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Capítulo 2 As Escolas Profissionais e os Cursos Profissionais

2 A Organização das Escolas Profissionais

É na conceção e realização dos projetos educativos que as Escolas Profissionais apresentam aspetos particularmente inovadores em relação ao sistema regular de ensino. Apesar da existência de normas condicionantes lançadas pela administração central quanto à configuração dos currículos e sua gestão, têm as escolas um papel de decisão de certa importância no domínio das escolhas temáticas, nas formas de inserção dos alunos no mundo do trabalho e na organização dos percursos formativos. Tais procedimentos encontram a sua coerência no facto de a maioria destas escolas serem privadas e, assim, poderem gerir-se mais facilmente (apesar das condicionantes impostas pelo Estado) pelas lógicas dos promotores, que serão as lógicas do mercado de trabalho, mas também do desenvolvimento regional e abertura às culturas locais.

É pertinente estabelecer uma diferenciação, no que concerne à questão da autonomia em projeto educativo, entre o que ocorre nas Escolas Profissionais e nas escolas secundárias do ensino regular. A Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86) consagra o princípio de autonomia das escolas quanto à construção dos seus projetos educativos no seu artigo 2º do seguinte modo: "Entende-se por autonomia da escola a capacidade de elaboração e realização de um projeto educativo em benefício dos alunos e com a participação de todos os intervenientes no processo educativo". Apesar dessa consagração, verifica-se que, no sistema regular de ensino, de 1989 para cá, tal princípio teve escassa materialização. Com efeito, a "formulação de prioridades de desenvolvimento pedagógico, em planos anuais de atividades educativas e na elaboração de regulamentos internos para os principais setores e serviços escolares" (art.2º) que é efetuada anualmente pelas escolas sofre muitas vezes, no essencial, de atrofias decorrentes de normas dimanadas da administração central: a título de exemplo, a participação dos alunos em atividades pedagógicas levadas a cabo na região tem que ser precedida, em cada caso, por um pedido de autorização às Direções Regionais de Educação, a quem cabe também a competência de "fixar a distribuição dos

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créditos horários para o funcionamento de atividades de ocupação de tempos livres" (despacho nº 8-F/SESE/91, de 9/12). A reforma do sistema educativo não conseguiu ainda alterar significativamente nem as formas mais tradicionais e conservadoras de gestão curricular, nem os entraves às iniciativas de escola, nomeadamente no que se refere à gestão por projeto, que permitiria a afirmação do caráter próprio de cada escola, a maior participação da comunidade educativa e a rentabilização da formação contínua dos professores.

As Escolas Profissionais surgem num contexto mais favorável à construção de projetos educativos em novos moldes. Dotadas de uma autonomia maior do que as outras escolas e com uma ligação mais profunda ao meio socioeconómico, sobrevivem num terreno concorrencial com o ensino regular e com o subsistema de formação da "Lei da Aprendizagem" que as obriga a promover a qualidade como fator de competitividade. O seu crescimento depende da capacidade de conquista de público discente e de credibilidade junto dos agentes económicos, ao contrário do que acontece com as escolas do sistema regular.

É nesse contexto que se compreende a sua aposta em projetos educativos que incorporem a definição da sua identidade (dimensão simbólica do projeto) e as linhas mestras da sua ação (a racionalidade técnica). Ambos os aspetos denotam a sua vinculação ao paradigma tecnológico para o ensino, que vem assumindo importância crescente no campo educativo, e que tem como referencial ideológico "a modernização", conceito ambíguo, como referimos já, na medida em que não questiona os dispositivos sociais de exercício do emprego. Assim, um dos aspetos mais importantes para o sucesso das Escolas Profissionais é a sua capacidade de desenvolver competências pessoais nos jovens para que estes, logo nos seus estágios profissionais, se mostrem capazes de aprender, de se inserirem em equipas autorreguladas, de tomarem iniciativas e de resolverem problemas inerentes ao desempenho no posto de trabalho. Aqui cabe relembrar que os "clientes" da escola profissional são não só os jovens oriundos dos grupos sociais mais desfavorecidos, para quem este modelo de ensino representa a possibilidade de mobilidade social ascendente e a expetativa de fazerem parte de um núcleo estável de trabalhadores de quem se espera uma polivalência e flexibilidade de funções, mas também o próprio mercado de trabalho –

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que tunda as escolas – com todas as suas contingências de precaridade de emprego, desvalorização de diplomas e procedimentos contraditórios com um discurso que valoriza o "capital humano" como fonte de rendimento e de mudança social.

