferente do que havia no início, ele foi moldando-se conforme o passar dos tempos, e novas formas de solucionar atos ilícitos surgiram devido o direito penal ter dificuldade de abarcar a grande demanda de conflitos na atualidade e concretizar na realidade os direitos e garantias inerentes a todos seres humanos.

Diante desses fatores, buscou-se soluções alternativas, entre elas a justiça restaurativa, modelo jurídico penal onde a comunicação e resolução são meios para solucionar conflitos gerados por crimes que afetam as relações interpessoais e a comunidade em volta, visando a reparação do dano e a reconciliação entre todas as partes envolvidas.

Feitas essas primeiras colocações, esclarece-se que o presente capítulo tem por objetivo abordar o tema inicialmente com um resgate histórico fazendo um comparativo da justiça tradicional com a justiça restaurativa, após, explicar o que propõe essa nova forma de ver o crime, quais são suas práticas e como os direitos humanos são preservados nela.

1.1 Resgate histórico acerca do sistema penal

Devido aos altos índices de aprisionamento, o sistema penal não consegue suprir as garantias e necessidades de todos, diante disso, a pena que deveria ser somente privativa de liberdade, tornar-se atroz vistas as condições precárias as quais são expostos os presos, assim sendo, as prisões se tornam ambientes insalubres, hostis e receberam a alcunha popular de “escolas de crime”.

Destarte, esse fator gerou uma reação em cadeia aumentando os índices de criminalidade, dessa forma, criando nos grandes centros sensação de insegurança.

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A taxa de reincidência a nível nacional é de 70% conforme relatório de pesquisa no Brasil, em 2015 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, tais fatores vem recebendo atenção da população, que se frustra pela sensação de medo instaurada, devido a quantia de delitos que chocam a comunidade, bem como de estudiosos da área de direito penal que buscam soluções alternativas para combater esses males.

Para entender a presente situação faz-se necessário compreender o sistema penal, e abranger o sistema retributivo e punitivista que vigora na sociedade, e como ele pode ser modificado pela justiça restaurativa.

Inicialmente, conforme Daher (2012), muito antes de haver um sistema retributivo, onde o Estado interferia com julgamento e pena para o cidadão que cometesse delito, houve um período de vingança privada. Sabe-se que nos dias atuais essa autotutela não é mais permitida, pois o Estado assume como titular exclusivo o jus puniendi, contudo, a natureza de punir está arraigada ao ser humano desde os tempos vindouros.

Ainda nesse sentido, expõe Daher (2012), que com o homem formando seus grupos sociais, algumas leis precisavam ser estabelecidas para uma boa convivência, diante disso, devido a vingança privada não ser proporcional à ofensa, causando diversas lutas violentas, a primeira lei adotada para regulamentar esse problema foi a Lei de Talião, que consistia em limitar a ação punitiva, tendo como princípio “olho por olho, dente por dente”. Assim, a pessoa lesada poderia cobrar-se até onde havia sido prejudicada, sem exagerar com o emprego da violência ultrapassando o que lhe haviam feito.

Entretanto, Zehr (2008), explica que com o Renascimento, nasceu a ideia de a pena tornar-se mais adequada ao crime, e as autoridades, que anteriormente aplicavam penas seguindo seus próprios parâmetros de justiça, iam perdendo a flexibilidade de condenar desproporcionalmente os indivíduos.

Diante do exposto, de forma anterior ao Renascimento, afirma Daher (2012), que para garantir segurança a figura do soberano ou príncipe, o Estado aplicava

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penas severas e cruéis para garantir que os crimes não voltassem a ocorrer. Destarte, sabe-se que foi um período em que as pessoas eram despossuídas de direitos e garantias, sendo muitas vezes condenadas a pena de morte pelos crimes mais insignificantes. Assim começou a formação do sistema penal com a figura do Estado impondo a sanção.

Contudo, com a chegada do iluminismo penal em meados da metade do século XVIII, foi recebida a concepção de que a pena não deveria atuar através de castigos e pena de morte, e também deveriam ter caráter proporcional.

Assim sendo, Howard Zehr (2008, p. 89), esclarece:

As prisões tornaram-se populares como forma de aplicar penas proporcionais. As sentenças de privação de liberdade podem ser medidas em períodos de tempos e dosadas segundo a gravidade do crime, permitindo que sejam vistas como cientificas e lógicas. Numa era em que a ciência e a racionalidade foram tão importantes, a punição proporcional foi uma forma palpável de controlar o paradigma punitivo. Os períodos variáveis de encarceramento foram um modo de aplicar o conceito “cientificamente”.

Diante disso, observa-se que após o Renascimento, e mais tarde o Iluminismo Penal, o sistema retributivo engendra-se, mas também são elencadas preocupações acerca de garantias e direitos dos indivíduos, dessa forma, Cesare Beccaria (1998, p. 163) completa:

[...] para que toda a pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão particular, deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a mais pequena possível nas circunstâncias dadas, proporcional aos delitos, fixada pelas leis.

Nesse mesmo raciocínio, afirma Pallamolla (2009), que o sistema garantista de leis e direitos vai formando-se, e o Estado assume para si a responsabilidade de defender seus cidadãos contra a criminalidade, e, também, procura formas de controlá-la.

Diante disso, Ost (apud PALLAMOLLA, 2009, p. 133), descrevem essas mudanças do Estado:

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No século 19 esta proteção assumirá a forma mínima de garantia generalizada da sobrevivência, com o Estado liberal deixando para a esfera privada a gestão das condições materiais da existência. No século 20, em contrapartida, as missões do Estado ampliam-se, assim que assume o encargo para além da simples sobrevivência, a garantia de uma determinada qualidade de vida: falamos então, de Estado-providência ou Estado social. Cioso de uma realização efetiva das promessas de liberdade e de igualdade para todos, o Estado social entende dominar os principais riscos sociais, impondo a segurança generalizada.

