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Organização do processo de trabalho escolar na rede estadual de ensino

2 O PROCESSO DE TRABALHO DOCENTE

2.3 Organização do processo de trabalho escolar na rede estadual de ensino

Pretende-se descrever e analisar as relações de trabalho entre os professores e o Estado, este como empregador, sendo a instituição escolar, o local de trabalho. Propõe-se a descrever a organização do processo de trabalho nas escolas públicas da rede estadual, em que condições se estrutura, e a forma como é gerenciado:

1. Os cargos do magistério, na rede pública estadual em Minas Gerais, se compõem, tendo por referência a legislação estadual44, definidos da seguinte forma:

QUADRO 6

Cargos e Habilitação na REE/MG

CARGO HABILITAÇÃO NECESSÁRIA

Professor - P1 / P2 Formação em nível de ensino médio – atuação nas séries iniciais do ensino fundamental Professor - P3 / P5 Licenciatura plena, ou outra habilitação acrescida de formação pedagógica especifica – atuação nas séries finais do ensino fundamental e ensino médio.

Fonte: SEE/MG

O cargo de professor é identificado pela sigla (letra e número) e acrescido da titulação denominação do conteúdo curricular, nos casos de P3 e P5. Já os professores P1 e P2 responsabilizam-se por turmas, compreendendo todos os conteúdos curriculares45.

2. De acordo com o novo plano de carreira, já aprovado na Assembléia Legislativa, em 5 de agosto de 2004, (Lei 15293), o cargo denomina-se “Professor de Educação básica – PEB”, sendo necessária a formação em nível de ensino médio para atuar nas primeiras séries do ensino

44 Lei 7109 de 15 de outubro de 1977; Lei 9381 de 19 de dezembro de 1986; Lei 10254 de 20 de julho de 1990; Lei

11721 de 29 de dezembro de 1994 e Decreto 26515 de 13 de janeiro de 1987. Esta legislação prevalece, até entrar em vigor, o novo quadro de pessoal.

45 Os professores têm duas situações funcionais: efetivos e designados. Os efetivos são concursados e já foram

nomeados e os designados são os contratados temporariamente. Muitos designados são concursados, aguardando nomeação. Os efetivos são lotados nas escolas, e têm preferência na escolha de aulas. Os professores designados devem concorrer anualmente às vagas remanescentes, no início do ano letivo. Não têm a garantia de permanência na escola, pois os contratos são temporários e não ultrapassam o ano letivo. O controle das designações é feito pelas SRE. Devido à morosidade, às falhas de comunicação entre os órgãos gestores e as escolas, aos recursos impetrados pelos candidatos que se sentem preteridos no processo, tem ocorrido insatisfação entre os professores e desgaste nas relações, principalmente porque a morosidade da contratação acarreta problemas de atraso de pagamento de salários.

fundamental – PEB-I, e licenciatura plena para atuar de 5ª à 8ª séries do Ensino Fundamental, e Ensino Médio – PEB-II.

O acréscimo da pós-graduação lato-sensu, pela estrutura da carreira, daria seguimento ao PEB- III, mestrado ao PEB-IV e doutorado ao PEB-V.

3. Na composição numérica, para formação do quadro de pessoal das escolas, são estabelecidos como critérios a demanda de alunos (procura de matrículas) e o espaço físico (número de salas de aula) da escola. Os planos curriculares a serem cumpridos para integrar os 200 dias letivos e 800 horas-aula anuais46, mínimos, definem a quantidade de professores necessários, por conteúdo curricular, de acordo com o número de turmas organizadas, sendo observado o limite de carga horária obrigatória, por cargo. As aulas são então atribuídas aos professores efetivos, seguindo o critério de tempo de exercício na escola. Caso ocorram “sobras de aulas” é feita uma comunicação à SRE, disponibilizando-as para designação. São então contratados os professores designados para classes vagas ou para substituição de efetivos, licenciados ou afastados da regência para outras funções.

