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O ORFANATO CRISTÓVÃO COLOMBO E A SUA RELAÇÃO COM A CIDADE DE SÃO PAULO

Terras no Brasil para os italianos

2.3 O ORFANATO CRISTÓVÃO COLOMBO E A SUA RELAÇÃO COM A CIDADE DE SÃO PAULO

Na relação do Orfanato Cristóvão Colombo com a cidade de São Paulo, a primeira questão a ser abordada diz respeito à localização dos seus edifícios, nos bairros do Ipiranga e da Vila Prudente.

No ano em que o Orfanato Cristóvão Colombo se instalou no bairro do Ipiranga, o mesmo já estava constituído; era um bairro importante para a capital e para a história do país, mas pouco habitado, sem grande desenvolvimento comercial. O Orfanato foi uma das primeiras grandes edificações de assistência social.

O transporte era um problema a ser vencido. Os bondes foram implantados no bairro do Ipiranga, apenas em 1890, mas não atendiam o OCC, o que levou à realização de um abaixo- assinado, em 1898, solicitando ao Intendente de Polícia e Higiene e aos Presidentes da Companhia Viação Paulista para que fosse feito o prolongamento da linha, prosseguindo então até o OCC, conforme mencionado a seguir:

Ilmo Sr. Dr, Intendente de Polícia e Higiene

Ilmos. Srs. Presidentes e Diretores da Cia Viação Paulista

Os abaixo assinados, considerando os inestimáveis serviços que à causa da infância desamparada estão sendo prestados pelo Orfanato Cristóvão Colombo do Ipiranga, dando abrigo e ensino elementar e profissional a mais de 170 crianças, considerando que, com uma despesa relativamente pequena, uma vez que a Companhia Viação Paulista não se negue a cooperar para esse empreendimento, poderá ser prolongada a linha até o orfanato (CONSONI, 1898).

Somente em 1902, houve a inauguração da “Linha Ipiranga” que teve seu ponto final estabelecido em frente ao Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, próximo ao Orfanato Cristóvão Colombo.

Conforme o Código de Obras Arthur Saboya (Lei nº 3.427 de 19 de novembro de 1929), para construções e arruamentos, a cidade de São Paulo foi dividida em quatro zonas: a primeira, zona central; a segunda, urbana; a terceira, suburbana; e a quarta, rural. O Orfanato Cristóvão Colombo estava situado na terceira zona, a suburbana, o que demonstrava que, no limiar da terceira década do século XX, o Ipiranga ainda era considerado um bairro de difícil acesso, sendo procedente e imperioso o pedido de transporte realizado em 1898 para amenizar a dificuldade de acesso ao OCC.

A instalação de escolas, asilos e orfanatos contribuiu para povoar o bairro, intenção que o Conde Vicente de Azevedo tinha ao adquirir as terras devolutas. Isso acabou por atrair para o bairro também a implantação da primeira indústria de porte médio: a Cia. Fabril de Tecelagem e Estamparia Ipiranga, num terreno de 6.000 m2.

Por outro lado, o bairro da Vila Prudente estava iniciando seu povoamento. Sua fundação data de 07 de outubro de 1890 (ZADRA, 2010), com a implantação da fábrica de chocolates dos irmãos Falchi80. Os operários da fábrica na sua maioria eram imigrantes italianos que moravam nos bairros do Ipiranga, Brás e Mooca. Por meio de mutirões promovidos pelos irmãos Falchi, as casas para moradia eram construídas no entorno da fábrica, o que por sua vez, acelerou o processo de povoamento da Vila Prudente.

No início do século XX, sobretudo após a implantação da energia elétrica em 1910, outras empresas se estabeleceram no bairro, tais como: a Cerâmica Vila Prudente, a Indústria de Louças Zappi, a Manufatura de Chapéus Oriente e a Fábrica Paulista de Papel e Papelão.

O Padre Marchetti, ao ser agraciado com a doação do terreno na Vila Prudente, não poderia imaginar que, num espaço de tempo tão curto, o bairro se industrializaria e uma numerosa comunidade local seria formada. O edifício do OCC era um dos pontos de referência do bairro pela sua importância na assistência social e educacional, pois no bairro ainda não possuía escolas suficientes para atender às necessidades educacionais. Em 1904, as irmãs Scalabrinianas colocaram à disposição da comunidade salas para a educação de meninas que não precisavam necessariamente permanecer internas.

Os efeitos da I Guerra Mundial para o comércio e a indústria na cidade de São Paulo são elementos que já foram amplamente estudados pela historiografia, no entanto, nos interessa demonstrar as principais dificuldades enfrentadas pelo OCC nesse período.