Desta forma, foi-se moldando a justiça retributiva, onde conforme caracteriza Salles (2017), o Estado pune quem comete infrações ao ordenamento jurídico, devido a violação que ocorre à paz social. Assim sendo, a aplicação da pena privativa de liberdade é o remédio atual para prevenir futuras más condutas e ressocializar, sendo essa última medida não cumprida, devido ao Estado estar abarrotado na esfera penal, e dessa forma não conseguir garantir e efetivar direitos perante a aplicabilidade e execução das penas, além disso, nem a sociedade tenta reinseri-los devido a cultura punitivista que marginaliza completamente o ofensor.

Contudo, segundo Cruz (2013), desde que a pena deixou de ser privada, o encarceramento vem sendo o principal instrumento de ius puniendi (direito de punir do Estado), quando deveria ser interposta em ultima ratio (última razão), sendo essa medida extrema uma causadora dos problemas que acarretam o sistema penal.

Conceituando a justiça retributiva, também leciona Nereu José Giacomolli e Roberta Lofrano Andrade (2017, p. 197-198):

Na contemporaneidade, o acusado há de ser respaldado por uma defesa técnica, que responde a uma acusação formulada pelo Estado (a não ser nos casos dos crimes de ação penal privada). Essa sistemática, no entanto, afasta os principais protagonistas do conflito (réu e vítima), desatendendo às suas necessidades e fazendo com que o acusado, através de sua defesa, somente procure se esquivar ou anular o processo e a vítima fique totalmente alheia ao curso processual, apenas servindo de meio de prova, no momento do seu testemunho.

Segundo Achutti e Pallamolla (2014), a principal falha da justiça retributiva está na categorização dos casos, tratando-os de forma padronizada, para atender as

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grandes demandas de processos, sendo formuladas as denúncias, peças, sentenças e etc.

Cada caso é único devido à suas particularidades e as partes que estão envolvidas nos conflitos, assim sendo, com a categorização dos casos as peculiaridades de cada processo não são atendidas, pois o processo é visto em um todo através de fórmulas para garantir a celeridade.

Em 1764, ano em que lançou sua obra, Beccaria (1998), já afirmava que as penas não deveriam ser desumanas, medida está que o ordenamento jurídico tomou para si, todavia, na prática, com as superlotações em penitenciárias as condições míseras são realidade, tal agravante contribuindo para que a justiça retributiva perca sua efetividade na ressocialização e reinserção do apenado na sociedade. Mesmo com todo o período histórico visando a ressocialização, a nossa justiça além de retributiva é punitivista.

Seguindo essa linha de pensamento, Debora Caroline Souza Salles (2017, p. 20) fixa:

É notório que essa função ressocializadora não se vislumbra, e, assim, vemos o fracasso do sistema penal vigente, uma vez que aquele que comete o crime, ao ser submetido a uma cerceadora de sua liberdade, é exposto a um processo de dessocialização que o torna propenso ao cometimento de outros delitos.

O sistema configura-se como punitivista, porque a pena é uma forma de pagamento pelo mal que foi infringido, segundo Zehr (2008, p. 71):

Uma vez estabelecida a culpa, um segundo pressuposto entra em cena. Presumimos que os ofensores devem receber o “justo castigo”. A justiça deve prevalecer o ofensor deve aceitar e pagar “olho por olho”. O crime cria uma dívida moral que deve ser paga, e a justiça é um processo que devolve o equilíbrio à balança. É como se existisse uma balança metafisica no universo que foi desequilibrada e precisa ser corrigida.

Consequentemente, ainda seguindo nessa linha Zehr (2008), afirma que visando apenas o “castigo” como forma de pagamento pelo crime cometido, as

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relações sociais são rompidas e não são reconstruídas, pois a dor do ofensor não cura o dano de quem sofreu o delito, e a pena acaba excluindo o autor do crime da sociedade, sem medidas para sua reinserção.

O colapso desse sistema de justiça fez com que juristas procurassem outras alternativas que trouxessem efetividade, assim, surge em contrapartida, a justiça restaurativa trazendo uma nova ótica de enxergar o crime, que será abordada no próximo subtítulo a seguir.

1.2 Justiça restaurativa: uma transformação necessária

Devido aos inúmeros problemas já expostos anteriormente, se fez necessário buscar soluções alternativas para o sistema penal, diante disso, afirma Zehr (2012), que é em meio a esse cenário que surgem em meados da década de 70, no Canadá, formas desenvolvidas das práticas restaurativas.

Diante disso, Zehr (2012, p. 22) explica:

O moderno campo da Justiça Restaurativa de fato desenvolveu-se nos anos 70 a partir de experiências em comunidades norte-americanas com uma parte considerável de população menonita. Buscando aplicar sua fé e visão de paz ao campo implacável da justiça criminal, os menonitas e outros profissionais de Ontário, Canadá, e depois de Indiana, Estados Unidos, experimentaram encontros entre ofensor e vítima dando origem a programas, nessas comunidades, que depois serviram de modelo "para projetos em outras partes do mundo. A teoria da Justiça Restaurativa desenvolveu-se inicialmente desses empenhes.

Contudo, o movimento deve muito a esforços anteriores e a várias tradições culturais e religiosas. Beneficiou-se enormemente do legado dos povos nativos da América do Norte e Nova Zelândia. Portanto, suas raízes e precedentes são bem mais amplos que a iniciativa menonita dos anos 70. Na verdade, essas raízes são tão antigas quanto a história da humanidade.

Como visto na citação supracitada, apesar de ser uma prática antiga, a justiça restaurativa vem ganhando forma recentemente, e por isso é difícil conceituá-la, pois além de ser recente, é uma prática muito flexível que pode ser inserida em várias esferas.

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Nesse sentido, Johnstone e Van Ness (apud ACHUTTI, 2013, p. 156) afirmam:

[...] alguns consideram a justiça restaurativa como uma nova técnica social ou programa que pode ser usado no interior dos nossos sistemas de justiça criminal. Outros procuram, em última análise, abolir grande parte do edifício de punição do estado e substituí-lo por respostas baseadas na comunidade que ensinam, curam, reparam e restauram vítimas, autores de crimes e suas comunidades. Outros, ainda, aplicam a visão de cura e restauração a todos os tipos de conflitos e danos. Na verdade, o objetivo final e foco principal, eles sugerem, deveria ser a mudança da maneira como vemos a nós mesmos e nos relacionamos com os outros na vida cotidiana.

