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2 O PROCESSO DE TRABALHO DOCENTE

2.4 Plano de carreira: um reflexo das relações de trabalho na rede estadual

2.4.1 Uma história de luta

O embate sobre Planos de Carreira do Magistério, na rede pública estadual em Minas Gerais, determina a necessidade de levantar o contexto histórico da luta dos trabalhadores da educação, pela qualidade da educação pública. A Constituição de 1988, no inciso 5 do artigo 206, estabelece, como princípio da valorização dos profissionais do ensino, a garantia de plano de carreira, piso salarial profissional, ingresso por concurso público e regime jurídico único.

A Emenda Constitucional nº 14, promulgada em 12 de setembro de 1996, cria o FUNDEF, e torna obrigatória aos estados e municípios a aplicação de 15% da receita de impostos, ao Ensino Fundamental. Esta Emenda estabelece a obrigatoriedade de apresentação de planos de carreira do magistério, com exigência de habilitação. A Lei 9424/96, que regulamenta a Emenda 14/96, determina em seu artigo 9º, que no prazo de seis meses de sua vigência, os governos devem dispor de planos de carreira e remuneração do magistério, de modo a assegurar remuneração condigna, estímulo ao trabalho em sala de aula e melhoria da qualidade do ensino.

Aqui se faz necessário destacar o artigo 67 da Lei 9394/96, Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pois nele se estabelece que os sistemas de ensino devem assegurar aos profissionais da educação, planos de carreira, onde estejam contemplados os princípios que definem a valorização do magistério. Dentro do seu princípio de flexibilidade, a lei abre caminho para a continuidade da luta dos profissionais e reivindicação por melhores condições de trabalho, uma vez que, admitindo-se a necessidade de valorização, subentende-se, conseqüentemente, a hipótese da não valorização.

A fundamentação legal para a fixação das diretrizes dos novos planos de carreira e de remuneração do magistério público, estão definidos na Resolução nº 3/97 de 8 de outubro de 1997, do Conselho Nacional de Educação (CNE), assinada pelo professor Carlos Roberto Jamil Cury. Dentre as diretrizes, destaca-se o concurso público como forma de ingresso, que deve ser realizado, pelo menos de quatro em quatro anos, em caso de existência de vagas e a indisponibilidade de candidatos aprovados em concursos anteriores. Define também que na

jornada de trabalho dos professores, deve ser incluído, além das horas de regência, um percentual de 20% (vinte por cento) a 25% (vinte e cinco por cento) do total da jornada, para a preparação e avaliação de trabalho didático, o aperfeiçoamento profissional, as reuniões pedagógicas, as ações de colaboração com a administração da escola e articulação com a comunidade escolar.

O artigo 7º, que estabelece as diretrizes para a remuneração dos docentes, propõe uma escala, cujo ponto médio tenha como referência o custo médio aluno-ano, para jornada de 25 horas de atividades, e uma relação de 25 alunos por professor. Esta proposição se constitui em mecanismo de restrição da remuneração dos profissionais da educação básica. Pode-se afirmar que em lugar de propor como referência o custo médio aluno-ano, como “ponto médio” da escala, dever-se-ia propor o custo médio aluno-ano, como “piso mínimo” da referida escala. Há sensível diferença entre “ponto médio e piso mínimo”.51 As diretrizes estabelecem que a jornada de trabalho maior ou menor que a definida, ou relação professor-aluno diferente de 25, implica diferença para mais ou para menos no fator de equivalência entre custo médio da escala e remuneração mensal.

A retrospectiva da legislação sobre plano de carreira está sendo feita, porque no Estado de Minas Gerais, os trabalhadores da educação da REE/MG estão aguardando, há mais de 20 (vinte) anos, a definição sobre seu plano de carreira e remuneração, que vem sendo protelada de governo a governo.

Em 1993, foi instituído grupo de trabalho integrado por representantes das entidades de classe – SIND-UTE, Associação dos Professores Públicos de Minas Gerais (APPMG), Associação dos Inspetores Escolares (AMIE) e técnicos da SEE/MG. Foram realizados estudos, debates e negociações. A proposta final do documento, entretanto, não foi encaminhada à Assembléia Legislativa.

Em 1999, foi instituído um novo grupo de trabalho, com representação de várias associações de classe, técnicos e gestores da SEE/MG, para elaboração de proposta de um plano de carreira do magistério estadual. A proposição foi encaminhada à Assembléia Legislativa, ao final do governo, ano de 2002, e aprovada em primeiro turno no plenário. Como a gestão do executivo

51 PINTO, J.M.R. Financiamento da Educação no Brasil: um balanço do governo FHC (1995-2002). Educação &

estadual – 1999 a 2002, estava se encerrando, os opositores ao governo, naquela casa, em articulação com o seu candidato ao governo de Minas Gerais, conseguiram que o projeto fosse arquivado e não tivesse prosseguimento nas comissões.

Em 2003, a equipe de técnicos e gestores do novo governo elabora novo anteprojeto de Lei, que estrutura as carreiras dos profissionais da Educação Básica do Estado de Minas Gerais, que é encaminhado à Assembléia Legislativa, em dezembro de 2003. O Projeto de Lei, que recebeu o número PL 1294/2003, aprovado em primeiro turno, tramitou pelas Comissões Parlamentares e recebeu 16 emendas, tendo sido transformado em lei.