4. As turmas são constituídas com uma quantidade de alunos definida pela SEE/MG, sendo para as últimas séries do ensino fundamental 35 alunos por turma, no mínimo e 40 alunos por turma, no ensino médio, de acordo com a última Resolução vigente. Ocorrendo divergência nos quantitativos entre as leis e a Resolução, a SEE/MG deixa claro que deve prevalecer a disposição que definir o menor número de professores. Foi assim estabelecido, por meio da Resolução n° 466 de 15 de dezembro de 2003, o quadro de pessoal das escolas estaduais para o ano de 2004:

I. Cargos do Quadro de Magistério e afins: - diretor e vice-diretor;

- professor regente de aula ou regente de turmas;

- especialistas de educação (supervisor pedagógico e orientador educacional);

- professor para o uso de Biblioteca (auxiliar de biblioteca, bibliotecário e professor nível I e II).

II. cargos de auxiliar e técnico da educação (auxiliar de secretaria). III. secretário de escola.

IV. ajudante de serviços gerais.

Os quantitativos de alunos por turma são rigorosamente acompanhados pelos órgãos gestores, através do Serviço de Inspeção Escolar. Em caso de redução do número de alunos de uma série escolar, ocorre fusão de turmas, o que acarreta dispensa de professores e funcionários designados, seguindo o critério. Este fato é comum nas escolas estaduais. Os professores designados têm uma situação precária de trabalho. Podem ser contratados por um ano letivo, ou por períodos menores (até dias), nas situações de substituição de professores efetivos, que se afastam em licenças. Esta situação de contratação provisória perdura no Estado, há mais de 40 anos, nas situações de contratação de professores para classes vagas. Entretanto, o concurso público era regular e os candidatos nomeados anualmente. A partir da década de 90, os concursos não foram mais realizados com freqüência e o número de professores designados foi se ampliando.47 Dessa forma, em 2003, 34% dos professores da rede pública estadual eram designados, ou seja, 46.822 professores. Em 2001, foi realizado concurso público, mas dos professores nomeados, 4100 desistiram da vaga. Tal desistência ocorreu, segundo reportagem jornalística48, e de acordo com informações da SEE/MG, devido aos baixos salários e à localização das escolas em regiões de alto risco, e distantes das residências dos professores nomeados.

Em relação à organização do quadro de pessoal da REE/MG, pode-se afirmar:

• O processo de designação é moroso, desgastante para os candidatos e, sobretudo prejudicial ao funcionamento das escolas, nos casos de substituição por períodos pequenos, quando se torna difícil conseguir candidatos. O cadastro que contém informações sobre os candidatos é centralizado por SRE; e a cada ano letivo os candidatos concorrem às novas vagas, de acordo com a classificação, por critério de habilitação e tempo de serviço. Portanto, a mudança de local de trabalho é freqüente, o que se constitui em fator negativo, pois não há seqüência no trabalho em uma mesma escola. Além disso, o designado perde o seu lugar de trabalho, em qualquer época do ano, nas situações de transferências de efetivos ou nomeações.

47 A SEE/MG não informou, por não ter registro, da data correta do início do processo de designação no Estado. 48 JORNAL ESTADO DE MINAS, 15/10/2003, p. 21.

• Em qualquer hipótese, existe um mecanismo de controle, na forma organizacional absorvida pelo Estado, sobre o gerenciar pessoas e escolas do seu sistema educacional. Os mecanismos de controle se constituem em parâmetros e referenciais a serem seguidos, na avaliação externa dos resultados, na avaliação de desempenho dos indivíduos e das instituições. Tais mecanismos determinam os salários, as progressões na carreira e as formas de intervenção para redirecionar as ações, tendo em vista o alcance dos objetivos.

• Os professores da rede pública estadual são, pois, contratados para ministrar aulas, são separados por conteúdos, disciplinas, tendo como conseqüência a fragmentação do currículo. Trata-se de uma forma prevista e vinculada a uma concepção de organização escolar em que os conteúdos programáticos integram as “grades curriculares”, um modelo centrado, de acordo com Arroyo (2002 p.84), no “ensinar”, educação como transmissão de conteúdos. De acordo com Arroyo, o modelo de organização escolar, que estrutura o conhecimento por áreas isoladas e disciplinas estanques, horários fechados dos professores, está esgotado, embora permaneça, apesar das resistências.