Segundo Achutti (2013), apesar das divergências para conceituá-la, é de consenso geral, que a justiça restaurativa visa resolver, através das partes diretamente envolvidas os conflitos que causam implicações sociais, e é nessa base que a justiça restaurativa vai se formando e evoluindo, podendo ter outros objetivos, desde que esse seja seu objetivo principal. Tal conceito abrangente, permitiu que a justiça restaurativa fosse levada para campos não judiciais, solucionando conflitos em âmbitos escolares, familiares, laborais e em comunidades, confirmando assim, que sua aplicação não é delimitada.

No presente trabalho, é visível a delimitação da justiça restaurativa apenas em âmbito penal, mas é de suma importância explicar que ela não se prende somente a esse campo, podendo ser inserida em todos os lugares como forma de solução de conflitos, tamanha é sua efetividade.

Como foi delimitada, a justiça restaurativa como modelo jurídico penal, é necessário o entendimento de como o crime atua, e o que a justiça restaurativa terá de reparar e enfrentar.

Sendo assim, Zehr (2008, p. 172), delimita o crime como:

Em seu cerne o crime é, portanto, uma violação cometida contra outra pessoa por um indivíduo que, por sua vez, também pode ter sido vítima de violações. Trata-se de uma violação do justo relacionamento que deveria existir entre indivíduos. O crime tem ainda uma dimensão social maior. De fato, os efeitos do crime reverberam, como ondas, afetando muitos outros indivíduos. A

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sociedade é uma parte interessada no resultado, portanto tem um papel a desempenhar. Não obstante, essa dimensão social não deveria ser o ponto inicial do processo. O crime não é primeiramente uma ofensa contra a sociedade, muito menos contra o Estado. Ele é em primeiro lugar uma ofensa contra as pessoas, e é delas que se deve partir.

A justiça restaurativa, segundo Zehr (2008), visa reparar o vínculo, geralmente hostil criado pelo crime, e coloca como figuras centrais a vítima, o ofensor e a comunidade que sofreu o abalo, buscando reparar a lesão ocorrida pelo crime, oferecendo a cura, dessa forma restabelencendo os relacionamentos interpessoais, sendo o dever da justiça o de promover meios para a vítima recuperar-se do mal sofrido, e ajudar o ofensor a reconhecer sua responsabilidade, enquanto a sociedade deve participar para trazer sugestões, ajudar a reconhecer as necessidades dos polos envolvidos.

Como descrito por Renato Sócrates Gomes Pinto (2005, p. 19):

A Justiça Restaurativa baseia-se num procedimento de consenso, em que a vítima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime, como sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a cura das feridas, dos traumas e perdas causados pelo crime.

Desta mesma forma, Pallamolla (2009), conceitua que as partes envolvidas no crime, na justiça restaurativa, abandonam a passividade, e assumem as discussões e decisões que são tomadas, com a ajuda da figura do facilitador.

Complementa a esta linha de pensamento, Salles (2017 p. 29):

O que é denunciado aqui não é o ofensor, mas sim o ato danoso e, assim, busca-se a integração do ofensor com a comunidade. O senso de equilíbrio é conseguido pela restituição e a justiça é avaliada por seus frutos ou resultados: o processo visa reconciliação. Estimula-se o arrependimento e o perdão. A vítima e ofensor são sim os atores principais, mas contam com ajuda profissional, onde valores de reciprocidade e cooperação são fomentados e todo o contexto é relevante. Desta maneira, possibilita um resultado onde todos saem ganhando: a comunidade, a vítima e o ofensor.

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É importante ressaltar as palavras de Prudente (2013), onde afirma que as práticas restaurativas em nenhum momento negam que a sociedade se afeta com o delito, e sim que a dimensão pública não deve ser o principal ponto de partida para resolver os conflitos. Não basta que o Estado condicione polo ativo principal, e que se vise apenas a punição do infrator. O foco deve estar nos relacionamentos afetados, e nas partes, como vítimas, à comunidade e o infrator, é necessário que os envolvidos busquem identificar o dano, as necessidades e interesses de cada uma das partes, promovendo a reparação e reconciliação, quando possível, então dessa forma, consequentemente restabelecendo a paz social.

Do ponto de vista de Andrade e Giacomoli (2017), toda participação na justiça restaurativa é voluntária, sendo assim, qualquer um dos participantes pode desistir do processo a qualquer tempo, e o acordo final deve atender a obrigações que condizem com o princípio da proporcionalidade.

No que cabe ao tocante das diferenças entre a justiça comum e a justiça restaurativa, Zehr (2012) discorre que a justiça retributiva e a justiça restaurativa não diferem tanto uma da outra em alguns aspectos, pois as duas reconhecem que determinado comportamento que compõe fato típico de um delito “desequilibra a balança”, dessa maneira, a vítima acaba carecendo de auxílio e o ofensor devendo algo. As duas formas creem no princípio de proporcionalidade da pena com o ato lesivo praticado, porém o que as difere é como o equilíbrio será restaurado, e como será paga essa dívida social.

É dessa maneira que Zehr (apud PALLAMOLLA, 2009, p. 77) difere o tratamento da justiça retributiva perante a justiça restaurativa:

[...] A justiça retributiva acredita que a imposição da pena (sofrimento) irá vindicar a vítima, quando na verdade ela é contraproducente tanto para vítima quanto para o ofensor. Já a justiça restaurativa acredita que o que realmente vindica a vítima é o reconhecimento de suas necessidades e danos, somados ao encorajamento do ofensor para assumir a responsabilidade pelo ato, reparar o dano e apontar os motivos de seu comportamento.

