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ORESTES E ELECTRA E A RAZÃO APÓS O PARADOXO.

No documento A Origem Dramática Da Lei (páginas 55-110)

TERCEIRO ATO

3. ORESTES E ELECTRA E A RAZÃO APÓS O PARADOXO.

Se todo o conjunto das obras dramáticas clássicas pode ser visto como um debate acerca da entrada em cena do Direito, a tragédia de Orestes e Electra, vingando a morte do pai, é, certamente, o argumento mais voltado ao tema. Em suas várias versões, sob a perspectiva dos diferentes autores - Ésquilo, Sófocles e Eurípedes -, faz-se a alusão ao final de uma era e às condições de amadurecimento da cidadania como  promessa de um futuro apaziguado.

Contudo, justamente por abordar mais diretamente a transição discursiva,  preparando o terreno para o acesso a uma nova tecnologia jurídica, a abordagem do material épico sedimentado exigia, nesse passo, uma caracterização nova, diferente do modelo heróico até então celebrizado, que permitisse a transposição do ideário.

O personagem central, a realizar uma antiperipléia46 , espécie de telemaquia47 

aos avessos, fúnebre, retificando a ordem após o clímax simbólico da vitória em Tróia,

46  O termo é um neologismo e foi tomado de empréstimo a Guimarães Rosa em Antiperipléia. (In:

Tutaméia  (Terceiras estórias). 6ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, pp. 18-21), onde o autor mineiro narra, de forma sincrética, uma tragédia clássica no sertão atemporal, a partir da figura cínica de

deveria, forçosamente ser um herói, talhado à luz dos ideais homéricos. Como fazê-lo tema de uma peça de transição entre diferentes modelos, dessublimando o herói, sem corrompê-lo?

Os elementos do mito dos Átridas eram favoráveis para desenlaces fortes, com alta coloração dramática: o assassinato do rei, a perfídia da rainha adúltera, a irmã igualada às escravas, a retomada do palácio, o assassínio da mãe... Não escapou, todavia, aos autores clássicos que tematizar um herói que mata a própria mãe sem que este expiasse a própria culpa seria um paradoxo. Mas, diferentemente das outras narrativas trágicas, essa não simbolizaria o fim da tirania e sim a perpetuidade da “maldição” caso não se valessem de um deus ex maquina  mais engenhoso. Era necessário assumir uma missão, fazer desta a última  das tragédias. A Oréstia  não  poderia terminar com o sangue da mãe, mas com a redenção e ascensão do filho.

Aristóteles anunciara a preocupação com a transmutação da epopéia em tragédia, considerando esta uma corruptela daquela. Contudo, já não lhe escapava a complexidade do novo modelo, superior, por sua vez, ao relato histórico:

(...) não constitui função do poeta descrever o que realmente aconteceu, mas que espécies de coisas podem acontecer, isto é, que coisas são suscetíveis de ocorrer  por serem, nas circunstanciais, prováveis ou necessárias. A diferença entre o

historiador e o poeta não reside no fato de um escrever em prosa e o outro em verso; a obra de Heródoto poderia ser versificada, e sua forma metrificada. A diferença é que um conta o que aconteceu, e o outro o que pode acontecer. Por esse motivo, a poesia é algo mais filosófico e mais digno de séria atenção do que a história, pois, ao passo que a poesia diz respeito a verdades universais, a história trata de fatos particulares.48

Para fazer o mito atender às expectativas de seu tempo, os autores trágicos se valeram de vários expedientes. Cada um, a sua maneira, focando sob um especial  prisma, conduziu a tragédia para diferentes leituras, mais tradicionais ou mais

democráticas, conforme seu ideário político-filosófico. Contudo, nos parece, e é o que  procuraremos demonstrar, a obra de Ésquilo se sobressai pela visão macropolítica e pela compreensão de que o espaço teatral cedia lugar à institucionalização jurídica. Nesse sentido, a obra de Sófocles poderia ser interpretada como um complemento estilizado no que se refere a uma depuração dos jogos dialógicos. De forma diversa, a obra de Eurípedes atenderia a uma lógica bastante distinta, voltada mais à exploração  psicológica da agonia humana que à representação simbólica dos ideais políticos.

Alguns elementos comuns, no entanto, podem ser apontados, em relação as diversas obras dos três autores sobre os Átridas: o caráter vacilante de Orestes e a necessidade de duplicá-lo em Electra, fazendo-a porta-voz de Homero (detalharemos adiante).