Para melhor compreensão dos fatos, relembramos, mesmo que sumariamente, que para a balança comercial brasileira não houve um grande déficit nos primeiros anos do combate. Enquanto os Estados Unidos não haviam aderido à Guerra, as exportações ultramarinas pouco sofreram, porque eles eram os maiores consumidores do Brasil, mantendo a relação comercial estável e comprando a maior parte das importações. Eles “forneciam muitos artigos manufaturados anteriormente fornecidos pela Europa” (DEAN, 1971, p.98).

Após a adesão dos Estados Unidos à I Guerra Mundial, o Brasil foi paulatinamente sentindo diminuírem suas possibilidades comerciais. A partir de então, foi sendo constatada a redução da importação de bens de capital, de matérias-primas e de alguns gêneros alimentícios. As empresas nacionais, por sua vez, não estavam aparelhadas adequadamente para satisfazer à demanda do mercado interno e as que possuíam um parque industrial ativo resolveram exportar suas mercadorias.

No OCC, o que acarretou foi uma desaceleração nas vendas dos produtos manufaturados pelos internos nas oficinas da seção masculina, tais como, sapatos, produtos das marcenarias, ferrarias e outros. Os dois principais compradores dos produtos produzidos nas oficinas do orfanato eram os comerciantes da cidade de São Paulo e os colonos italianos. Com a crise econômica gerada pela guerra, eles vão lentamente diminuindo a obtenção das mercadorias, conforme relatou o Pe. Consoni: “com a guerra diminuiu substancialmente os pedidos das oficinas, o que de fato acarreta [acarretou] na subtração de nossos rendimentos financeiros” (CONSONI, 1916 apud FRANCESCONI, 2008, p. 80).

Com a queda nas vendas de suas mercadorias, foi necessário recorrer com maior diligência às doações da elite paulista católica e aos benfeitores da instituição, para segurar a manutenção financeira do OCC e para que os alunos não sofressem perdas materiais.

Nos dois últimos trimestres de 1918, a epidemia avassaladora de “gripe espanhola” atingiu o Estado de São Paulo. Uma das primeiras constatações foi com a chegada do navio Demerara, que já havia aportado anteriormente nas cidades do Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Lisboa. Alguns passageiros, sobretudo os provenientes da 3ª classe, apresentavam os sintomas da influenza, acarretando no mínimo cinco casos de óbito, embora os jornais da época tenham divulgado que o número de óbitos era muito superior, sendo mais do que o dobro do declarado pelo Diretor Geral da Saúde Pública, Dr. Carlos Seidl. Metade dos passageiros da embarcação tinha como destino a capital do país, antes que homens e cargas fossem desembarcados, o Dr. Seidl ordenou que o navio fosse desinfetado, mas, mesmo assim os casos da doença se alastraram entre os passageiros desembarcados na cidade do Rio de Janeiro.

Em São Paulo, as notícias publicadas no jornal O Estado de São Paulo, em 23 de setembro de 1918, relatavam casos de óbitos de pais de jovens portugueses passageiros do navio

Highland Glen. O destino dos sobreviventes era a cidade de São Paulo. A recomendação era

para que o Serviço Sanitário do Estado de São Paulo ficasse alerta. Os habitantes paulistanos, no entanto, atentavam-se mais para os relatos de doentes na Bahia, em Pernambuco e depois no Rio de Janeiro, devido à passagem de um navio que anteriormente havia estado em Dakar. Com

o intuito de controlar a epidemia, algumas providências foram tomadas, dentre elas a obrigatoriedade de os passageiros que desembargassem declarar onde iriam residir.

No começo de outubro de 1918, o número de enfermos e os óbitos cresceram vertiginosamente, a princípio, sobretudo nas cidades portuárias (Salvador, Recife e Rio de Janeiro), mas a epidemia se alastrou rapidamente por todo o país. Assim, com o fim da I Guerra Mundial, além de ter que se preocupar com as suas consequências devastadoras acarretadas, também era preciso reunir forças para combater outra inimiga, a gripe espanhola.

Liane Maria Bertucci (2002) afirmou que o primeiro caso de gripe espanhola oficialmente registrado na cidade de São Paulo foi em 13 de outubro de 1918, quando um estudante proveniente da cidade do Rio de Janeiro deu entrada no Hospital de Isolamento. No dia 15 do mesmo mês, o Serviço Sanitário de São Paulo informou à população a existência da epidemia na cidade de São Paulo.