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A justiça retributiva postula que a dor é o elemento capaz de acertas as contas, mas na prática ela vem se mostrando contraproducente, tanto para a vítima quanto para o ofensor. Por outro lado, a teoria da Justiça Restaurativa sustenta que o único elemento apto para realmente acertar as contas é a conjugação do reconhecimento de danos sofridos pela vítima e suas necessidades ao esforço ativo para estimular o ofensor a assumir a responsabilidade, corrigir os males e tratar as causas daquele comportamento. Ao lidar de modo positivo com esta necessidade de vindicação ou acerto de contas a Justiça Restaurativa tem o potencial de dar segurança a vítima e ofensor, ajudando-os a transformar suas vidas.

Portanto, após a diferença entre a justiça restaurativa e justiça retributiva supracitadas, cabe mencionar, de acordo com Cruz (2013), que a justiça restaurativa traz um novo paradigma, tratando os conflitos de uma forma diferente à justiça retributiva, apesar de parecer de certo modo utópica sua aplicação no sistema penal, ela pode ser efetiva devido sua abordagem completa e eficaz. Em primeiro momento, ela é interposta como uma alternativa aplicada subsidiariamente à retributiva, pois a transição de qualquer sistema é um processo lento de mudança, além disso, a concepção punitivista vigente está intrínseca à sociedade desde que esta começou a formar-se. De modo geral, está começando a se compreender a concepção dessa nova forma de abordar o delito.

Assim sendo, para garantir a efetividade da justiça restaurativa, e atingir a busca dos objetivos supracitados, deve-se aplicar de forma eficaz os encontros para interação das partes (vítima, ofensor, comunidade). A justiça restaurativa conta com práticas que a ajudam a conduzir o processo, essas técnicas consistem em práticas de comunicação não violenta e círculos restaurativos, com a figura de um facilitador para conduzir esses encontros, razão essa pela qual o presente assunto será visto a seguir.

1.3 Práticas restaurativas

No dizer de Tiveron (2009), os círculos surgiram no Canadá, e seu objetivo é reunir a vítima, ofensor, apoiadores das partes e a comunidade, para que entre eles conversem e cheguem a uma conclusão para reparar o dano, esse processo conta

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com o auxílio de um facilitador, figura que vai conduzir o círculo sem interferir nas soluções, e deixar que as partes as proponham.

Acerca dos círculos restaurativos, Giacomolli e Andrade (2017, p. 216) caracterizam:

Historicamente, os Círculos de Construção de Paz descendem dos Círculos de Diálogo, comumente realizados entre os povos indígenas da América do Norte. A reunião, em forma de círculo, para a discussão de problemas da comunidade, sempre foi prática comum entre os povos indígenas, sendo mantida até os dias atuais. Saindo das aldeias, há cerca de trinta anos, os círculos têm sido utilizados em comunidades, sendo, após, inseridos em contextos públicos.

É notório que os círculos humanizam as pessoas, haja vista, que cada um tem local de fala durante o procedimento, um objeto de fala é escolhido enquanto o facilitador o conduz para as partes, então, durante o tempo em que uma pessoa fala ela tem total atenção, já que os demais devem permanecer calados até terem em posse o objeto, dessa maneira, dialogando busca-se uma solução para reparar o que foi causado.

Raquel Tiveron (2009, p. 52) explana como cada figura deve agir dentro do círculo restaurativo:

O facilitador dá início ao encontro com as apresentações e estabelece regras básicas de comportamento, confidencialidade e direitos dos participantes. O seu papel é assegurar que cada pessoa tenha oportunidade de falar e de ser ouvida respeitosamente. Caso algum dos participantes se torne agressivo, o encontro é encerrado a critério do facilitador e o caso é devolvido às vias ordinárias. O facilitador faz um relatório objetivo dos fatos, de forma a não ressaltar aspectos criminalizantes. Em seguida, o ofensor é estimulado a apresentar o quadro global dos fatos e informar porque a infração foi cometida. Após, a vítima, atenta a tudo o que foi dito, relata como o delito a impactou. As pessoas de apoio à vítima também recebem a oportunidade de falar, seguidas pelas pessoas trazidas pelo ofensor, as quais são estimuladas a dar uma declaração de apoio a ele.

Nesse sentido, ainda continua Tiveron (2009), que o reconhecimento do erro do ofensor é importante para que a vítima sinta o arrependimento da parte do ofensor, essa atitude de ambos é importante, pois quando a vítima sente o

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arrependimento do ofensor, ela o perdoa, e esse perdão geralmente traz ao ofensor sua redenção e vontade de melhorar perante a sociedade, esse perdão não é o objetivo central das práticas, até porque pode não ocorrer, mas de modo geral, é uma consequência do processo das práticas restaurativas.

Dessa forma, ocorre a humanização das partes, com trocas de diálogos, a procura do cerne da questão vista de todos os pontos de vista possíveis, o ofensor não é taxado como um monstro, e sim, como um ser humano, que tem falhas como todas as pessoas existentes, sendo capaz de buscar a reparação quando lhe é dada uma chance.

Porém, para os círculos restaurativos funcionarem de forma eficaz, é imprescritível que hajam os pré-círculos, para garantir que as chances de desavenças sejam baixas em círculos restaurativos, quando realmente as partes se encontrarem.

Segundo Cláudia Machado, Leoberto Brancher e Tânia Benedetto Todeschini (2008, p. 11):

O Pré-círculo propicia condições para que o Círculo possa acontecer. Desenvolve-se por meio de encontros do coordenador em momentos distintos com autor, receptor e comunidade, visando convergir com cada um sobre: o fato ocorrido, suas consequências, o restante do procedimento restaurativo, os outros participantes que serão convidados e a vontade genuína de prosseguirem nas etapas seguintes. Isto é feito no contexto do estabelecimento de um vínculo de confiança entre os participantes e o coordenador. O Pré-círculo é o primeiro contato com os participantes do Círculo, no qual o coordenador precisa inteirar-se de todas as informações disponíveis sobre o fato que promoveu o conflito. Quando possível, a leitura de documentos deve ser complementado por contatos informais, inclusive com os profissionais já envolvidos no atendimento, para tornar mais clara sua visão sobre o que, realmente, aconteceu. O Círculo não tem como objetivo descobrir culpados ou investigar os fatos. O encontro só ocorre se os fatos estiverem claros, de antemão, e o autor admitir tê-los praticado.