• Trata-se de uma forma de conceber a educação em que o tempo do professor e o do aluno estão organizados, não de acordo com as necessidades de aprendizagem, mas de acordo com os programas, que compõem as disciplinas estruturantes das grades curriculares. O núcleo é o conteúdo a ser acumulado pelo aluno e ensinado pelo professor.

• As relações de trabalho entre os professores e o Estado são estabelecidas de acordo com esta forma de funcionamento: o papel ou função do professor é organizado por conteúdo, por disciplina especializada. É assim estabelecido o quadro da escola, o professor é designado por turma (1ª à 4ª série do ensino fundamental), disciplinas ou conteúdo curricular de quinta a oitava série. É uma forma de organização curricular contraditória ao que está previsto nas novas atribuições docentes, em que o trabalho deve ser realizado de modo mais coletivo e articulado, envolvendo outras funções além da regência. A prática de trabalho docente, em que sejam vivenciadas situações de reflexão e discussão das questões pedagógicas, se torna, então, difícil de ser contemplada nesta modalidade de organização curricular.

• Existe ainda uma hierarquia dos conteúdos disciplinares em que são privilegiados alguns, em detrimento de outros, dentro das 800 horas-aula anuais. Esta forma de organização provoca

situações tais como um professor se ver obrigado a trabalhar nos três turnos escolares ou em mais escolas para compor as aulas que formam um só cargo, ou ainda conteúdos em que o professor tenha apenas duas ou três aulas remuneradas. Seu cargo compõe-se de duas ou três aulas. O trabalho é fragmentado, segmentado, cada um acaba fazendo o seu trabalho isoladamente, pois os cargos não prevêem horas além da regência para estudos e atividades pedagógicas, reuniões pedagógicas em horários comuns a todos os professores de um turno, atendimento aos alunos que necessitam de recuperação paralela, além das horas de regência. As escolas não têm autonomia para definir a forma de organizar o trabalho dos professores, conforme seus projetos pedagógicos específicos, tornando-se difícil realizar trabalhos interdisciplinares, em que os conteúdos são abordados de forma integrada.

• Assim, o professor ao chegar à escola assina o livro de ponto, e pelo registro de presença é encaminhada uma súmula ao Serviço de Pagamento da SRE que faz os comandos de pagamento, e os envia à SEPLAG/MG. É comum o atraso de pagamento, quando se trata do primeiro contrato de trabalho, devido à burocracia. O professor tem um número de controle, que o acompanha em toda a sua trajetória de vida de trabalho. O professor “controla” o aluno, marca ausências e presenças, cobra trabalhos e atitudes, avalia mediante provas e exames, mas ao cumprir seu papel é ao mesmo tempo controlado, avaliado, absorvido pela burocracia estatal. • Quanto à forma de ingresso, os professores efetivos submetem-se aos concursos públicos e são nomeados, de acordo com as vagas existentes; já os designados, mesmo sendo concursados, aguardam nomeação e enquanto isso são contratados por um tempo determinado. Seu trabalho começa a partir de um contrato para ministrar aulas, denominado Quadro Informativo – QI, que ele assina juntamente com o Diretor da Escola, sendo a partir do mesmo implantado no Sistema de Pessoal do Estado.

• Então se submete aos exames médicos de praxe e apresenta todos os documentos e comprovantes de tempo de serviço e diplomas, etc. São, dessa forma, cumpridos todos os requisitos burocráticos clássicos conforme argumenta Weber (1922)49, citado por Enguita (2004, p.120): seleção mediante exames, exigência de fidelidade à finalidade da organização,

remuneração assegurada pela etapa do ensino em que atua, contagem de tempo para fins de aposentadoria, etc.

• A duração do trabalho do professor, correspondente a um cargo é de vinte e quatro horas semanais, compreendendo:

- Módulo I – dezoito horas aula de 50 minutos;

- Módulo II – seis horas relógio, destinadas às atividades extraclasse. Pela atual legislação, são atribuições especificas do professor:

- Módulo I – regência efetiva de atividades, área de estudo ou disciplina em sala aula; - Módulo II – elaboração de programas e planos de trabalho, controle e avaliação do rendimento escolar, recuperação de alunos, reuniões, auto - aperfeiçoamento, pesquisa educacional e cooperação, no âmbito da escola, para aprimoramento tanto do processo ensino aprendizagem, como da ação educacional e participação ativa na vida comunitária da escola. A exigência do cumprimento das seis horas semanais do módulo II não é cobrada, no momento, nas escolas estaduais. Os professores das últimas séries do ensino fundamental e do ensino médio, com um cargo completo, (18 aulas de 50 minutos, ou 20 aulas, por exigência curricular) têm esta jornada de trabalho. Geralmente, os horários são organizados de tal forma que, por conteúdo, os professores tenham um dia de folga, por semana.

