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1. Entre saberes e práticas antirracistas na formação docente

1.4 Organização e perfil do curso de Pedagogia

Compreender e identificar de que forma o curso de Pedagogia da UFRRJ se organiza e qual é o seu perfil, assim como dos seus egressos, é essencial para a análise dos dados desta pesquisa. Isso porque entendemos que a estrutura do curso, que compreende da organização do fluxograma curricular, as disputas para inclusão e exclusão de disciplinas, os concursos para docentes e a relevância dada às diferentes temáticas que atravessam o curso, estão imbricadas

29 Informações coletadas e disponíveis no site da instituição: http://cursos.ufrrj.br/grad/pedagogia/apresentacao/

Acesso em: 06 jun. 2019.

30 Informações coletadas e disponíveis no site da instituição: http://cursos.ufrrj.br/grad/pedagogia/fluxograma-e-

47 na concepção de qual formação para professores a instituição se propõe a investir. É importante deixar em evidência que o pedagogo, enquanto habilitado para a docência nos Anos Iniciais, tem como atribuição ensinar Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Meio Ambiente, e em determinadas Redes de Ensino compreende o trabalho com Artes, Corpo e Movimento. Analisar como dentro de sua estrutura curricular o curso de Pedagogia da UFRRJ traz a ênfase para cada componente curricular e qual lugar é direcionado para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana é essencial, pois traz o deslocamento de uma ótica de um simples currículo para pensar em como e quais os tempos/espaços para uma educação democrática, que perpassa por uma educação antirracista, estão sendo pensado.

Segundo Ana, o curso está passando por uma reformulação. Com a matriz curricular de 2007, ele passou por pequenos ajustes em 2010 e 2012, mas de forma bem pontual para atender às demandas do Ministério da Educação e adequar a sua carga horária às demais licenciaturas. Havia uma deliberação na Universidade que instituía quais seriam as disciplinas que deveriam ser obrigatórias para a formação de professores, o que Ana coloca como pedagógica e que são trabalhadas pelo DTPE. Todos os cursos de Licenciatura deveriam acumular 3200 horas, mas como curso de Pedagogia possuía um quantitativo menor precisou se adequar, incluindo 19 créditos de disciplinas optativas. Apesar de ser um curso novo e instituído logo após as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, já demonstra algumas lacunas no que se refere à formação docente. Isso nos mobiliza a pensar em como as disciplinas, referentes a educação e relações étnico-raciais e a de cultura afro-brasileira, se inserem nesse contexto e as possíveis disputas que poderiam ter sido, ou não, travadas.

Segundo Ana, a discussão para a criação do curso de Pedagogia, dentro do DTPE, é antiga, e se pensarmos no contexto da criação da UFRRJ perceberemos que advém da década de 1970. Ana reafirma que o Projeto Pedagógico Curricular (PPC) ainda não foi reformulado e é fruto das discussões que antecedem a criação do curso em 2007.

[...]havia já uma discussão muito antiga lá no DTPE, justamente com a defesa de se ter um curso de Pedagogia, pois o DTPE é um departamento que trata da formação pedagógica nas licenciaturas e não tinha o curso de Pedagogia. Então ele vai nascer lá dentro do DTPE como um curso especificamente voltado para a formação de professores. [...] e aí nesse PPC já havia uma discussão muito antiga, mas o curso não tinha efetivamente começado, e aí em 2007 que ele inicia dentro da Universidade. As Diretrizes Curriculares são de 2006 do curso de Pedagogia, o curso não absorveu muito essas Diretrizes, eu imagino que tenha sido porque a discussão já havia sido feita anteriormente às diretrizes [..]. Toda a discussão em torno do que seria o curso, da matriz curricular, já estava pronta, então ele tem muitas coisas das Diretrizes que ainda precisa absorver. Quando a gente entrou na coordenação, essa foi uma tarefa que a gente se impôs assim, a repensar mesmo o curso, na sua totalidade, pensando o

48 PPC como um todo, a questão do estágio, da articulação dos períodos, pesquisa, extensão, enfim pra além da matriz curricular, pra não ficar uma discussão só “que disciplina sai, que disciplina entra”, então imagino que esse primeiro processo, a gente vai finalizar agora em 2020. 31