Destarte, Prudente (2013), utiliza-se do argumento que, o círculo se configura em três etapas, pré-círculo, círculo e pós-círculo. No pré-círculo tem-se a preparação, o coordenador procura as partes diretamente envolvidas, apoiadores e

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a comunidade que se chocou com o crime cometido, o procedimento é explicado para cada uma das pessoas que participam, também é deixado entendido que os conteúdos abordados nos círculos, são confidenciais, não podendo ser utilizados nem em prova de processo penal caso se dê o abandono da justiça restaurativa. Os círculos são ferramentas de concentração, acolhimento, foco em todas as partes principais que se sentiram lesadas. No momento do acordo busca-se a propostas para a compensação da infração, e tentam achar meios para que isso não se repita, se todas as partes aceitarem, é formalizado o termo de acordo. Já os pós círculos servem para analisar o impacto que os círculos restaurativos tiveram na vida de cada um, e também é uma forma para ver se o acordo é cumprido por todos.

Sobre o pós-círculo é importante frisar conforme Machado, Brancher e Todeschini (2008, p. 17):

É um encontro de avaliação entre os participantes do Círculo Restaurativo e aqueles que colaboraram na realização das ações do acordo, para que dialoguem sobre sua satisfação com os Planos de Ação, o que deles resultou, e, caso necessário, proponham os novos passos a seguir. É uma oportunidade para que os presentes verifiquem o cumprimento do acordo, sendo de responsabilidade do coordenador realizar a documentação desta etapa e a comunicação de seus resultados. O coordenador registra o encontro, inclusive as sugestões de passos seguintes, se houver. Nesta etapa, o procedimento pode ser encerrado, se cumprido o acordo. Caso

contrário, os participantes vão sugerir alternativas de

prosseguimento.

Dessa forma, acrescenta, Pinto (2005), nos casos onde são aplicados a justiça restaurativa, o Ministério Público encaminharia possíveis casos as práticas, e após isso o acordo se daria com a homologação judicial, que passaria a fase de cumprimento de acordo.

Diante do exposto, como destaca Tiveron (2009), através das práticas restaurativas, as partes são ativas, e não o Estado, o que ajuda a manter o diálogo vítima-ofensor, e adequadamente com respeito, perdão e humanitarismo são buscadas soluções que trarão restauração e paz social. Tudo isso sendo possível pelo enfoque aos direitos humanos que regem a justiça restaurativa, objeto esse que será tratado a seguir.

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1.4 O enfoque da justiça restaurativa é voltado aos direitos humanos

Conforme Prudente (2013), os direitos humanos veem sendo firmados durante um longo período, marcado por muitas lutas em busca do reconhecimento destes. Foram garantidos primeiramente pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão no ano de 1789, devido a Revolução Francesa, e de forma posterior na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que objetivava o ideal comum a ser alcançado por todos os seres humanos.

Nesse contexto, são firmados os direitos humanos fundamentais, que são explicados por Moraes (apud PRUDENTE, 2013, s.p):

Direitos humanos fundamentais podem ser considerados como: O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.

Diante disso, é sabido que para se ter dignidade humana esses direitos devem ser salvaguardados, o que na prática em várias esferas muitas vezes não acontece, com por exemplo, a miséria da população, a negligência a saúde, educação, moradia, e também o sistema carcerário que se encontra desumanizado, principalmente nas prisões brasileiras, onde as condições de vivência lesam o ser humano, pois os apenados na prática não tem nenhuma garantia dos direitos que devem ser tutelados.

Prudente (2013), afirma que nem sempre o convívio social é pacífico, devido a inúmeros problemas, crimes e conflitos ocorrem, é parte da condição humana. Porém a forma como é tratado o conflito ou o crime, é que vai constar se os direitos humanos estão ou não sendo lesados.

Continua a expor, Prudente (2013), os direitos humanos são a resolução para os conflitos serem tratados de forma pacífica, examinando, soluções onde os

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diálogos acontecem de formas igualitárias, sem discriminações ou linguagens e atitudes violentas.

Para conquistar a efetividade dos direitos humanos, deve-se analisar soluções não violentas para enfrentar a criminalidade e violência, pois só assim sairemos dessa espiral de criminalidade, e tendo esse pensamento veio à luz a justiça restaurativa, onde ao ofensor não é negada sua responsabilidade, mas sim é dada uma chance humanizada de resolver o delito.

As prisões com suas superlotações, e o sistema que renega as necessidades básicas das pessoas, acaba por aumentar a criminalidade, pois ao deixar os condenados a margem social e renega-los, estes por sua vez, se revoltam ainda mais com a sociedade que os virou as costas.

Além disso, confirma Pallamolla (2009), consta-se que grande maioria das pessoas que passam pelo sistema carcerário são grupos socioeconomicamente vulneráveis, apesar de termos um sistema penal garantista de direitos e princípios regentes, esse em sua aplicabilidade é falho, assim, reduzir suas desigualdades e tutelar esses direitos fundamentais é também objetivo da justiça restaurativa.

Portanto, como é uma prática recente, deve-se aplicar a justiça restaurativa inicialmente em crimes de menor gravidade, pois o processo de mudança é lento, mas assim já haveria uma diminuição na população carcerária, ademais também inseriria socialmente uma visão mais humanista e condolente.

Assim, para que tenha eficiência a justiça restaurativa deve ser humanizada, com suas técnicas sendo bem aplicadas ela demonstra um novo paradigma para enfrentar conflitos e traz resultados positivos diante da justiça comum.

Em vista do exposto, sabe-se que a justiça retributiva está consolidada no âmbito jurídico penal, porém em contrapartida surge um modelo de justiça inovador, que propõe soluções aos problemas atuais. Devido a ser uma prática recente sua implementação surge de forma lenta no ordenamento jurídico. É de suma

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importância o entendimento diante de sua aplicabilidade e a recepção na legislação brasileira, sendo assim, é com esse tema que se ocupa o capítulo seguinte.

