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6 SIGNIFICAÇÕES DO PROGRAMA DE MONITORIA E SUAS

6.2 Organização do cotidiano da monitoria

6.2.2 Orientação ao monitor

Quais as implicações para o processo de orientação do monitor quando se entende que sua atividade tem o sentido de “tirar dúvidas”?

A primeira, e mais evidente, é que assim como o estudante procura o monitor apenas quando tem dúvida, o monitor também busca orientação apenas quando tem alguma dúvida.

Neste sentido a relação orientador-monitor-estudante acontece mediante a existência de dúvida, que se restringe quase sempre à aspectos de conteúdo. Isto é ilustrado nas falas a seguir: “basicamente quando não tem prova, a gente prepara o material né, quando tá longe da prova e que não tem procura assim né. A gente pega e estuda a matéria de novo. Resolve as listas de novo. Se tiver alguma dúvida procura a P. Naomi” (M. Heitor); “nessa dúvida que o aluno teve e que o monitor não sabe também, ele deve procurar o seu professor ou orientador pra assim tirar a dúvida dele e possivelmente a do aluno e demais alunos que aparecerem” (M. Antônio); “Aí eu passo também pra eles as listas, pra que eles resolvam as listas e caso tenham dúvidas me procura pra gente sentar e discutir as listas. (P. Naomi).

Quando a monitoria possui um sentido formativo, compreende-se que ela possui um compromisso em iniciar o monitor na atividade docente, envolvendo-o em atividades de planejamento da disciplina e aulas, na elaboração de material didático, participação nas aulas, discussão sobre critérios de avaliação da aprendizagem, discussão sobre avaliação da própria prática docente (NUNES 2007; NATÁRIO, 2001). Neste sentido, para Nunes (2007, p. 33), este sentido é alcançado quando o “professor que tenha um monitor como colaborador em suas atividades proporciona condições para que ele desenvolva seu potencial docente”. Assim, a orientação ao monitor não deve se restringir à tirar dúvidas sobre o conteúdo da disciplina. É fundamental que o professor compreenda o papel de orientador enquanto aquele que está socializando o monitor na profissão docente, para que ele possa aprender parte dos elementos que constituem sua cultura e repertório de saberes profissionais.

Contudo, como o professor pode orientar o monitor, principalmente a respeito de saberes pedagógicos, se sintomaticamente a formação docente para nível superior negligencia a dimensão pedagógica? Embora a pós-graduação stricto sensu seja o espaço prioritário para a formação docente de nível superior, ela negligencia a formação pedagógica em detrimento da formação científica. Como denunciam Patrus e Lima (2014, p. 4), a obrigatoriedade da dissertação para mestrandos e da tese para os doutorandos, os currículos e as exigências de publicações científicas reforçam a formação científica, além da “inclusão de disciplinas e práticas voltadas para a formação do pesquisador”. Esta é uma dificuldade mencionada pelos professores no processo de orientação, como destacado na fala a seguir:

Pois é... é porque a gente, na academia, observa que nem os professores tem na verdade, essa formação né! E eu acho que a gente é muito falho nisso. Porque aí a pessoa faz o mestrado, ela faz o doutorado, ela vai ficando cada vez mais especialista em cada vez menos coisas. E em nenhum momento a gente tem algum tipo de formação obrigatória pelo menos né. No máximo a

gente faz estágio docência. Mas a gente não tem aquela formação didática, pedagógica mesmo né. Então a gente acaba aprendendo muita coisa na tentativa e erro. E o monitor, acaba sendo assim, talvez até pior ainda! (P. Marin)

Desta forma, entre as oito entrevistas realizadas com professores orientadores, apenas na do professor Eleazar é possível encontrar algum tipo de orientação voltado para saberes pedagógicos, orientando sobre a correção de exercícios, sobre estratégias de mediação com os estudantes, como segue:

Quando está no início do semestre eu apresento à eles o plano de curso e falo assim: “Olha se você tiver alguma dificuldade com algum tema a gente no horário mesmo você senta aqui que eu vou estudar com você”. E toda vez que eu monto uma lista de exercício eu apresento primeiro pra eles e explico a lista de exercício: “Olha, essa questão eu tenho essa, essa e essa expectativa; é assim que é pra fazer”, entrego na mão deles e aí eles mesmo rabiscam aí algum gabarito, alguma coisa na cabeça deles sobre como que eles vão orientar os alunos. E aí é por demanda, fora isso é por demanda. Se eles precisam eles me chamam, se não precisam eu não passo mais nada. [...] A única coisa nesse sentido [pedagógico] que eu faço com eles é pra eles tentarem provocar nos alunos a partir da habilidade que o aluno tem mais aguçada né. Tem aluno que gosta de ler, tem aluno que gosta de escrever e tem aluno que gosta de ouvir. Então você tem que tentar perceber o aluno nesse sentido e se você ver que o aluno está muito disperso, você está falando com ele e ele está te ouvindo mas está viajando na maionese, você consegue perceber esse aluno, é um aluno que não tem muitas habilidades auditivas, você vai ter que fazer esse aluno escrever. (P. Eleazar).