Electra é uma personagem não homérica, que invoca valores de antanho. Substitui Laódice, a outra irmã de Orestes, segundo os versos da Odisséia, quando o cego Tirésias narra a tragédia da casa de Agamêmnon. Seu nome significando “a luminosa” indica uma revolução referencial: a de que esta é também a história da luz, dos novos tempos que irão emergir da escuridão da era hoplita, tempos de paz. Será, também, a história do oikos  durante a guerra de Tróia, a versão doméstica, marcadamente feminina, do mito da vitória grega contra os bárbaros e, por extensão, contra a fúria da natureza inimiga. Electra indica, através de sua resistência, a resistência dos lares e a resistência popular à tirania.

O início dessa trajetória, todavia, se dá bem antes, lá, quando partiam as naus argivas, em busca de Helena, inventando as navegações, inventando o Ocidente.

3. 1. I figêni a em Áulis : o sacrifício da inocência

O mito de Jó, na medida em que sofre um desígnio paradoxal, é semelhante ao mito de Abraão. Abrão ( pai elevado), em cerca do ano 2000 a.C., de origem pagã, é guiado por Deus, saindo de sua terra natal e vindo a se estabelecer na Palestina. É onde recebe a promessa divina  –  simbolizada pela circuncisão - de que de seus descendentes virá um povo abençoado. Os anos passam e Sarai, sua mulher, não engravida. Abrão não desiste e, com cem anos de idade, acredita ainda na juventude que o corpo pode dar- lhe, assim como Sarai, que permanece fértil aos noventa anos, vindo a conceber finalmente, por presente de Deus, que lhes muda o nome para Abrãao ( pai de uma multidão) e Sara. Isaac, o filho anunciado, nasce. É quando Deus torna a aparecer a Abrãao e diz-lhe que vá a montanha de Morija e ofereça o filho em holocausto. Abrãao,  por absurda que lhe pareça a ordem, obedece e, no monte, levanta a faca para matar o menino. Eis que um anjo do senhor paralisa o golpe, estando provada a fé de Abrãao, substituindo-se a criança por um cordeiro (cfe. Gen 2:1-3, 17:1-17, 21:1-7 e 22:1-14).

Em ambos os casos, em Abrãao e em Jó, os desígnios divinos abeiram os humanos do terror. A fé tem de suster-se à borda dos abismos íntimos dos protagonistas. Como sugere Sören Kierkegaard:

(...) que inaudito paradoxo é a fé, paradoxo capaz de fazer de um crime um ato santo e agradável a Deus, paradoxo que devolve a Abrãao o seu filho, paradoxo que não pode reduzir-se a nenhum raciocínio, porque a fé começa precisamente onde acaba a razão.49

Ambos, Abrãao e Jó, foram instados a comprovar a fé para além da aceitabilidade ética. Ambos suportaram uma provação inaudita. Jó perdera todas as riquezas e a própria pele; Abrãao vira esmorecer um século de espera não só pelo filho como também pela nação prometida, devendo, além de tudo, atuar como carrasco dos  próprios sonhos.

Porém, assinaladas as semelhanças, examinemos as diferenças. E comecemos  pela diferença basilar. Abrãao é o primeiro dos patriarcas, de sua semente nascerão os demais. Ele está inaugurando o tempo do Povo de Deus na Terra e, por conseguinte, age única e exclusivamente sob o aval da esfera mítica, em verdadeira andromaquia. Enquanto Jó, situado cerca de 1500 anos depois, é o mais venerado dos patriarcas e já habita uma cultura com memória consignada em registros históricos. Sua existência já é datada e qualificada a partir do ineditismo que fôra a consagração de Abrãao, clímax da  semelhança iniciada com Adão. Abrãao inaugurara a Lei, a Jó competiu traduzi-la para os homens, por via da exegese personificada em sua catábase, demonstrando o re-ligare dos propósitos da administração humana com os desígnios divinos.