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2 JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL

A partir dos estudos da pesquisa até o momento a respeito do sistema penal e das problemáticas que vem enfrentando na contemporaneidade com o crescimento populacional nas prisões, foi visto que a justiça restaurativa surge como uma nova forma de enfrentar os conflitos emergentes na sociedade, e a maneira com a qual é imposta na prática.

Faz-se necessária a compreensão da importância da justiça restaurativa aplicada ao sistema jurídico brasileiro, diante das desigualdades sociais que permeiam o país, inclusive no âmbito penal, onde majoritariamente as prisões são compostas de pessoas em situação socioeconomicamente vulnerável.

Diante disso, perante a popularização desse novo modelo de resolver conflitos sociais, surge no Brasil sua implementação, apesar de não existir nenhuma lei que de fato regule e direcione sua aplicação, alguns dispositivos legais permitem em certos casos, como nos de menor potencial ofensivo, a aplicação de penas e tratamentos alternativos, assim, abrindo brecha para os métodos restaurativos.

Assim sendo, a justiça restaurativa no Brasil foi-se moldando diante de programas como o Decreto lei 7.037/2009 e a Resolução 2002/12 da ONU que guiam a utilização de práticas restaurativas.

Dessa maneira, feitas as devidas colocações, salienta-se que tais assuntos serão expostos no presente capítulo, abordando desde a importância da justiça restaurativa no Brasil, sua aplicabilidade e também os problemas e desafios que ela enfrenta no sistema de justiça criminal.

2.1 A importância da justiça restaurativa no Brasil

Primeiramente, cabe trazer à tona os problemas recorrentes no Brasil por causa da criminalidade instaurada, cuja traz sensação de insegurança para população, e de como o grande número de demandas na esfera penal abarrotou o sistema carcerário.

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É nesse tocante, que Philip Oxhorn e Catherine Slakmon (2005, p. 187) utilizam da seguinte argumentação:

De maneira mais trágica, a combinação de altos níveis de crime e baixos níveis de confiança nas instituições estatais responsáveis por lidar com o problema ameaça criar um círculo vicioso de violência. O controle efetivo do crime, para não mencionar a prevenção do crime, requer a cooperação entre a polícia e o judiciário, por um lado, e, por outro, entre a polícia e as comunidades que ela deve proteger. Todavia, as pessoas cada vez mais apoiam políticas policiais repressivas (inclusive a existência de facto de esquadrões da morte, frequentemente compostos por policiais na ativa e aposentados) para lidar com a crescente insegurança causada pelo aumento das taxas criminais e, ironicamente, a falta de confiança na capacidade do Estado de implementar políticas que efetivamente respeitem os direitos civis. Tal policiamento repressivo deixa a cooperação necessária entre o Estado e a sociedade civil ainda mais improvável, e a espiral ascendente de violência debilita a coesão social tornando mais difícil solucionar conflitos locais com sucesso, antes que eles se multipliquem em mais violência.

Nesse sentido, a população desacredita na capacidade do judiciário, porém querem políticas policiais cada vez mais duras, Pallamolla (2009, p. 132), afirma que “a crise de legitimidade do sistema penal tem lugar de destaque”.

Dessa forma, continuam Oxhorn e Slakmon (2005), se cria um ambiente hostilizado e com sensação de medo, onde a população não sente segurança, mas segue ignorando novos métodos para um cumprimento efetivo de justiça, em outras palavras, os cidadãos comuns buscam muitas vezes “fazer justiça com as próprias mãos”, ou creem que medidas extremas devem ser apuradas para sanar o problema, pois acreditam que as medidas aplicadas pelo Estado sejam ineficazes.

Destarte, que Oxhorn e Slakmon (2005, p. 190) expõe outros argumentos fáticos que seriam causadores da atual situação penal do país:

[...] os direitos de cidadania, incluindo sua extensão (quem os desfruta) e amplitude (que direitos são incluídos), refletem demandas de grupos organizados diferentes com a sociedade civil em lugar das necessidades funcionais da economia. Onde a sociedade civil é forte, a extensão e amplitude dos direitos gozados pelos cidadãos serão altas como reflexo da riqueza do tecido social que é sinônimo de uma sociedade civil forte. Por sua vez, as sociedades civis fracas são

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refletidas em direitos de cidadania cuja extensão e amplitude espelham as assimetrias da estrutura social em termos de quais grupos são, ou não, capazes de reivindicar inclusão em estruturas políticas nacionais. Consequentemente, a falta de organização e inclusão de diferentes segmentos da população – geralmente a maior

parte da população de muitos países latino americanos hoje – está

refletida em níveis maiores de vulnerabilidade às políticas estatais de subordinação, e esforços de cooptação pela cessão seletiva de bens materiais, e, sob inclusão controlada, direitos de cidadanias (por exemplo, o México sob o PRI, Brasil sob Vargas) ou repressão (por exemplo, os regimes militares no Cone Sul e no Brasil).

Assim, em outras palavras Oxhorn e Slakmon (2005), apontam a problemática por apesar dos direitos serem inerente a todos, sua prestatividade se encontra restrita a grupos econômicos fortalecidos, sendo os grupos vulneráveis, criminalizados e repreendidos pelo policiamento e o sistema penal de forma desigual se comparado com pessoas bem estabelecidas socialmente.

Em razão do tratamento desigual perante ao sistema penal, há superlotações devido a prisão ser utilizada como ius puniendi em crimes de menor potencial ofensivo, que poderiam ter outras soluções viáveis para seu tratamento.

Devido a esse quadro, afirma Pallamolla (2009), que a ineficiência do sistema de justiça criminal para lidar com conflitos sociais juntamente com as causas de violências tornam necessário a reformulação judicial que é dada através de projetos de justiça restaurativa.