Observa-se que na nossa análise, a ausência de uma articulação do curso com as Diretrizes para o curso de Pedagogia é corroborada pela fala de Ana. Ela relata durante a entrevista que para o ano de 2020 há uma reforma prevista para o curso, isso compreenderá pensar, o que Rosana Monteiro (2006) argumenta sobre os tempos e espaços que são colocados para uma educação antirracista no currículo: Qual o lugar das disciplinas que hoje são obrigatórias, e como a temática pode atravessar outras disciplinas obrigatórias assim como o próprio PPC do curso? Além disso, pensa-se também no estudante que já possui uma carga horária extensa. Segundo Ana, o intuito é diminuir algumas disciplinas que não competem mais e aglutinar outras que estejam fragmentadas. O que ela explicita é que:

[...]é um curso noturno em Seropédica, então a gente atende alunos especialmente da baixada fluminense e Zona Oeste do Rio de Janeiro. Há toda uma questão do deslocamento desses alunos que não moram em Seropédica, se deslocam todos os dias para a Universidade, então a gente tem um problema hoje, que é o que eles precisam fazer, para além do matriz curricular, as optativas que não dá pra fazer no horário noturno. Ou eles fazem durante o dia, ou precisam ficar um período a mais. A monografia, que sempre é uma dificuldade, acaba estendendo por conta das horas complementares. [...] Então já tem bastante coisa que demanda dos alunos uma permanência maior na Universidade, se estender muito essa carga horaria, essa dificuldade aumenta mais ainda. Então a gente pensa em mexer, sem aumentar muito.32

A preocupação que nos levou a algumas indagações durante a pesquisa seriam na reformulação de um novo currículo o lugar que ocupariam as disciplinas de educação e relações étnico-raciais na escola e a de cultura afro-brasileira. Mas, Ana afirma que ainda não há uma discussão concisa das disciplinas que permanecem e aquelas que serão aglutinadas ou extintas. Algumas proposições só são consenso em um núcleo, e ainda precisa passar pelo Colegiado. Mas a intenção é que não haja mais nenhuma disciplina com menos de 60 horas, a exceção seria educação e relações étnico-raciais na escola, que continuaria com 30 horas por ser uma disciplina obrigatória para todas as licenciaturas.

Outra discussão apontada por Ana é a da educação popular como característica do curso. Há uma discussão emergindo para entender o que o curso tem ou não de educação popular, pois

31 Op. cit.

32 Entrevista realizada com Ana (nome fictício), coordenadora do curso, no dia 16 de dezembro de 2019, em sua

49 compreende-se, pela fala da própria Ana, que o curso de Pedagogia da UFRRJ forma professores para trabalharem com as classes populares e que irão trabalhar posteriormente nas Redes Públicas de Ensino do entorno da UFRRJ- Campus Seropédica. Nesse sentindo, afirma a necessidade de o curso discutir e entender o que é a educação popular, o aumento da carga horária de disciplinas que abordam o tema como a de Movimentos Sociais, e tornar a de Educação de Jovens e Adultos obrigatória, é, inclusive, uma demanda dos estudantes. Nesse aspecto, entendemos que não há como pensar em educação popular desvinculada de uma educação para as relações étnico-raciais, pois “a escola, sobretudo a pública, exerce papel fundamental na construção de uma educação antirracista” (GOMES, 2008a, p. 69).

No que compreende as disciplinas de educação e relações étnico-raciais na escola e a de cultura afro-brasileira, Ana argumenta ter um bom envolvimento dos alunos principalmente na disciplina de Cultura Afro-Brasileira, pois é o único curso da UFRRJ- Campus Seropédica a ter essa disciplina. Ela relata que ao final da disciplina os estudantes realizam uma Mostra dos trabalhos realizados no decorrer do semestre, ocupando os espaços do Instituto de Educação. Em uma das investigações para a coleta de dados no campo da pesquisa, foi possível observar esses trabalhos que ocupavam os corredores e paredes do Instituto. Ela relata que ao final da disciplina os estudantes realizam uma Mostra dos trabalhos realizados no decorrer do semestre, ocupando os espaços do Instituto de Educação. Em uma das investigações para a coleta de dados no campo da pesquisa, foi possível observar esses trabalhos que ocupavam os corredores e paredes do Instituto.