O impasse entre o governo e os profissionais da educação, e oposição ao governo na Assembléia Legislativa, na trajetória do Plano de Carreira, situa-se, no momento, nas tabelas de vencimento básico das carreiras. A polêmica pode ser assim compreendida: o governo encaminha o anteprojeto de Lei, que estrutura as carreiras dos profissionais da Educação Básica, sem as tabelas de vencimento e condiciona o estabelecimento e aprovação de tais tabelas a uma outra lei, a ser ainda encaminhada à Assembléia Legislativa, a lei de política remuneratória do Estado. (artigo 36 da versão do PL encaminhada pelo governo à ALEMG, em dezembro de 2003).

Entre os profissionais da educação, lotados nas escolas públicas, e muitos em exercício nos órgãos gestores – SRE e órgão central, constata-se insatisfação com a ausência da tabela. Os profissionais têm uma interrogação: estão sem reajustes salariais há mais de oito anos. Ficarão com os mesmos vencimentos, ou serão contemplados com aumento de vencimentos no novo Plano de Carreira?

A oposição ao governo atual, minoria na ALEMG, representada pelo líder Rogério Correia, apresenta durante a tramitação do Plano de Carreira, a Emenda nº 17, estabelecendo um prazo de 30 dias, após a publicação da lei do Plano de Carreira, para que o governo encaminhe à ALEMG um projeto de lei, estabelecendo as tabelas de vencimento, e desvinculado-as da lei de política remuneratória. O Governo mobiliza os seus representantes naquela casa e esta emenda é derrubada em plenário, em maio de 2004, com a subemenda nº 1, de autoria de deputado líder do governo.

O Plano de Carreira, versão aprovada, e transformado em lei, estabelece no artigo 38 que os atuais cargos e funções da educação serão posicionados por enquadramento nos novos cargos. Os anexos definem a forma do posicionamento, mas a transposição da situação atual para a nova está condicionada à publicação de lei, contendo as tabelas de vencimento básico das carreiras.

O embate sobre a questão está nesse ponto. Posições antagônicas, pressão por definição de situações profissionais que se arrastam há anos, sem adequação das condições para realizar um trabalho pedagógico, em que os princípios de valorização profissional sejam efetivamente cumpridos. Como explicar a aprovação pelo legislativo de uma proposta governamental, que não contempla as tabelas de vencimento? Esta é a questão essencial de interesse de todos os que trabalham na área da educação, na rede estadual.

Para compreensão da importância de que se reveste a questão dos vencimentos torna-se necessário entender a política remuneratória assumida pelo executivo estadual, na área da educação. Pauta-se pela contenção dos vencimentos dos professores, mediante suspensão dos reajustes gerais dos salários há oito anos. A última recomposição geral dos salários dos funcionários do Quadro do Magistério, para repor perdas inflacionárias, ocorreu em 1995, na ordem de 62%. A partir de junho de 2000, com a Lei Delegada 41/2000, foram incluídos nos vencimentos, uma Parcela Remuneratória Complementar – PRC, que abrange as vantagens e os adicionais específicos, suprimindo as diferenças salariais, decorrentes de tempo de serviço. A PRC estabelece um teto salarial de R$ 450,00 (quatrocentos e cinqüenta reais) para os cargos P1A e P2A – professores em exercício nas séries iniciais do Ensino Fundamental, e R$ 660,00 (seiscentos e sessenta reais) para os cargos P3A e P5A – professores em exercício nas séries finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

Foi realizado levantamento dos salários dos professores da rede estadual ao longo do período 1994 a 2004, expresso no quadro a seguir:

QUADRO 8

Vencimento Base da Carreira do Magistério – 1994 - 2004 VENCIMENTO (EM R$) CARGO ATUAÇÃO 1994 1996 1998 2000 (1) 2004 P1A 132,50 212,53 212,53 450,00 450,00 P2A Ensino Fundamental 1ª à 4ª série 142,75 228,99 228,99 450,00 450,00 P3A 180,00 288,73 288,73 660,00 660,00 P4A Ensino Fundamental de 5ª à 8ª série 198,02 317,64 317,64 660,00 660,00 P5A 238,33 382,28 382,28 660,00 660,00

P6A Ensino Médio 262,18 420,54 420,54 660,00 660,00 Fonte: Superintendência de Pessoal – Maio de 2004

Nota: (1) A partir de 2000, com a Lei Delegada 41/2000, foram incluídos na parcela remuneratória complementar, vantagens e adicionais específicos.

Outro dado sobre salário do professor da rede estadual, levantado junto à SEPLAG/MG, e confirmado na observação em campo, realizada em duas escolas estaduais, no município de Belo Horizonte, é relatado a seguir: em situações em que um mesmo professor exerça dois cargos, efetivos ou designados, na rede estadual, ele só recebe a PRC em um deles, pois a mesma não incide em 2 salários de uma mesma pessoa. Assim um professor P3A, que tenha dois contratos no Estado recebe pelo cargo “1” o valor de R$660,00 e pelo cargo “2” o valor de R$288,73 – com a mesma jornada de trabalho, atribuição e responsabilidade, ou seja, 18 horas-aula de regência, mais horas de outras atividades além da regência, em cada cargo.