Os números de pessoas infectadas aumentavam diariamente. No dia 16 de outubro foram contabilizados 29 doentes e no dia 18 do mesmo mês o número já havia pulado para mais de 100, ou melhor, para 179 casos. A razão para o ocorrido foi a constatação de que os habitantes de São Paulo não estavam seguindo o protocolo estabelecido pelo Serviço Sanitário, principalmente no que concerne às visitas aos doentes realizadas por seus familiares, até mesmo porque os médicos não sabiam como impedir que os pacientes recebessem visitas de seus entes queridos (BERTUCCI, 2002).

Para conseguir impedir que a gripe espanhola se alastrasse como rastilho de pólvora, a vida social da cidade foi alterada. Os clubes, teatros, cinematógrafos, jardins públicos, concertos de bandas, jogos e grupos escolares (que muitos posteriormente foram transformados em postos médicos) foram temporariamente fechados. O Liceu Salesiano e o Liceu de Artes e Ofícios interromperam as aulas; os escoteiros suspenderam seus exercícios; e as visitas ao Butantã e ao Museu do Ipiranga foram proibidas. “O cidadão paulistano, pouco a pouco, era reduzido a um indivíduo isolado e a mercê dos ditamos da medicina” (BERTOLLI FILHO, 2002, p. 108).

Também as visitas aos internatos e orfanatos foram suspensas, o que levou muitos familiares a entrarem em pânico e resolveram ir buscar as crianças no Orfanato Cristóvão Colombo. Esse procedimento foi aconselhado inclusive pela Diretoria de Higiene e Instrução Pública devido ao perigo de alto contagio da epidemia e foi confirmado através dos registros

nos livros de matrículas dos meninos e das meninas, totalizando 12 meninos e 22 meninas resgatados pelos familiares.

Outra importante resolução decretada pelo Prefeito Washington Luís foi a proibição de acompanhar os enterros a pé e, para tanto, ele se apoiou na Lei Municipal nº402 de 12 de junho de 189981. Outra proibição foi em relação às visitas aos cemitérios tanto municipais quanto particulares. Cabe lembrar que essa epidemia ocorrera em outubro, próximo ao Dia dos Finados que, de acordo com os costumes católicos, os túmulos deveriam ser visitados. Decididamente essa prática esteve fora do calendário em 1918.

O crescente número de enterros foi outro problema que o governo precisou solucionar. Foram providenciadas máquinas para abrir as covas e foi preciso manter um foco de luz nos sepultamentos que aconteciam à noite nos cemitérios do Araçá, Brás, Consolação e Penha. O Liceu de Artes e Ofícios foi encarregado de confeccionar esquifes para ajudar a atender à demanda que aumentava consideravelmente. Uma parte desses caixões foi destinada à Hospedaria dos Imigrantes, que havia sido transformada em enfermaria para atender à população carente, e que registrava grande número de óbitos. A morosidade do serviço funerário ocasionou um acúmulo de corpos que precisavam ser enterrados.

O arcebispo de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo e Silva, seguiu a determinação do diretor do Serviço Sanitário, Artur Neiva, no que diz respeito às liturgias, em especial às celebrações das missas e orações diurnas, então reduzidas ao mínimo possível; as rezas coletivas à noite e as novenas tornaram-se proibidas. Os cultos de outras doutrinas também deveriam obedecer à nova norma vigente (SOUZA, 2007).

Grandes valores monetários foram doados para a Igreja com a finalidade de ajudar à população carente. Dom Duarte recebeu do Governo do Estado de São Paulo cerca de 253:500$000 e também outras doações provenientes da Liga Nacionalista82, da Associação Comercial e da Comissão Estado-Fanfulla que somados chegaram ao montante de aproximadamente 342:359$660, valor que representava quase dois terços da verba que a

81 Artigo 1º - Fica absolutamente prohibida a conducção de cadáveres à mão, por crianças, para o cemitério; Art.2º

- Os infratores ficam sujeitos a multa de 50$000; Art. 3º - Revogadas as disposições em contrario [sic] (Lei Municipal nº 402 de 12 de junho de 1899).

82 A Liga Nacionalista foi formada em março de 1917, sendo constituída por professores e estudantes da

Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Escola Politécnica e da Faculdade de Medicina. Tinha como ideal o nacionalismo, a luta pelo voto secreto e pela educação popular. Foi extinta em 1924 e seus membros fundaram o Partido Democrático (BANDECCHI, 1980).

Prefeitura utilizou para amparar os necessitados da gripe espanhola (SOUZA, 2007). A ajuda à Igreja foi ampliada para que seus prédios fossem transformados em enfermarias.