Como já foi mencionado, nas lutas de classe, a reivindicação dos trabalhadores se faz por redução das jornadas de trabalho e aumento dos salários. O empregador no caso o Estado, procura manter em níveis suportáveis o dispêndio de recursos financeiros para salários, considerados como capital variável. As negociações com as entidades de classe se dão neste sentido, ao longo do tempo, no caso dos professores da rede estadual.

Para melhor entendimento do não cumprimento formal na escola - das seis horas semanais do Módulo II - torna-se necessário retroceder ao ano de 1991. O Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SIND-UTE), solicita aumento salarial para a categoria. A SEE/MG, não podendo atender tal reivindicação, concorda em suspender, da jornada semanal, as 6 horas de trabalho correspondentes às atividades do Módulo II, sem diminuir os salários, mas na realidade, por não poder aumentá-los, conforme solicitado. Tais negociações se firmaram em compromisso verbal entre as partes, em data anterior a abril de 1991, pois conforme o aviso n°

6/91, publicado no “Minas Gerais” de 27/04/1991 (Anexo 2), a Superintendência Educacional da SEE/MG reconhece a existência do acordo, e considera importante as atividades do Módulo II para as práticas pedagógicas, mas não exige o cumprimento, e sugere que a carga horária das seis horas semanais do Módulo II, sejam distribuídas ao longo do ano letivo em outras atividades da escola, sem exigir cumprimento em períodos fixos, diários ou semanais50. A SEE/MG reconhece, conforme citado no documento, que a questão do não cumprimento das horas do Módulo II dificulta a implementação da proposta pedagógica das escolas.

Durante o trabalho em campo, em duas escolas estaduais em Belo Horizonte, e mesmo em outras escolas estaduais visitadas registrou-se que as horas do Módulo II não são cumpridas na escola. Registrou-se também que muitos professores, nas atividades que realizam com seus alunos, excedem em horas de trabalho, a previsão das horas do Módulo II. Entretanto, a questão permanece em aberto.

Nas atividades docentes, além da regência, tais como preparação de aulas, correção de trabalhos e provas, registro de notas e conceitos, necessárias ao exercício da função, são despendidas mais de seis horas semanais, e a SEE/MG, através do Serviço de Inspeção Escolar tem conhecimento desse fato. Tais atividades são desenvolvidas por alguns professores, conforme observação in loco, nos intervalos de aulas, durante o recreio, ou mesmo em suas residências, conforme relato, mas o acordo de greve torna a questão polêmica, quanto ao cumprimento da jornada semanal de 24 horas de trabalho. Se o professor estiver convencido de que o seu tempo de trabalho termina ao deixar a sala de aula, que seu trabalho é dar aulas e se manifestar recusa em participar de comissões e atividades extraclasse, enfim, se não quer se envolver em nada além das suas atividades de regência, fica difícil para a gestão da escola convencê-lo a atuar de forma diferente, participando das demais atividades escolares. Na verdade, os órgãos gestores somente se manifestam sobre o assunto quando solicitados, reiterando as informações do aviso número 6/91. Durante o período de observação das atividades escolares, reuniões, intervalos de recreio, nos períodos letivos nas escolas, em conversas com os professores, pedagogos e direção, foi possível

50 Foram pesquisadas as atas das reuniões de negociações entre os representantes do SIND-UTE e SEE/MG

referentes ao período do acordo não tendo sido encontrado registro do acordo. Conforme correspondência da SEE/MG, citada no texto, tratou-se de compromisso verbal.

perceber que os professores se sentem sobrecarregados, e questionam a SEE/MG pela falta de condições de trabalho, mas não ocorre entre eles uma manifestação ativa e coletiva por melhores condições de trabalho.