 No fundo, no rigor da lei do antigo Oriente próximo, Deus não fôra tão terrível contra Abrãao como o fôra contra Jó, pois a vida do primeiro filho, em diversas tradições religiosas, pertencia a Deus. Considere-se ainda que a vida humana para a concepção do patriarca era fruto da obra de Deus e, como conseqüência, toda vida Lhe  pertencia. Mas saliente-se aqui a nomeação preferencial dos patriarcas, daqueles que

serão os representantes do Povo Eleito, os escolhidos, os pilares do Novo Mundo. O direito de primogenitura –  tão disputado, por exemplo, por Jacó em relação a Esaú  – é um exemplo dessa personificação. O pai terreno só plasmava a Criação, imitação que era, em segundo grau, do Grande Pai Celestial. No caso de Abrãao a imagem vai ainda além, pois o fato de ele e Sara procriarem  –   mesmo levando em conta a vida média

multicentenária da época  –  é mesmo um milagre, o que só ressalta a exclusividade de Isaac como agnes Dei. Quando o Todo Poderoso exige de Abrãao o holocausto de seu filho, nada mais faz do que chamar a si o que é seu.

 No mito correlato de Ifigênia, o drama se repete com novas nuances. As naus gregas estão paralisadas no porto de Áulis, pois não há ventos. Agamêmnon, comandante dos heróis, ao matar uma corça e dizer-se melhor flecheiro que Ártemis, ofendera a deusa que, agora, exigia o sacrifício de sua filha mais velha. Apesar do desespero, Agamêmnon é instado por Menelau e por Ulisses a concordar com o sacrifício, e elaboram um estratagema para enganar sua esposa e fazê-la trazer a filha. Mandam-lhe um mensageiro avisando Clitemnestra para trazer imediatamente Ifigênia  para que esta desposasse Aquiles, o mais perfeito dos heróis. Ambas chegam a Áulis, desvendando que o casamento contratado é entre Ifigênia e a morte. Clitemnestra reage, convence Aquiles a ajudá-las e ambos preparam-se para sozinhos enfrentarem o exército grego comandado por Ulisses, enquanto Agamêmnon se afasta, deixando que, no seu íntimo, os deveres do estadista suplantem o amor de pai. Quem soluciona o conflito é a própria Ifigênia, ofertando-se para o holocausto, acasalando-se com o ideal heróico, conforme a memorável passagem em Eurípides:

Escuta agora, minha mãe, o pensamento que ora me ocorre ao refletir sobre estes fatos. Tomei nesse momento a decisão final

de me entregar à morte, mas o meu desejo é enfrentá-la gloriosa e nobremente,

A Grécia inteira, nossa generosa pátria, dirige neste instante os olhos para mim; depende só de mim a viagem da frota e a extinção de Tróia, e de mim depende eliminar de vez a possibilidade

de os bárbaros tentarem novas agressões contra as mulheres gregas e futuros raptos em nossa terra amada, depois de expiarem a vergonha de Helena levada por Paris. O fruto do meu sacrifício será este:  propiciando uma vitória à nossa pátria

conquistarei para mim mesma eterna fama. E mais ainda, não é justo que me apegue demasiadamente à vida, minha mãe; deste-me à luz um dia para toda a Grécia, e não somente para ti. Pensa comigo: muitos milhares de soldados protegidos  por seus escudos, outros, também numerosos,

empunhando seus remos, terão de arriscar-se a lutar e morrer pela terra natal

 porque ela foi insultada, e minha vida, a existência de uma única mulher,  poderá ser um óbice a tanto heroísmo?50

50 EURÍPEDES. Ifigênia em Áulis/As fenícias/As bacantes. Tradução de Mário da Gama Cury. Rio de

Ifigênia, cuja etimologia corresponderia a “nascida de uma raça forte, de uma família patriarcal” 51, compreende seu desígnio e o aceita. Reúne em si as simbologias

correspondentes a Abrãao e a Isaac. Seus motivos, como os de Aquiles, que lamenta a valiosa esposa que está a perder, são nobres, são heróicos. Se quanto a Agamêmnon não fica claro se age por vaidade ou pelo bem comum, Ifigênia, a primogênita, equilibra a  balança da fé, fazendo-se mártir pela causa grega, morrendo para evitar a morte dos

ideais.

Se para Abrãao estava em jogo a constituição de novo povo. Para Agamêmnon a necessidade de vitória sobre o inimigo, para Ifigênia o resgate poético da consagração de um povo é que o que se consuma. Ifigênia é a imagem do oikos, o direito natural,  próprio da esfera doméstica, a fazer com o sacrifício da virgem o batismo de fogo das

naus guerreiras. Ifigênia consagra definitivamente a luta da nacionalidade grega, questionável pelo mau exemplo de Helena, apresentada como antípoda, traidora do oikos.