Dessa forma, segundo Oxhorn e Slakmon (2005), a justiça alternativa ao tratamento comum para os crimes, é posta de maneira a complementar a justiça retributiva, e suas práticas são interpostas por órgãos estatais. Assim, traz a justiça restaurativa uma forma de reduzir desigualdades, desafogar o sistema carcerário e garantir um estado democrático de direito a todos, pois, sua prática é voltada as pessoas e a solução de seus conflitos, assim as humanizando.

Diante do exposto, se faz necessária a compreensão de como o ordenamento jurídico brasileiro, pode suportar as mudanças perante a nova concepção de lidar com o delito que traz a justiça restaurativa, e como ela poderá ser implantada em nosso sistema de direito.

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Nesse sentido, segundo Pinto (2005), em países onde está instaurado o sistema de direito de common law (as normas e sua aplicação são baseadas em jurisprudência e nos costumes), há mais receptividade a mudanças, pois existe abrangente discricionariedade para o promotor poder processar ou não, enquanto, no Brasil devido o princípio da indisponibilidade da ação penal pública, as práticas restaurativas se fazem mais restritas.

Sobre esse sistema mais fechado que se tem no país, Sica (2009) afirma, que com a construção das práticas restaurativas sem aumentar somente o poder punitivo, os crimes impostos terão uma resposta mais acessível e sem marginalização como acontece em um sistema inflexível, e que ajudaria até nos casos de cifra negra, pois muitas vítimas acabam por não denunciar o ato ilícito por medo de não serem reparadas e zeladas.

Como dito anteriormente, no Brasil, a justiça restaurativa tem algumas restrições, para a compreensão destas, Pinto (2005, p. 29) esclarece:

O modelo restaurativo é perfeitamente compatível com o ordenamento jurídico brasileiro, em que pese ainda vigorar, em nosso direito processual penal, o princípio da indisponibilidade e da obrigatoriedade da ação penal pública. Tal princípio, contudo, se flexibilizou com a possibilidade da suspensão condicional do processo e a transação penal, com a Lei 9.099/95. Também nas infrações cometidas por adolescentes, com o instituto da remissão, há considerável discricionariedade do órgão do Ministério Público. Nesse ínterim, cabe o entendimento de que devido a lei dos Juizados Especiais, há a possibilidade de aplicação de penas alternativas, podendo assim ensejar as práticas restaurativas, mesmo que seja a casos de menor potencial ofensivo abre-se uma brecha na lei para a inserção de um novo modelo de justiça criminal.

Por consequência, se faz imprescritível a compreensão das leis que deram espaço para a forma da aplicação da justiça restaurativa no país, portanto, serão abordadas de forma detalhada no subtítulo seguinte.

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2.2 Ordenamento jurídico brasileiro acerca da justiça restaurativa

Conforme visto anteriormente, é sabido que a Constituição federal de 1988, e a lei 9.099/95 proporcionaram a abertura para que fossem instaurados alternativas a justiça comum, mas também deve-se abordar outras leis importantes para o contexto de sua aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro.

É nesse sentido que Leonardo Sica (2009, p. 427) explica:

A mediação e outras práticas de justiça restaurativa não exigem, a priori, previsão legal específica para serem utilizadas no âmbito penal. Requer-se, apenas, dispositivos legais que recepcionem medidas como a reparação-conciliação ou soluções consensuais, afastando a possibilidade de pena ou atenuando-a [...]. Essa adaptabilidade, é uma das características marcantes do paradigma de justiça debatido e deve ser aproveitada, num primeiro momento, para viabilizar programas experimentais com o objetivo de testar a operatividade real da mediação no contexto nacional e aprender com as falhas para, num segundo momento, pensar-se em legislar a matéria. A existência de legislação, então, permitirá a definição das especificidades da mediação em face da justiça penal e atenderá às necessidades que emergirão do confronto empírico dos primeiros projetos com o sistema de justiça e, principalmente, com a atitude dos operadores.

Diante do exposto, fica cristalino o entendimento de que apesar de não existir no ordenamento jurídico brasileiro uma lei específica, caso outros dispositivos de lei tenham abertura para recepcionar as práticas restaurativas, elas conseguem ser inseridas no âmbito jurídico criminal. Dessa forma, alega Pinto (2005, p. 20):

É importante ressaltar que com o advento da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e do Estatuto da Criança e do Adolescente, têm sido adotadas práticas restaurativas no Brasil, mas não com sua especificidade, seus princípios, valores, procedimentos e resultados conforme definidos pela ONU.

Sendo assim, a justiça restaurativa interposta no país tem uma flexibilidade para modificar seus métodos de aplicação, não sendo necessário que siga um modelo em específico, porém visando sempre princípios constitucionais e o objetivo das práticas restaurativas, bem como promovendo a reinserção do ofensor a sociedade, auxiliar na recuperação da vítima e reparar o dano.

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O Código Penal brasileiro é do ano de 1940, porém em 1984, antes da Constituição Federal 1988, conhecida como Constituição cidadã, houve a alteração de alguns dispositivos do Código Penal, passando assim a dar outras providências a certas matérias, uma das alterações que trazem bastante importância para a aplicação de práticas restaurativas é o artigo 59 que traz em sua redação:

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Dessa maneira, abriu-se possibilidades que não só a pena privativa de liberdade, podendo ser inseridas penas alternativas se o réu preencher os requisitos do caput, sendo essa uma das primeiras medidas do ordenamento jurídico a estabelecerem a pena privativa de liberdade somente quando necessário e utilizada como último recurso.

Além do mais, segundo Pinto (2005, p. 29) “A Constituição prevê, no art. 98, I, a possibilidade de conciliação em procedimento oral e sumaríssimo, de infrações penais de menor potencial ofensivo.”

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

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À vista disso, consequentemente, alega Pinto (2005), que tal dispositivo criou a possibilidade da criação da lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) que possibilita também uma forma de justiça restaurativa, e em fase preliminar cabe destacar alguns artigos da presente lei.

A Lei 9.099/95, Brasil, prevê na Seção II, sobre a fase preliminar:

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

Art. 73. A conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação.