Retornando ao ocorrido em 1991 e que perdura, ou seja, à dispensa do cumprimento das horas do Módulo II, a adesão da classe, a aceitação da redução das horas da jornada de trabalho, pode ter ocorrido, devido à abertura da possibilidade da dobra de turno, permitida à época, ou mesmo à possibilidade de exercer dois cargos em diferentes escolas, uma vez que a redução das horas do cargo amplia o tempo disponível para outros trabalhos. Entre os trabalhadores da educação, a idéia da ampliação da carga horária de um cargo diminui a possibilidade de trabalho, para outros professores. Consideram que é melhor repartir o bolo em fatias menores, de forma a contemplar a todos.

Przeworski (1995, p. 163), a partir de Gramsci, explica algumas questões acerca do conflito entre classes no capitalismo. As relações entre os trabalhadores da educação e o Estado podem ser analisadas sob essa perspectiva. Segundo o autor, as relações capitalistas podem ser perpetuadas sob condições democráticas; a exploração pode ser mantida com o consentimento dos explorados. É o conceito de “consentimento ativo”. O consentimento assenta-se em bases materiais. A base econômica objetiva é necessária, segundo o autor, não só para estabelecer a hegemonia, ou seja, o consentimento à exploração, mas também para mantê-la continuamente.

A hegemonia das classes dominantes deve assentar-se em bases materiais, e por isso é necessário que os interesses dos grupos dominantes sejam “concretamente coordenados” com os dos grupos subordinados, devendo ser organizados certos mecanismos que permitam, em determinado grau, a realização desses interesses. As “concessões” poderiam, segundo Przeworski, representar os mecanismos, que permitem a realização desses interesses e tendências dos grupos, sob os quais a hegemonia deve ser exercida. Devem ser encontradas, porém soluções de compromisso, dentro de limites bem definidos, não diminuindo o lucro em um nível abaixo do necessário à acumulação, e não sendo tão alto, a ponto de fazer entender que os capitalistas estejam defendendo interesses “estritamente corporativos” ou “particulares”.

O capitalismo é uma forma de organização social, em que toda a sociedade depende das ações desse sistema, pois a produção é orientada para a satisfação das necessidades de terceiros, para a

troca, e os que não possuem meios de produção precisam “vender” sua capacidade de produzir ao capitalista. Recebem, portanto, um salário, que representa um meio de aquisição de bens e serviços.

O conflito entre as classes é inerente ao sistema capitalista. Mas ocorre uma “naturalização” na forma em que são tratadas as relações entre as classes. Isto pode ser explicado pelo fato de que os assalariados vejam o capitalismo como um sistema no qual podem melhorar suas condições materiais.

Przeworski explica:

Em uma sociedade capitalista, a realização dos interesses dos capitalistas é uma condição necessária, mas não suficiente, para a concretização dos interesses de qualquer outro grupo. Essa correlação objetiva entre a organização de uma sociedade como um sistema capitalista e os interesses dos capitalistas, abre a possibilidade para um sistema hegemônico, no qual a classe dos capitalistas passa a ser concebida como a personificação dos interesses universais e no qual os conflitos políticos tornam-se estruturados como conflitos acerca da realização de interesses materiais, dentro dos limites do capitalismo. Organizado como uma democracia capitalista, o sistema hegemônico estabelece uma forma de compromisso de classes, no sentido de que nesse sistema nem o agregado dos interesses dos capitalistas individuais nem os interesses dos assalariados organizados, podem ser violados, além de limites específicos (1995, p. 174).

Ocorre, pois, um certo “compromisso de classes” que só pode ser reproduzido na condição de os assalariados consentirem com a organização da sociedade. Consentem, de fato, embora o consentimento seja sempre provisório, condicional, porque esperam melhorias em suas condições de subsistência.

O sistema capitalista aparece, portanto, como portador de interesse universal, e, embora o conflito exista, e seja inerente a esse sistema, os trabalhadores podem consentir nas práticas capitalistas de exploração, desde que se produzam resultados, que satisfaçam em certo grau, os interesses materiais, de curto prazo, desses grupos envolvidos. Logo, a aceitação, por parte da categoria dos