Ainda que essa cena tipifique o modelo euripedeano, que explora às últimas conseqüências os conflitos íntimos e os atritos familiares, também demonstra a importância que de se reveste o oikos  nas simbologias dramáticas, realizando o que  Nicole Loraux classifica com uma inversão de valores. Esta autora, após citar historicamente um largo epitáfio para um homem e um curto epitáfio para uma mulher, comenta:

Este trecho de epitáphios  e este fragmento de epitáfio servem de introdução àquilo que na cidade grega –  no caso, Atenas  –   se diz da morte dos hímens e de uma morte de mulher. Os homens morreram na guerra, realizando rigorosamente o

é a história possível. Aos homens a cidade ofereceu oficialmente uma bela sepultura e um elogio em forma de oração fúnebre pronunciada pelo mais célebre dos homens de Estado; e, sob o impacto do verbo eloqüente de Péricles, o epitáfio gravado no monumento do Cerâmico empalidece diante da palavra de glória e sua  promessa de lembrança imutável e universal. Para Nicoptoleme, desconhecida cujo

nome guerreiro significa vitória em combate, basta um pouco de lembrança  privada: algumas linhas gravadas numa estela e a afirmação de que seu marido  jamais a esquecerá. Forte contraste, talvez muito perfeito para ser totalmente exato. Sem dúvida nem todos os homens de Atenas morrem em combate, mas não existe um cujo epitáfio não confie a lembrança eterna das qualidades do morto; nem todas as mulheres de Atenas extinguem-se em seu leito, mas é sempre ao marido (ou na  pior das hipóteses à família) que compete preservar a lembrança da morta.52

Desse modo, à mulher figuraria melhor as paixões, e a fé entre estas, por habitar impressões que não se publicizam. Já aos homens resta a edificação da moral pública.

Entrementes, na hora do sacrifício de Ifigênia, dá-se também, ainda que simbolicamente, o deus ex machina, a deusa Ártemis a substitui por uma corça e transmuda a heroína em sacerdotisa na cidade de Taúrida.

Contudo, se Ifigênia resgata a religiosidade e a arete grega, seu pai, o basileu, o grande general e patriarca grego distingue-se profundamente de Abrãao. Para Kierkegarrd:

A diferença que separa o herói trágico de Abrãao salta aos olhos. O primeiro contínua ainda na esfera moral. Para ele toda a expressão da moralidade tem o seu telos numa expressão superior da moral; limita essa relação entre pai e filho, ou filha e pai a um sentimento cuja dialética se refere à idéia de moralidade. Por conseguinte não se trata aqui de uma suspensão teleológica da moralidade em si  própria.53

52 LORAUX, Nicole.Maneiras trágicas de matar uma mulher: imaginário da Grécia antiga. Tradução

de Mário da Gama Cury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988, pp. 21-22.

Em distinção a Hegel, que considera a suspensão da moralidade como uma  forma ética do mal 54, Kierkgaard vê nesse liame a fonte da fé, que suplanta a razão

subordinadora. Sobre a qual assinalara:

Com efeito, é a fé esse paradoxo segundo o qual o Indivíduo está acima do geral, mas de tal maneira que, e isso importa, o movimento se repita e, por conseqüência, o Indivíduo, depois de ter permanecido no geral, se isole logo a seguir, como Indivíduo acima do geral. Se não é este o conteúdo da fé, Abrãao está perdido, nunca houve fé no mundo, porque ela jamais passou do geral.55

O objeto central da existência individual, o pai amar o filho, se não for encarado  pelo aspecto da suspensão da moralidade constituir-se-ia em brutalidade sem sentido.

Mas, por crer em Deus, que solicitara o holocausto, Abrãao crê na dignidade do ato, de outra maneira impossível. Coloca a vida do filho acalentado, e a própria vida, por conseguinte, nas mãos do Criador. O cordeiro que simbolicamente substitui Isaac só nos anuncia que a vida mesma não nos pertence, é parte dos desígnios insondáveis de Deus. E Abrãao, fiel ao Todo Poderoso repousa como o pai da fé.