Outra maneira de assistência à população mais carente foi a distribuição gratuita de gêneros alimentícios e remédios, a carne teve seu valor reduzido pela metade. Além dessas ações, o arcebispo Dom Duarte solicitou aos padres que as igrejas e seus respectivos confessionários fossem constantemente desinfetados; a água benta passou a ser trocada diariamente.

Em relação às aulas, o diretor geral da Instrução Oscar Thompson foi incisivo ao determinar que era preciso suspender o ensino, tanto nas escolas públicas, quanto nas particulares. Outra medida relacionada com a questão da instrução foi a elaboração de uma cartilha escrita em português e italiano pelo Serviço Sanitário, que foi entregue de porta em porta, principalmente nos bairros do Brás, Belenzinho, Bexiga, Bom Retiro, Lapa, Mooca, Pari, Penha, Pinheiros, Quarta Parada e Santana. Para compor o exército de voluntários dispostos a colaborar, foi fundamental a ajuda dos sacerdotes.

Os bairros operários foram os mais atingidos, principalmente porque era visível a falta de socorro para essa parcela da população composta por trabalhadores. Cada vez mais se tornava difícil ocultar o número de óbitos e de doentes, pois, mesmo estando enfermos, os operários se viam obrigados a continuar sua jornada de trabalho em busca de sustento para si e seus familiares. “A epidemia não tinha nada de ‘democrática’, apesar dos enfermos se espalharem por toda a cidade” (BERTUCCI, 2002, p. 128).

Diante da calamidade instaurada na cidade, as colônias estrangeiras em São Paulo, fossem portuguesas, italianas ou espanholas, ajudavam-se mutuamente conforme suas possibilidades e se mobilizavam para atender a seus compatriotas, instalando mais postos de saúde e até mesmo mais hospitais.

No dia 30 de outubro de 1918, a cidade de São Paulo contabilizava um total de 4.887 doentes acometidos pela gripe espanhola. A solução encontrada para tentar erradicar a epidemia foi internar os doentes nos hospitais e deixá-los incomunicáveis. A população, contrária a essa medida, entrou em pânico, pois reinava o medo de que nesses hospitais provisórios os doentes fossem segregados, elevando o número de mortes que nem mesmo seriam notificadas. Uma das medidas para superar os temores foi afixar nos muros de cada bairro os locais onde tinham sido instalados os hospitais ou postos mais próximos, além de ter sido criada uma comissão para visitar os hospitalizados a fim de divulgar posteriormente um relatório.

No dia 1º de novembro de 1918, foi anunciada a abertura de seis novos hospitais, entre eles: o Hospital da Colônia Italiana, o da Caridade do Brás, o do Mosteiro de São Bento, o das Irmãs do Coração de Jesus (para as mulheres e crianças), o da Liga Nacionalista (também para as mulheres e crianças) e o do Colégio Diocesano. No dia 3 de novembro, a epidemia atingiu seu ápice, contabilizando 7.786 casos de contaminação que levaram a 172 vítimas fatais no dia seguinte. Num período de 66 dias, compreendido entre o dia 15 de outubro e o dia 19 de dezembro de 1918, a gripe espanhola ceifou 1% da população da cidade de São Paulo, ou seja, em torno de 5.200 vítimas (BERTOLLI FILHO, 2003).

Tão elevado número de mortandade acarretou em grande número de “órfãos da epidemia”, que acabaram ficando sob os cuidados das instituições ligadas à Igreja católica, dentre elas o Orfanato Cristóvão Colombo, sob a direção do Pe. Consoni (FRANCESCONI, 2008). No prazo de três dias, o arcebispo de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo e Silva, encaminhou para o orfanato 101 crianças que ficaram órfãs da noite para o dia, com a morte de seus pais vitimados pela gripe espanhola.

Além das crianças encaminhadas pelo arcebispo para o OCC, em 1918, houve um grande número de entradas: na seção masculina, foram 248, e na feminina (na Vila Prudente), foram 164. Em 1919, o acolhimento foi também expressivo, sendo admitidos 315 meninos e 163 meninas. Portanto, nesse período em que a cidade de São Paulo foi assolada por essa epidemia, o OCC pôde prestar assistência às crianças vítimas por essa tragédia endêmica.

