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Organização e gestão do trabalho: o forte controle

Capítulo 3 – Organização, gestão e relações de trabalho: as atividades da operadora de

2. Organização e gestão do trabalho: o forte controle

de uma operadora de caixa de hipermercado e de uma teleatendente permite compreender como as estratégias empresariais de gestão e de organização do trabalho operam em ambos os segmentos.

A atividade de operadora de caixa de hipermercado pode ser descrita da seguinte maneira: a trabalhadora chega ao estabelecimento, registra sua entrada, veste o uniforme e se dirige ao caixa (check-out) indicado pela chefia. Lá, ela deve conferir o dinheiro disponível e “abrir o caixa”, isto é, iniciar o sistema e começar os atendimentos. A partir de então, ela atende em sequência os clientes que chegam, passando os produtos pelo escâner, oferecendo algum serviço que a empresa tenha determinado e recebendo o pagamento pela compra. Em momentos periódicos ao longo da jornada, ela deve realizar a “sangria” do caixa, isto é, recolher o valor elevado acumulado e direcioná-lo à tesouraria do estabelecimento. Durante toda a atividade, a operadora de caixa deve ser educada, paciente e gentil, além de ter de dizer determinadas frases prescritas pela empresa, como o agradecimento ao cliente e a oferta

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Trata-se da descrição de uma jornada de trabalho “padrão”, reconstruída com base nas entrevistas e na bibliografia sobre os dois segmentos, sendo apresentada aqui de maneira sintetizada e com caráter ilustrativo, reconhecendo que ela não dá conta da complexidade das relações e atividades diárias a que estas trabalhadoras estão submetidas.

do programa de fidelização. Ao fim da jornada, ela deve fazer o fechamento do caixa: contar, recolher e levar o dinheiro à tesouraria, onde será conferido pelos responsáveis.

A atividade envolve, assim, movimentos e procedimentos repetitivos. A exceção são as respostas que a operadora tem de dar a situações diversas que se apresentam diariamente quando se lida com pessoas.

A operadora de caixa permanece em atividade durante toda a jornada, exceto quando a supervisora autoriza o fechamento do caixa, seja no horário da refeição, seja no fim da jornada de trabalho, quando a trabalhadora registra o horário de saída. Outros eventuais momentos de pausa devem ser solicitados à supervisora e autorizados por ela.

A empresa pode também requerer que a operadora se desloque do caixa para realizar outro tipo de atividade no estabelecimento, como arrumar as estantes, sobretudo nos momentos de menor afluência de clientes. Cabe dizer que a jornada de trabalho das operadoras de caixa é de 44 horas semanais e, na empresa C, elas trabalham seis dias por semana, com escala de revezamento. Os horários e dias de funcionamento dos estabelecimentos são variados, alguns chegando a permanecer abertos 24 horas por dia, sete dias da semana109.

A atividade de uma teleatendente, por sua vez, mantém aspectos muito semelhantes aos de uma operadora de caixa, com a diferença de que ela não lida presencialmente com o cliente, e sim por meio do telefone: a teleatendente chega à empresa, registra sua entrada e se dirige à posição de atendimento (PA). Lá, ela faz o login no sistema e, a partir de então, deve permanecer sentada em frente ao computador, conectada por um headfone, atendendo em sequência às ligações dos clientes que “caem” automaticamente em seu computador. A cada ligação, ela deve seguir o script determinado pela empresa e também ser educada, amável, paciente e gentil. Sua atividade segue assim até o fim da jornada, quando registra seu horário de saída. Diferentemente das da operadora de caixa, as pausas durante a jornada são determinadas e regulamentadas, sendo três: uma de 20 minutos para a refeição e duas de 10 minutos cada uma para o descanso110. As pausas podem ser predefinidas ou determinadas a cada

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Dos estabelecimentos da empresa na qual se concentraram as entrevistas, um hipermercado funcionava 24 horas por dia e outro, das 8h às 23h. Já o supermercado funcionava das 7h às 22h.

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Um aspecto aproxima ainda as duas atividades: ambas são normatizadas por um anexo da Norma Regulamentadora 17 do Ministério do Trabalho e Emprego. Esta define parâmetros e diretrizes quanto à ergonomia no trabalho, procurando adaptar as condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores e trabalhadoras, e normatiza sobre a organização do trabalho. O Anexo I da NR-17, de

dia pela supervisora, e outras eventuais pausas devem ser solicitadas e autorizadas. A jornada de trabalho de uma teleatendente é de 36 horas semanais, sendo de 6 horas diárias. Em geral, elas trabalham seis dias por semana, inclusive por meio de escalas de revezamento. As empresas mantêm horários variados de funcionamento, algumas chegando a ficar em atividade 24 horas por dia, sete dias na semana111.