Parágrafo único. Os conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados, na forma da lei local, preferentemente entre bacharéis em Direito, excluídos os que exerçam funções na administração da Justiça Criminal.

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.

Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou

representação.

Os artigos citados acarretam, segundo Pinto (2005) a possibilidade de encaminhamento a núcleos de justiça restaurativa, e se os pressupostos para tal estiverem em consonância, juntamente com uma avaliação multidisciplinar o processo restaurativo pode ser implantado.

Porém, cabe destacar as alegações de Pinto (2005) sobre o parágrafo único, do artigo 74, da Lei 9.099/95, onde conforme já exposto, nos casos de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação se a vítima aceitar a proposta das práticas restaurativas ela perde direito de queixa ou representação. Sabe-se que o um dos princípios da justiça restaurativa é sua revogabilidade, ou seja, se as partes desistirem da prática restaurativa, o processo é instaurado novamente na esfera comum. Contudo, desde que a vítima em crimes de ação penal privada ou ação penal pública condicionada sejam informadas

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claramente que caso aceitem as práticas restaurativas como meio alternativo, elas perdem o direito de queixa ou representação, sendo de sua vontade adentrar ou não no processo restaurativo.

Perante o exposto, é importante salientar o previsto no artigo 89 da lei 9.099/95, Brasil, que traz o instituto da suspensão condicional do processo:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II - proibição de frequentar determinados lugares;

III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.

§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.

§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.

§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.

§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.

Diante disso, o artigo supracitado da lei abriu a possibilidade de serem aplicadas práticas restaurativas, compreende Pinto (2005), que diante da previsão do artigo acima mencionado, os crimes com pena mínima de até 1 ano juntamente com as condições impostas no caput, podem ser objetos de suspensão condicionada do processo, e automaticamente conforme o exposto o parágrafo 2° do artigo supracitado é permitido seu encaminhamento as práticas restaurativas.

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Por conseguinte, no que se refere a outros dispositivos de lei, Pinto (2005, p. 32) utiliza-se do exposto:

[...] além da Lei 9.099/95, também o Estatuto da Criança e do Adolescente enseja e recomenda implicitamente o uso do modelo restaurativo, em vários dispositivos, particularmente quando dispõe sobre a remissão (art. 126) e diante do amplo elastério das medidas socioeducativas previstas no art. 112 e seguintes do diploma legal. Também nos crimes contra idosos, o processo restaurativo é

possível, por força do art. 94, da Lei n. 10.741/03 – o Estatuto do

Idoso – que prevê o procedimento da Lei 9.099/95 para crimes contra idosos cuja pena privativa de liberdade não ultrapasse 4 anos.

Destarte, diante das leis referidas fica cristalino o entendimento de que o direito positivado brasileiro aceita as práticas restaurativas, inicialmente, a casos que se encaixem nas hipóteses elencadas, porém, conforme explica Sica (2009), não existe nenhuma legislação vigente que regule sua aplicabilidade.

Diante disso, em 2005 houve a proposta da implementação do modelo restaurativo no país, Pallamolla (2009, p. 179) explica o Projeto de Lei n° 7006 de 2006.

Em 2005, foi encaminhada pelo Instituto de Direito Comparado a sugestão nº 99/2005 à Comissão de Legislação Participativa. No ano seguinte, tal proposição foi aprovada e transformada no Projeto de Lei nº 7006/06, que propõe sejam acrescentados dispositivos nos Códigos Penal e Processual Penal e na Lei dos Juizados Especiais.

Segundo Prudente (2013), o projeto de lei propõe uma série de alterações, sendo alguns artigos da lei confusos, como o artigo 1° que traz a alcunha de uso facultativo e complementar em casos de crimes e contravenções penais.

Em concordância, Pallamolla (2009), afirma que um dos principais problemas do Projeto de Lei está em seu artigo 1° e a utilização da terminologia facultativo, sendo claro que se for de escolha dos juízes, promotores públicos e policiais esses só encaminharam para o núcleo restaurativos crimes de bagatela, sendo que não está firmado de forma concreta quais seriam as situações em que se aplicaria esse modelo de justiça.

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Nesse tocante, Prudente (2013), destaca mais algumas falhas do Projeto de Lei proposto, onde faltam preencher lacunas no projeto em questão, como, quais práticas serão utilizadas e vigoradas, as técnicas que serão seguidas, a figura do facilitador precisa de qual formação, os integrantes de práticas restaurativas irão ou não ser remunerados, qual o papel do Estado.

São inúmeros questionamentos que o Projeto Lei n° 7006, de 2006 acaba por deixar sem resposta, então seria fundamental que fosse estudado de forma mais aprofundada a proposta, onde através da doutrina, projetos e resoluções de instituições especializadas o projeto poderia buscar um escopo.

Devido a isso, em 31/01/2007 a PL se deu por arquivada, porém foi desarquivada encontrando-se em situação apensada ao Projeto de Lei 8045/2010, que tramita com o objetivo de mudar o Código de Processo Penal, onde espera a Constituição de Comissão Temporária pela Mesa, estando o Brasil, por enquanto sem dispositivo de Lei que regule e positive a justiça restaurativa.

Desse modo, para a aplicabilidade da justiça restaurativa em âmbito jurídico criminal são seguidos os princípios desse novo modelo de justiça, e esta vai moldando-se conforme experiências aplicadas em outros países, seguindo o modo de aplicação do Decreto Lei 7.037/2009, juntamente com outros programas brasileiros, e também a Resolução 2002/12 do Conselho Econômico e Social da ONU (Organização das Nações Unidas), razão pela qual serão abordadas a seguir.

2.3 Propostas visando a adoção da justiça restaurativa no Brasil

Diante da inexistência de dispositivo legal que preveja uma metodologia às práticas restaurativas, sua operatividade vem se firmando através de programas brasileiros, e também seguindo os padrões da referida Resolução 2002/12 criada em 2002.

Sobre os programas que visam a aplicação da justiça restaurativa, Pallamolla (2009), afirma que no momento em que os programas ganham notoriedade,

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