Em virtude da necessidade de acolher os “órfãos da epidemia”, o Pe. Consoni viu-se obrigado a solicitar uma ajuda financeira ao Estado. Para tanto, em setembro de 1919, ele encaminhou um ofício ao Congresso do Estado de São Paulo expondo a situação do OCC:

[...] Entre os 320 abrigados, mais de 150 órfãos vivem atualmente nas duas seções do orfanato por conta do Exmo. Governo do Estado. Os auxílios concedidos e recebidos nesta ocasião serviram apenas para as primeiras despesas de vestuário, cama, etc. Não estando preparado o edifício da seção masculina do Ipiranga para dar abrigo a 210 meninos (sua capacidade máxima é de 140 alunos), o subscrito providenciou para que em breve possa funcionar em Vila Prudente uma nova seção, instalada num edifício alugado, que deverá acolher o excedente dos órfãos, menores de 8 anos, que estão no retiro do Ipiranga (CONSONI, 1919 apud AZZI, 1988, p. 151).

O Pe. Consoni solicitou ao Congresso um aumento no valor da subvenção repassada pelo governo brasileiro ao orfanato, pois, conforme mencionou em seu ofício, o número de crianças acolhidas pela instituição sofreu substancial aumento devido à gripe espanhola. Portanto, podemos fazer a ilação que, mesmo não acomodando adequadamente as crianças no

OCC, seu diretor, o Pe. Consoni, não negou o auxílio ao Estado e nem mesmo às crianças necessitadas.

Seis anos após a epidemia da gripe espanhola, outro importante acontecimento histórico foi vivenciado na cidade de São Paulo: a Revolução de 1924. O OCC e seus respectivos órfãos foram expectadores desse fato histórico.

Para entendermos as dimensões que envolveram a população paulistana, faz-se mister expor, mesmo que de maneira concisa, os elementos que levaram ao desencadeamento da Revolução de 1924. O país ainda estava sob a influência negativa da crise econômica deflagrada pela I Guerra Mundial, especificamente com relação às exportações, além da crise política oriunda da insatisfação de alguns grupos políticos que discordavam do poder concentrado entre os representantes de São Paulo e Minas Gerais.

Os “revolucionários” de 1924 pertenciam aos setores intermediários das Forças Armadas, constituídos principalmente por jovens oficiais os “tenentes”. Preocupados com a integridade do poder político, manifestaram sua posição crítica perante o poder estabelecido de diferentes maneiras (CORRÊA, 1976). Seus objetivos foram enunciados e tinham como principal escopo o restabelecimento do respeito pela Constituição.

A Revolução de 1924 foi um movimento violento que abalou tanto o poder estabelecido na cidade paulistana quanto seus próprios moradores, os quais sofreram com o embate entre os revolucionários e os militares. Anna Maria Martinez Corrêa afirmou que, mesmo sendo um ato iniciado por militares revolucionários, envolveu os civis, obrigando-os a “uma definição diante do problema exigindo a sua participação e fazendo no meio deles, muitas vítimas” (CORRÊA, 1976, p. 4).

A cidade de São Paulo foi escolhida para iniciar a revolução e ao cair nas mãos dos revolucionários, enormes recursos bélicos, econômicos e políticos lhes foram disponibilizados. Os alvos dos revolucionários foram os principais prédios públicos, dentre eles: o Palácio dos Campos Elíseos, a Secretaria da Justiça e o Palácio do Governo. Ao receber a notícia do movimento em São Paulo, o Ministro da Guerra determinou que as tropas do governo fossem enviadas para São Paulo, e assim, os legalistas conseguiram ocupar as posições mais sólidas.

A cidade ficou sitiada. Não foi possível para as tropas mineiras aderirem ao movimento. O elemento surpresa, que era vital para que a operação dos revolucionários fosse bem-sucedida, não era mais viável. O que deveria ser rapidamente dominado eram as comunicações, tanto telefônica quanto por meio do telégrafo, pois assim os legalistas não teriam

a oportunidade de estabelecer os contatos necessários para dar as ordens. No entanto, essa interferência não obteve êxito, pois as comunicações entre os legalistas fluíram sem grandes perturbações. A cidade passou a ser bombardeada pelas forças governistas. O general Sócrates justificou a violência empregada como sendo estritamente necessária para combater o inimigo: “[...] possuindo a artilharia de três tipos: montanha, campanha e obuzeiros 105, era indispensável pudesse minha divisão opor-lhe recursos de maior eficiência e assim, além desses tipos de calibre, solicitei o concurso do 155” (CORRÊA, 1976, p. 119).

A cidade foi bombardeada indiscriminadamente. Edifícios foram metralhados e muitos cidadãos, em especial aqueles pertencentes às camadas mais fragilizadas economicamente,