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Capítulo 2 As Escolas Profissionais e os Cursos Profissionais

3 Os Cursos Profissionais

O despacho nº 194/A/83, de 21 de outubro, cria cursos técnico-profissionais e cursos profissionais, cujo objetivo será conferir qualificações profissionais de nível intermédio. Os primeiros têm a duração de três anos, prevendo-se a possibilidade de saída profissional ao fim de dois anos em alguns casos; os segundos, com a duração de um ano, visam sobretudo formar operários, conferem diplomas de qualificação para os diversos setores de atividade e correspondem a postos de trabalho de execução de tarefas. Todos os cursos têm uma menor carga curricular de formação geral em relação aos cursos da "via nobre" (15 a 17% do total de horas letivas/semana contra cerca de 67%). A ambição desta criação é contribuir para uma "mutação estrutural do sistema de ensino, não só ao nível do secundário mas também a montante e a jusante deste", isto é, em coerência com medidas futuras de reformulação das componentes tecnológicas do unificado, de criação de um serviço de orientação vocacional, de desenvolvimento do ensino superior politécnico e de articulação com projetos de formação profissional da iniciativa de outras instituições do Estado. As Comissões de Coordenação regionais passariam a ser a instância privilegiada de ligação entre o Ministério da Educação e as escolas. Neste período, tal interação era feita através das Comissões Regionais de Educação. No entanto, nada foi feito no sentido de mobilizar os professores para a aproximação escola-empresa ou para a promoção dos cursos profissionais. Tudo leva a crer que os docentes continuavam a ter e a reproduzir as representações de desvalorização social e cultural inerentes a este tipo de ensino. As dificuldades em equipar as escolas com o hardware necessário ao desenvolvimento dos cursos determinou também negativamente o seu sucesso, a par com situações de assimetria da rede e fraca formação de professores. Os cursos profissionais irão ter uma baixíssima procura e os técnico-profissionais, predominantemente dirigidos a jovens oriundos da

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"pequena burguesia assalariada de algum rendimento material e simbólico" (Grácio, 1986) continuam a conquistar um número muito menor de efetivos do que a via licealizante. O Relatório Final de Avaliação da Experiência Pedagógica do Ensino Técnico- Profissional refere, com base numa amostra de 78 escolas (81% do universo) em 84/85 e de 98 escolas (75% do universo) em 86/87, que "não se verificou uma pressão desmesurada" e que ao "explodir da oferta não correspondeu acréscimo de procura" (Azevedo, 1988).

Tabela 2 – Número médio de candidatos e de inscritos nos cursos profissionais e técnicoprofissionais em 1984/85 e 1985/86, nas escolas da amostra

ANOS Nº MÉDIO DE CANDIDATOS Nº MÉDIO DE INSCRITOS

C. Profissionais C. Téc- Profissionais Total C. Profissionais C. Téc- Profissionais Total

1984/85 15,6 24,1 21,2 12,8 13,9 13,6

1985/86 14,9 23,1 20,5 13,7 18,4 16,9

Fonte: Azevedo, 1988

O estudo de dados relativos à origem social e à "história" escolar dos alunos inscritos nos cursos técnico-profissionais leva a concluir que estes são maioritariamente oriundos de grupos sociais mais desfavorecidos do que os dos matriculados no secundário licealizante e o seu trajeto foi frequentemente marcado por experiências de insucesso. A origem social destes jovens levaria a admitir que procurassem no ensino técnico-profissional uma qualificação suscetível de aceder a um nível de vida económica e socialmente mais elevado do que o das famílias. Nessa medida, este tipo de ensino responderia às expetativas de mobilidade social ascendentes e os seus diplomas fossem reconhecidos e utilizados pelo mercado de trabalho ou pelo mercado escolar do ensino superior. O inquérito realizado em 1987 a metade dos diplomados (Azevedo, 1991) mostra que a maioria dos que conseguiram emprego (52%) estava com vínculos contratuais precários e a mais de metade daqueles não foi exigido o diploma de que eram portadores podendo, pois, admitir-se que as qualificações obtidas na escola não foram objetivamente valorizadas pelo mercado de trabalho. A afirmação, pela quase totalidade dos jovens inquiridos, de que a formação "foi, apesar de tudo, útil e mesmo muito útil para a obtenção do emprego" (Azevedo, 1991) decorrerá do facto de uma parte dos jovens ter conseguido emprego através dos estágios e a sua formação ter sido apreciada pelos empregadores sem que estes, contudo, tenham reconhecido os

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diplomas e os tenham distinguido da formação por experiência de desempenho em posto de trabalho.

Foi já referido que a primeira força instituinte das Escolas Profissionais é o Estado. No entanto, e apesar de a iniciativa ter sido fundamentalmente estatal, verificou-se, desde o início das negociações, uma intervenção dos atores e instituições não estatais no sentido de configurarem os projetos educativos segundo critérios por si considerados mais adequados; desse processo de negociação em que se defrontaram lógicas por vezes diferentes e conflituais resultou a alteração dos primeiros normativos dimanados pelo GETAP (Gabinete de Educação Tecnológica, Artística e Profissional, direção geral do Ministério da Educação), que previam um modelo curricular tendencialmente "normalizado" no que diz respeito sobretudo às componentes sociocultural e científica dos currículos. O debate entre entidades promotoras e GETAP, nos domínios da composição curricular dos cursos e distribuição das cargas horárias, parece elucidativo quanto às perspetivas de cada uma das partes sobre as relações escola – mercado de trabalho e formação – emprego. Apesar de reconhecerem que a lógica da produção não pode excluir a lógica educativa, tal resistência apontaria para uma noção de lógica da produção em que a aprendizagem para o posto de trabalho seria o cerne da formação e o objetivo fundamental de uma escolaridade profissionalizante. A tal atitude não serão estranhas as características organizacionais das empresas portuguesas, o nível do seu parque tecnológico, a sua dimensão, a própria formação dos empresários e os modelos de formação profissional de jovens, até aí existentes.

Quanto ao Ministério da Educação e Ciência, todo o discurso que acompanha a divulgação dos cursos profissionais aponta para o reconhecimento de que estes cursos deverão possibilitar uma mobilidade ascendente dos alunos, nomeadamente pelo seu acesso ao ensino superior e pela aquisição de competências culturais equiparáveis às fornecidas pelo ensino regular. Particularmente nas Escolas Profissionais, o insucesso escolar prende-se a razões geográficas e sociais, à fraca orientação vocacional, escolar e profissional, às dificuldades em aplicar estratégias de diferenciação pedagógica em turmas grandes e heterogéneas, à atração imediata do mundo do trabalho derivada do bom desempenho durante a formação em contexto de trabalho, realizada antes da conclusão formal dos cursos (Azevedo, 2003).

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