Apesar de as idades médias de ingresso terem baixado, a sua comparação com as dos alunos que frequentam os 10º e 11º anos do sistema regular de ensino permite verificar uma relativa diferença etária factual. Esta diferenciação etária entre os dois sistemas decorre do facto de o percurso escolar de uma parte significativa dos alunos das Escolas Profissionais ser marcado por uma taxa elevada de insucesso/repetência no ensino básico. Por tal facto se poderá pôr a hipótese de este modelo de ensino ser uma opção de discurso, prioritariamente procurado por jovens com dificuldades de enquadramento no sistema regular de ensino e/ou menos motivados para uma formação teórica mais abrangente e tendente ao prosseguimento de estudos no ensino superior.

As finalidades das Escolas Profissionais são enunciadas no Decreto-Lei nº 26/89:

“a) Contribuir para a realização pessoal dos jovens, proporcionando, designadamente, a preparação adequada para a vida ativa; b) Fortalecer, em modalidades alternativas às do sistema formal de ensino, os mecanismos de aproximação entre a escola e o mundo do trabalho; c) Facultar aos jovens contactos com o mundo do trabalho e experiência profissional; d) Prestar serviços diretos à comunidade, numa base de valorização recíproca; e) Dotar o país dos recursos humanos de que necessita, numa perspetiva de desenvolvimento nacional, regional e local; f) Preparar os jovens com vista à sua integração na vida ativa ou ao prosseguimento de estudos numa modalidade de qualificação profissional; g) Proporcionar o desenvolvimento integral dos jovens, favorecendo a informação e orientação profissional".

Beatriz Canário (1992) enumera, genericamente, as seguintes estratégias, seguidas por um conjunto de escolas que constituíram objeto da sua investigação e de onde se destacam a "motivação dos alunos através da introdução precoce no currículo de atividades em contexto de trabalho” ou o “trabalho conjunto dos professores da área

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sociocultural e cientifica no sentido de ligarem as aprendizagens teóricas às práticas, sendo de referir neste âmbito o trabalho pioneiro desenvolvido pelos professores da Área de Integração” Ainda como estratégias seguidas pelas escolas referidas também indica a “adoção de uma estrutura modular na organização das aprendizagens, mais adequada aos diferentes ritmos de aprendizagem dos alunos e desenvolvimento de materiais didáticos de suporte” e a “implementação de um sistema de avaliação formativo adaptado a este funcionamento e que permite reforços de aprendizagem e reavaliações frequentes”, com “adoção de métodos ativos de ensino/aprendizagem, que fazem apelo à capacidade de iniciativa e de criatividade dos alunos”. Estas estratégias emergem das lógicas de projeto que a maior parte das Escolas Profissionais tem conseguido dinamizar, apesar das dificuldades que enfrentam, nomeadamente na questão financeira e na disponibilização de tempo para atividades não letivas do corpo docente.

Sintetizando, como pontos fortes das Escolas Profissionais, destacam-se: rendimento escolar (percentualmente, revela-se superior às escolas secundárias e consideravelmente superior ao ensino regular); pequena dimensão das Escolas Profissionais e sua abertura ao exterior; maior proximidade entre professores e alunos; maior contato dos alunos com o mundo do trabalho; regime de certificação (confere dupla certificação, equivalência ao 12º ano – prosseguimento de estudos – e certificação profissional de nível IV da União Europeia) (CEDEFOP, 2000). Como fatores que contribuíram para os pontos fortes indicados salientam-se: apoio na progressão escolar dos alunos; modelo pedagógico; regime de administração e gestão mais autónomo nas Escolas Profissionais; forte ligação à comunidade e às empresas (Madeira, 2006). Por último, não pode desconsiderar-se o “efeito escola”, que engloba a liderança escolar, as diversas lideranças intermédias e as suas formas concertadas de atuação (Azevedo, 2003).

Como constrangimentos do sucesso escolar no ensino profissional identificam- se: a organização de turmas heterogéneas a nível de conhecimentos académicos e técnicos (alunos com percursos marcados pelo insucesso, provenientes de meios socioeconómicos, por vezes, desfavorecidos e sem qualquer apoio familiar à escolarização), número de alunos por turma elevado, organização da escola secundária

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não compatível com a flexibilidade da estrutura modular ou a avaliação essencialmente sumativa. Pode, ainda, salientar-se que as escolas secundárias tiveram alguma dificuldade em adaptar-se a um modelo completamente diferente do seu, o modelo das Escolas Profissionais (Azevedo, 2003).