Ou nós, educadores, realizamos esse trabalho ou atuamos a favor da disseminação dos preconceitos. Não há como nos manter neutros. É preciso optar, pois lutar contra isso não é tarefa exclusiva da população negra. (CAVALLEIRO, 2001, p. 151)

Entendemos que construir um ambiente que promova uma educação antirracista, como educadores, é assumir o compromisso para a construção de uma educação democrática. Não é possível corroborar para a neutralidade no ambiente acadêmico frente às questões do racismo, discriminação e invisibilidade das histórias e culturas africanas e afro-brasileiras. Segundo Gomes (2008a), a formação de professores ainda é, em sua grande parte, desvinculada da história de luta, resistência e cultura da população negra. Cabe, então, assumir o que é colocado pelas DCNs: o compromisso das Instituições de Ensino Superior pautarem, ainda que de forma introdutória, a história e a cultura afro-brasileira e africana e a educação para as relações étnico- raciais. Observamos esse compromisso em duas disciplinas, tendo uma um trabalho de ocupação para além das paredes da sala de aula, e mesmo ocupando um percentual pequeno no

50 currículo do curso de Pedagogia da UFRRJ, consideramos que já é um caminho sendo traçado porque segundo a fala de Ana:

[...]eu percebo também nas alunas, em especial nas alunas negras, que ao longo do curso elas sofrem um processo de transformação, muito antes de fazer a disciplina de cultura afro brasileira. Dando um exemplo bem objetivo, a questão do cabelo. São inúmeras as meninas que entram no curso com o cabelo alisado, e ao longo do curso de Pedagogia elas vão assumindo a identidade negra delas. Então o cabelo muda, elas param de alisá-lo, começam a usar vestimentas e acessórios muito mais identificados pela cultura negra. Porque hoje a cultura afro-brasileira está no 8º período, então quando chegam lá elas já passaram por essa transformação, então percebo que há uma forte identificação dos alunos com essa disciplina. [...] assim, isso que eu estou te falando é no campo da subjetividade, é assim que eu percebo, não tem nenhuma pesquisa empírica sobre isso [...] tem o relato da professora, que eles não têm só uma aceitação como também uma identificação com essa temática. 33

Analisando a fala de Ana, é possível perceber, mesmo sendo no campo da sua própria subjetividade, a construção de uma educação antirracista que ultrapassa as duas disciplinas ou um conteúdo obrigatório. Percebe-se também que o perfil do estudante do curso de Pedagogia não mudou apenas no que se refere à classe social ou idade, mas no protagonismo representado pelo seu corpo no espaço e tempo da Instituição, desconstruindo e construindo sua identidade diante das questões e debates que atravessam o curso, interligados com a sociedade. É se sentir representado, enquanto negro, no espaço acadêmico através das discussões que são articuladas também de forma institucional. É compreender, enquanto branco, que não há responsabilidade pelo silenciamento da população negra no passado, mas há a responsabilidade em não propagar o racismo, construir uma educação antirracista e reconhecer os privilégios herdados pelo eurocentrismo e agir na ruptura deles.

Não há como descrever, de forma objetiva, o perfil do estudante do curso de Pedagogia pois, segundo Ana,34 ainda não há dados que poderiam sustentar a caracterização do curso. O que ela argumenta é que o início do curso foi marcado por um contingente de estudantes trabalhadores, que já estavam inseridos no mercado de trabalho, atuando no magistério e que tinham como objetivo cursar a Pedagogia para obter o Nível Superior da docência. Entretanto, com a própria política do SISU o perfil está modificando para um público ingressando no curso cada vez mais jovem. Não há dados quantitativos que possam demonstrar os caminhos seguidos pelos egressos, mas segundo Ana foi realizado um encontro de egressos em 2017, onde foi

33 Entrevista realizada com Ana (nome fictício), coordenadora do curso, no dia 16 de dezembro de 2019, em sua

residência localizada na Zona Sul do Município do Rio de Janeiro.

34 Entrevista com Ana (nome fictício), coordenadora do curso de Pedagogia, realizada em 16 de dezembro de

51 possível verificar que muitos estudantes formados pela UFRRJ estavam atuando no magistério, principalmente na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental na Rede Pública de Ensino.