As duas descrições de jornada já evidenciam alguns elementos quanto à organização e à gestão produtiva nas atividades analisadas: nota-se, nelas, um forte controle e padronização do processo de trabalho. A estandardização e a simplificação das tarefas, bem como o forte controle e a vigília sobre as trabalhadoras, são aspectos que aproximam a gestão do trabalho nessas atividades da racionalização taylorista da produção. Esta passou a ser aplicada em atividades não industriais (GADREY, 2005) com o objetivo de maximizar a produtividade e a lucratividade das empresas112.

Passemos, então, a analisar mais aprofundadamente como opera esse tipo de gestão e de organização do trabalho, particularmente por meio do forte controle. Este recai sobre os gestos, os movimentos, o ritmo de trabalho, os resultados e a produtividade.

2.1 - Controle sobre o espaço e os movimentos

Um dos primeiros aspectos a salientar em relação a ambas as atividades é o forte controle que recai sobre os gestos e os movimentos das trabalhadoras, ligados à intensa padronização das tarefas. Esse controle se atrela ainda a outro, que é aquele sobre a organização espacial em que se encontram as trabalhadoras.

2007, define os parâmetros quanto ao trabalho das operadoras de check-out (Disponível em: <http://www.guiatrabalhista.com.br/legislacao/nr/nr17_anexoI.htm>. Acesso em: 26 jan. 2016). O Anexo II se volta ao trabalho de teleatendimento/telemarketing. Nele, estão incluídas as determinações quanto às pausas para descanso e refeição (Disponível em: <http://www.guiatrabalhista.com.br/ legislacao/nr/nr17_anexoII.htm>. Acesso em: 26 jan. 2016).

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No teleatendimento ativo, a jornada de grande parte das teleatendentes é realizada de segunda-feira a sábado. Ele é regido por um Código de Ética, que limita o horário das ligações que as empresas podem fazer aos clientes: de segunda a sexta-feira das 9h às 21h e, aos sábados, das 10h às 16h (Disponível em: <http://www.probare.com.br/Codigo_de_Etica_Revisao_4_OFICIAL.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2016). Já no teleatendimento receptivo, a jornada de trabalho é, geralmente, distribuída no período de segunda a domingo e organizada por escalas de revezamento. A Portaria no 2.014 de 2008, que impôs regulamentações específicas aos Serviços de Atendimento ao Consumidor (SACs), determinou às empresas a disposição ininterrupta desse tipo de serviço. (Disponível em: <http://www.procon.sp.gov.br/ texto.asp?id=2586>. Acesso em: 26 jan. 2016).

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Braverman (1981) analisa como determinados tipos de trabalho, como o realizado nos escritórios, são inseridos na lógica de racionalização taylorista para aumento da produtividade, com a separação e simplificação de tarefas, a especialização, a padronização, o controle das empresas sobre o processo de trabalho etc.

No caso do segmento de teleatendimento, as trabalhadoras permanecem durante toda a jornada em sua posição de atendimento (PA), sentadas à frente da tela do computador, presas a ele pelo headfone. Estes – computador e headfone – compõem seus instrumentos de trabalho. Em muitas empresas, é vedado levar qualquer objeto à PA, com exceção de uma garrafa de água.

As PAs são alinhadas uma ao lado da outra, separadas entre si por baias (SEGNINI, 2001; VENCO, 2003). Essas divisórias procuram limitar as conversas entre as teleatendentes e as possíveis interferências de uma na realização do trabalho da outra. A mesa do supervisor também se encontra estrategicamente posicionada, de modo a lhe permitir ter uma visão geral das trabalhadoras.

Essa divisão espacial na central de atendimento cumpre, como aponta Venco (2003), com o objetivo de permitir maior vigilância e obter o disciplinamento dos trabalhadores. Do mesmo modo se enquadra a busca das empresas por eliminar qualquer tipo de interferência e distração das trabalhadoras, o que poderia levar, por sua vez, à redução da produtividade.

No caso dos super/hipermercados, podemos notar uma organização espacial semelhante. Neles, as operadoras de caixa realizam sua atividade no check-out (o caixa propriamente dito), composto pela esteira eletromecânica, pela balança e pelo sistema de computador para registro da compra (escâner) fixado à sua frente113. Elas permanecem no posto de trabalho durante toda a atividade, revezando entre sentadas e em pé. Os check-outs ficam alinhados um ao lado do outro, formando a chamada “frente de caixa”, estando geralmente na entrada e saída das lojas. Em frente aos caixas ficam posicionados os seguranças dos estabelecimentos e as câmeras de vigilância. Pelo corredor formado pela frente de caixa circulam as fiscais, responsáveis por auxiliar as operadoras de caixa, e a chefe da frente de caixa.