Já Agamêmnon atuara em nome da moral geral que, dos deuses aos heróis, sabe que as naus não partirão sem o sacrifício à Ártemis. A decisão de Agamêmnon é a decisão de um general estrategista em exercício de guerra.

Para Agamêmnon, portanto, a vida não deixa de ser uma sucessão de lances trágicos. Sua existência é marcada pelo  guenos  dos Átridas, círculo de sangue sem escapatória e que é a marca mesmo de sua grandiosidade. Seu destino de herói está ligado à ruptura do metron, do rompimento com a devida medida das coisas e dos valores. E é por ser um desmesurado que Agamêmnon exerce o poder e faz cumprir a

Lei, sem, todavia, confundir-se com ela, e mesmo  –   em Eurípedes  –  se acovardando frente ao inelutável da exegese. Seu mundo íntimo é o caos onde habita a desarmonia dos deuses. Suas aventuras sempre transcendem, pois são uma paródia dos conflitos da alma. Pois são eles, os heróis, os filhos dos deuses, a maneira como eles, os deuses, se divertem. E Agamêmnon, o comandante dos heróis, é a diversão particular de Zeus, sua  paródia. Nesse sentido, suas atitudes são “divinizadas”, ou seja, atua na esfera da grandiosidade: a destruição de Tróia, o sacrifício da filha, a vingança dos Átridas, - do mesmo modo que um deus furioso o faria, apenas sem o apanágio da imortalidade. O herói sabe-se um predestinado, e caminha para a luta com a espada nas mãos e sangue nos olhos, num grande abraço com o trágico.

 No monoteísmo de Abrãao, a turbamulta dos deuses faz-se substituir por um infinito repleto de poder à beira do qual o homem queda estático. O grande ato heróico  possível é agora o prostrar-se de joelhos a orar, implorando pela salvação de sua alma.

O invisível se torna o supra-real.

O destino do temente a Deus é a estrada da bem-aventurança, na paz eterna, ao lado do Todo Poderoso. O homem é, então, um órfão no vazio, em sua tentativa de guiar-se pelo que não se desvela e por imitar o que não tem forma.

Quando, miticamente, chega-se ao tempo de Jó, e este exige justificativas de Deus, o que se passa é a atualização da suspensão da moralidade, só que agora de forma  passiva, introjetando o sacrifício enquanto amadurecimento exemplar. A catábase de Jó é a consagração da maturidade do homem. Já não se exige de Jó o ato cruel de sacrificar, este é que, sacrificado, sofre os desastres inauditos do holocausto. Sucessor mítico na ara sacrifical Jó tem de aceitar a faca no coração. E diferente de Ifigênia ele  jamais entenderá ao menos o porque.

Jó, o exegeta jurídico, é correlato de Orestes, o filho de Agamêmnon, a quem coube, à custa da própria sanidade, exterminar com a maldição nos Átridas, extinguindo com as disputas sangrentas entre famílias.

3.2. Oréstia : a última tragédia.

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A Oréstia  de Ésquilo é a única trilogia trágica clássica que nos chegou completa, da época em que as peças eram assim compostas, em três episódios. É também, por muitos, considerada o maior exemplo daquele teatro. Formada por três  peças, Agamêmnon, Coéforas e  Eumênides, constitui conjunto que mesmo hoje impressiona pela multiplicidade de enfoques e pela densidade psicológica, fazendo com que o espectador suspeite a trama através de referências indiretas e ambigüidades. Sobre a trilogia comenta o tradutor Mário da Gama Cury:

(...) a prestigiosa publicação inglesa The Economist , no número datado de 23 de dezembro de 1989 (página 14), ao fazer uma resenha dos fatos mais notáveis da história mundial desde a Antiguidade até os nossos dias, começa pelo chamado “Século de Péricles” (século V a.C.), mencionando como evento marcante na evolução da humanidade a primeira representação em Atenas (em 458 a.C.) da

Oréstia de Ésquilo.56

Em especial Agamêmnon, em geral alardeada como a mais brilhante das três  peças, “a obra prima das obras primas” na opinião de Goethe, que inaugura um suspense  paulatino, ao tempo em que o concerto das vozes aponta para um verdadeiro

As duas primeiras peças correspondem ao argumento da tragédia clássica, com a catarse dos ideais de honra e a reestruturação da ordem e a queda do tirano. A terceira

No documento A Origem Dramática Da Lei (páginas 55-110)

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