A segunda implicação de quando a monitoria é significada como sessão para “tirar dúvidas” é em relação aos saberes que espera-se que o monitor desenvolva, e que por tanto guiam a orientação. Assim como Grillo e Mattei (2005) identificaram que entre professores o domínio do conteúdo é considerado como a principal característica da identidade docente, isto também está presente na monitoria. Em um primeiro momento há a preocupação por parte dos monitores em dominar o conteúdo, como sendo a característica mais importante para tirar a dúvida dos estudantes. Isto se desdobra em o estudo do monitor ser orientado para dominar o conteúdo, gerando receio em relação à possibilidade de ser questionado sobre algo que desconhece. Além disto, se torna a característica mais mencionada tanto para selecionar quanto para avaliar o monitor, como sugere a fala do professor Daniel: “Geralmente os monitores que tem trabalhado comigo são alunos assim, bastante competentes, tem domínio de conteúdo. Isso tem gerado um resultado bastante positivo!” (P. Daniel).

Contudo, ao refletirem sobre o processo de seleção do monitor, tanto monitores, quanto professores mencionam que apenas o domínio do conteúdo não deve ser o único

critério de seleção. Eles entendem que é necessário que o monitor também apresente características relacionadas ao trabalho pedagógico, principalmente habilidade de exposição do conteúdo, bom relacionamento interpessoal e paciência. Nesse sentido, estende-se estas características como próprias do monitor, que remetem a ideia de que para o exercício da docência é necessário a vocação ou o dom. Quando compreendido desta maneira deixa-se de compreender que existem saberes próprios da atividade docente e que a qualificam. Por este motivo não se compreende como necessário a oferta de formação para aquilo que é considerado dom ou vocação. Isto leva à próxima implicação, que é sobre como monitores aprendem sua atividade.

Uma vez que é necessário procurar o orientador apenas para sanar alguma dúvida, e que compreende-se haver uma vocação ou dom para a docência, esquece-se de que existem saberes pedagógicos a respeito dos quais o monitor deveria ser socializado. Ao serem questionados sobre a orientação que recebiam, nenhum dos monitores afirmou que em algum momento, seja no início ou no decorrer do semestre, receberam algum tipo de orientação ou formação por parte da instituição. A ausência destas atividades de formação foi confirmada também pelos membros do CAPM. Foram questionados então se receberam algum tipo de orientação ou formação por parte dos orientadores, e esta se resumiu em todos os casos à uma orientação no início do semestre, onde foi realizado o planejamento das atividades dos monitores, e ao longo do semestre as orientações ocorriam esporadicamente, apenas quando o monitor apresentava alguma dúvida.

Diante esta situação os monitores foram questionados sobre como aprenderam sobre o que o monitor faz e o que não pode fazer. Quatro tipos de respostas foram apresentadas. A primeira e mais frequente foi o aprendizado a partir do que era descrito no edital de seleção que incorpora o regulamento do Programa de Monitoria, o que é exemplificado na fala da monitora Lili: “[a orientação era] só o que estava escrito no edital, que falava quais eram as obrigações. Aí vinha assim que é ajudar a auxiliar os alunos que precisassem de ajuda e ajudar nas atividades dos professores né, nas atividades que eles quisessem”. A construção de significados sobre a atividade do monitor a partir do edital de seleção foi a resposta de Lili, Igor, Pedro, Heitor, Dimitri, Gabriel e Claude. Por um lado, isto revela a importância do Regulamento do Programa de Monitoria enquanto produção discursiva que é incorporada nos repertórios interpretativos dos monitores, inclusive na construção de sentidos sobre sua atividade. Por outro, também revela algo importante: os monitores leem os documentos institucionais. Isto se torna importante, pois indica o potencial para que essa formação seja

feita por meio de materiais produzidos e distribuídos na forma de texto escrito, ou ainda, na produção de vídeos didáticos e outros materiais de suporte. Toda via não exclui a importância de que essa formação também contemple atividades presenciais, face à face, principalmente considerando que esta, segundo Berger e Luckmann (2011) é o contexto de interação com maior potencial de socializar significações a respeito de como o mundo é tomado como conhecido.

A segunda forma de aprender sobre a atividade do monitor foi a partir da própria prática como monitor, presente na fala do monitor Antônio: “eu estou aprendendo a forma que somos dando aula na monitoria”. A terceira foi a partir do que outros monitores fizeram, presente na fala da monitora Alma: “eu baseei nos monitores que eu já tinha contato mesmo”. E a quarta é a partir de como o professor orientador ministra a aula, presente na fala da monitora Nádia:

Eu me espelho bastante no Eleazar mesmo. Eu sei que ele usa bastante exemplos do cotidiano. E também eu converso com ele antes, quando eu tenho alguma dúvida, e aí ele me dá os exemplos dele, e aí eu busco aplicar também esses mesmos exemplos na minha monitoria. E também perguntando pras meninas se elas estão conseguindo entender o que eu estou passando, o que seria melhor pra elas. Mas de modo geral eu acho que eu tenho desenvolvido mais ou menos sozinha, sabe? Com a prática. Mas também não sei se está bom. (M. Nádia)

Estas três últimas respostas mencionadas também são, de acordo com Grillo e Mattei (2005), as principais formas pelas quais os professores de nível superior aprender o fazer docente: espelhando-se em professores que conheceram ao longo de sua trajetória escolar, e por meio da prática, em uma postura de tentativa e avaliação de acertos e erros. Entretanto, fala de Nádia também observa-se uma dificuldade em refletir e avaliar sua própria prática, expressa em: “mas também não sei se está bom”.