A configuração espacial dos estabelecimentos em ambos os segmentos se aproxima do modelo de panóptico (“visão total”), analisado por Michel Foucault (1987)114. Aliado à limitação dos movimentos das trabalhadoras, ele permite aumentar o controle, o disciplinamento e o enquadramento das trabalhadoras.

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Poucas são as empresas que dispõem de escâner portátil para leitura dos códigos de barra dos produtos mais pesados. Ele possibilitaria que as operadoras o levassem ao produto ou ao carrinho de compras, evitando que despendessem maior esforço físico.

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Phil Taylor e Peter Bain, ao tratarem do segmento de teleatendimento, afirmam que a supervisão eletrônica, embora intensa, não promove um controle total dos trabalhadores, o que é salientado inclusive pelas possibilidades de resistência individuais e coletivas que as teleatendentes desenvolvem (TAYLOR

No entanto, não é apenas o espaço e os movimentos e gestos das trabalhadoras que permanecem submetidos a um controle. A atividade também é constantemente monitorada e regulada pelas empresas.

2.2 - Controle sobre a atividade: padronização e regulação

A padronização da atividade, com a adoção de scripts e a prescrição dos procedimentos, aparece como outra importante estratégia de controle sobre o processo de trabalho e sobre as trabalhadoras. Para Simone Wolff (2009), o eficiente monitoramento, favorecido pelos serviços de informação, torna possível tanto controlar como padronizar e simplificar o trabalho. Isso, por sua vez, tem efeitos sobre a qualificação e o tipo da força de trabalho absorvida, uma vez que

padronizar implica sempre em reduzir os elementos esparsos do mesmo gênero a um só tipo, unificado e simplificado, segundo um modelo gerencial preestabelecido. Ao simplificar e submeter o conhecimento do trabalho vivo a um padrão, reduz-se também o tempo necessário à sua formação/qualificação e, por conseguinte, seu custo (WOLFF, 2009, p. 62, grifo no original).

Portanto, a simplificação da tarefa também se enquadra na busca das empresas por redução de custos, permitindo a contratação de trabalhadores com baixa qualificação, o que, consequentemente, significará menor remuneração e, na maior parte das vezes, pouca possibilidade de ascensão nas carreiras. Desse modo, como afirma a autora, a simplificação leva necessariamente à desvalorização do trabalho.

No caso das atividades aqui analisadas, a adoção de procedimentos preestabelecidos, a simplificação das tarefas e o forte controle sobre o processo de trabalho levam a uma uniformização das trabalhadoras, limitando sua individualidade e exercendo domínio sobre sua subjetividade, sobretudo na relação com os clientes. Nesse sentido, há um esforço das empresas em controlar a interação entre trabalhador e cliente, padronizando as falas, as entonações e a voz (BRAGA, 2006a; TIFFON, 2013).

Josiane Boutet (2001; 2008) evidencia que, nas diversas modalidades de organização e gestão do trabalho, que vão desde as das fábricas manufatureiras aos modernos call centers, há uma busca das empresas por regular e controlar a fala dos

& BAIN, 1999; BAIN & TAYLOR, 2000). Concordamos com esse ponto. Consideramos que há uma semelhança ao panóptico foucaultiano na organização do trabalho promovida pelas empresas, que levam ao disciplinamento das trabalhadoras, mas estas encontram margem de manobras e de resistência. Discutiremos esse aspecto no capítulo 4.

trabalhadores de acordo com seus interesses e necessidades, como forma de assegurar maior produtividade. Como lembra a autora, no taylorismo essa regulação envolve a desvalorização, redução e interdição da fala dos trabalhadores. No entanto, nos serviços de call centers, por exemplo, a comunicação e a interação verbal de trabalhadores e clientes são inerentes à atividade, não podendo ser totalmente eliminadas. As empresas passam, então, a impor sobre elas uma série de regulações e imposições, procurando codificar, enquadrar, formatar e regulamentar as práticas de linguagem.

Ou seja, a própria comunicação entre trabalhadores e clientes é inserida na lógica da racionalização taylorista, sendo controlada pela empresa, que a instrumentaliza a favor da produção.

Nesse sentido, os ganhos de produtividade dos serviços passariam pela rotinização da relação entre o trabalhador e o usuário, o cliente ou o utilizador. Na verdade, trata-se, primordialmente, de um tipo particular de rotinização capaz de enquadrar a comunicação compreensiva. Por rotinização da comunicação compreensiva entendemos a tentativa de mobilizar a subjetividade dos trabalhadores por meio da redução – e que nunca é completa, vale salientar – da reflexão a respeito do contexto no interior do qual ocorre o processo comunicacional à pura troca automatizada de signos. Nesse sentido, com a rotinização taylorista da relação de serviço, a comunicação compreensiva que caracteriza a maior parte das relações sociais tende a ser degradada pela comunicação instrumental (BRAGA, 2006a, p. 9).

Seria, portanto, a aplicação de um processo de mecanização e uniformização do trabalho nos serviços que envolve não apenas o uso de maquinarias, mas também a regulação e o controle sobre a subjetividade e individualidade das trabalhadoras. Essa estratégia é verificada em ambas as atividades, por meio da prescrição e da padronização do trabalho.

No caso do segmento de super/hipermercados, a operadora de caixa, como vimos, deve, a cada cliente, cumprimentá-lo, ofertar-lhe algum produto ou o programa de fidelização, passar os produtos no leitor óptico, enunciar o valor da compra, demandar qual a forma de pagamento, receber o pagamento pela compra e novamente saudar o cliente, sempre sendo gentil, paciente e sorridente.

A padronização da atividade torna o processo rotineiro e repetitivo, cujo ritmo é ditado pela sucessão dos clientes no caixa – um após outro – e das mercadorias. O som do “bipe”, emitido no escaneamento de cada produto, evidencia a cadência da atividade.

“[...] eu abria o caixa, eu fazia o movimento mecânico repetidas vezes de passar produto pelo leitor, perguntar se queria nota fiscal paulista,

se era cliente [do programa de fidelização], todo esse procedimento padrão, aí perguntar a forma de pagamento, se era no cartão, se era débito ou crédito etc., e era o tempo só de falar ‘boa noite, tchau, boa noite’ e atender outra pessoa, sempre nesse ritmo, que muitos dias foi frenético, sinceramente. Foi bastante frenético” (Cléber, operador de

hipermercado da empresa C, 12/3/2012).

Essa padronização da atividade, que torna sua realização mecânica, transmite a percepção de se tratar de um trabalho extremamente simplificado. As operadoras revelam que, de fato, a repetição dos procedimentos a cada dia faz a atividade ser de fácil aprendizagem. O treinamento de uma operadora iniciante não supera três dias, sendo que logo no primeiro dia ela já realiza o atendimento dos clientes, sendo supervisionada por uma operadora mais experiente. Em menos de uma semana, ela já desempenha sozinha a atividade.

“Uma semana você já vai pegando tudo, porque o processo é muito repetitivo. [Vocês decoram?] O serviço é muito repetitivo. Aí tem a tabela, né, com os códigos, mas hoje em dia eu uso a tabela pra uma coisa ou outra, porque já está tudo [na cabeça]...” (Carmem, operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 17/10/2014).

Ainda que a atividade pareça fácil, algumas habilidades (como a rapidez na passagem das mercadorias) e conhecimentos (como saber os códigos dos produtos) exigem um pouco mais de experiência, como evidencia essa fala de Carmem. Há, assim, saberes e habilidades no exercício da atividade que precisam ser aprendidos; as trabalhadoras, portanto, vão além da simples execução dos procedimentos determinados.

No caso das teleatendentes, a obediência aos procedimentos estabelecidos pelas empresas dita o exercício da atividade. Elas também devem ser gentis e “sorridentes” no atendimento, cumprimentar o cliente e seguir rigorosamente o script determinado pela empresa, mantendo certa entonação de voz. Toda a comunicação entre elas e os clientes é monitorada e controlada pela empresa.

A adoção dos scripts permite à empresa padronizar o atendimento telefônico e realizar o controle na relação cliente-trabalhadora, otimizando o tempo produtivo, com a intensificação do trabalho e a redução dos tempos mortos.

A submissão à pressão oriunda do fluxo informacional é realizada, em grande medida, por intermédio do protocolo de comunicação – script – cujo objetivo central consiste em aumentar a eficácia comercial associada à redução do tempo de conexão tendo em vista a multiplicação das chamadas por hora trabalhada. Assim, a autonomia do teleoperador é significativamente reduzida

enquanto os supervisores escutam as comunicações para assegurar o respeito ao script (BRAGA, 2006a, p. 12).

A obediência ao script é um dos critérios na avaliação da qualidade do serviço prestado pelas teleatendentes, sendo os atendimentos gravados e monitorados pelas empresas. Estas avaliam o tempo do atendimento, mas também o que foi dito pelas trabalhadoras, quais os termos utilizados, a entonação da voz e o comportamento delas durante as ligações. Certas palavras e determinadas expressões e gírias são proibidas.

Para Sirlei Marcia de Oliveira (2009), o monitoramento quase em tempo real dos atendimentos é uma das estratégias utilizadas pelas empresas para eliminar a autonomia dos trabalhadores. Essa estratégia, juntamente com a imposição dos ritmos de trabalho e com a determinação dos procedimentos, aumenta o disciplinamento das trabalhadoras e permite o controle da interferência subjetiva de cada teleatendente.

No entanto, Rosenfield (2007b) assinala que há uma pequena margem de autonomia das trabalhadoras, aceita pelas empresas, para adaptar os scripts a cada atendimento, de acordo com o perfil de cada cliente e a cada situação. Assim, a pouca possibilidade de autonomia no segmento aparece nesses momentos de interação com o cliente, permitindo que as teleatendentes respondam e se adaptem à variabilidade de cada caso.

Uma das entrevistadas indicou essa possibilidade de adaptar o script ao atendimento.

“A gente pode alterar, usar as nossas palavras, mas as características do produto têm que ser as mesmas. Por exemplo, eu quero... tenho lá, eu posso falar totalmente diferente, mas eu não posso alterar a característica do produto e não posso usar palavras que são proibidas” (Andressa, teleatendente da empresa A, 11/4/2012). Venco (2009a) indica que, no surgimento dos call centers, a política gerencial que imperava era a de exigir a obediência rigorosa aos scripts. Essa estratégia foi sendo alterada pelas empresas na medida em que perceberam que uma maior flexibilidade lhes permitia obter maiores ganhos de produtividade. Entretanto, essa flexibilidade segue sendo restrita, devido à necessidade das empresas em reduzir o tempo de cada atendimento e garantir uma padronização das informações a ser transmitidas aos clientes.

Aparece aqui uma aparente contradição na organização do trabalho: de um lado, a padronização e o controle rigorosos sobre o processo de trabalho com o objetivo de aumentar a produtividade, negando a individualidade das trabalhadoras; de outro, a necessidade de atender à individualidade de cada cliente.

Taylor & Bain (1999) referem-se a essa contradição como o dilema gerencial presente nos call centers – da quantidade versus qualidade. Assim, uma gestão muito rigorosa sobre os operadores, por meio de metas e medição quantitativa de desempenho, afeta negativamente a qualidade do serviço, bem como a motivação e o comprometimento dos trabalhadores, ao passo que uma gestão baseada na informalidade, com relaxamento das metas e da vigilância, leva à redução da produtividade. Nesse mesmo sentido, Marie Buscatto (2002a, b) aponta que a atividade em teleatendimento é marcada por uma série de dilemas, dentre os quais está o conflito – gerencial, mas também vivenciado pelas trabalhadoras – entre um trabalho padronizado e um personalizado.

Porém, mesmo que as regras sejam rígidas quanto aos scripts, a autora indica que os próprios teleatendentes reinterpretam a atividade prescrita. Assim, eles buscam personalizar o atendimento de acordo com o que consideram correto e adequado à sua personalidade, respeitando aquilo em que acreditam115. Essa seria uma forma de garantirem certa identificação e satisfação com a atividade que realizam. Portanto, os trabalhadores, mesmo diante de um forte enquadramento, não são sujeitos passivos, uma vez que procuram reinterpretar as tarefas prescritas e dar um sentido positivo ao trabalho.

Esses conflitos e dilemas vivenciados no exercício da atividade foram apontados pelas entrevistadas. Na empresa A, ainda que as trabalhadoras tenham certa possibilidade de adaptar o script, a margem de manobra é muito limitada, uma vez que os atendimentos e sua qualidade são monitorados. A necessidade de obedecer aos procedimentos determinados e a restrição quanto ao uso de determinadas palavras aparecem como obstáculos na realização da atividade e no alcance das metas impostas pela empresa. As teleatendentes entrevistadas manifestaram um descontentamento pelo fato de o script, muitas vezes, não corresponder ao tipo de atendimento que gostariam de prestar, não ser eficiente para “converter” a venda ou não responder à necessidade de cada cliente.

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Para entender essas nuances, é interessante a diferença entre trabalho prescrito e trabalho real, como feita por: CLOT, Yves. La fonction psychologique du travail. Paris: PUF, 1999.