• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – APORTE CONCEITUAL

1.3. A orientação físico-espacial das pessoas com deficiência visual

Segundo Passini (1996), alguns usuários quando perdem seu senso de orientação ficam atormentados por um sentimento de incompetência e de frustração, outros culpam arquitetos por projetarem configurações arquitetônicas confusas e designers gráficos por providenciarem sinalização ininteligível.

Para realizar tarefas cotidianas que envolvem a orientação e mobilidade, as informações visuais imperam no ambiente físico, o que é uma desvantagem para pessoas com deficiência visual, pois mesmo que os espaços tenham informações não visuais, estas são insuficientes ou sutis demais para serem percebidas, ou ainda são mal localizadas. Gil (2000) considera este tipo de situação grave, pois compromete a orientação espacial destas pessoas. De toda forma, as dificuldades de orientação impostas pelas estruturas físico-espaciais acarretam experiências desagradáveis e, conforme Cubukcu e Nasar (2005), podem fazer com que os indivíduos deixem de visitar os espaços.

Antes de prosseguir, convém elucidar o conceito de orientação espacial, cujas definições variam. Por exemplo, Felippe e Felippe (1997) compreendem a orientação espacial como a habilidade de um indivíduo perceber o ambiente, estabelecendo relações corporais, espaciais e temporais com o ambiente que o cerca. Já Long e Giudice (2010) definem-na como o processo no qual o indivíduo utiliza os sistemas perceptivos para estabelecer a sua posição no espaço e a relação com todos os outros objetos significativos existentes nele. E para Bins Ely e Dischinger (2010), trata-se de uma ação intencional que envolve uma compreensão básica de situações espaço-temporais e de relações espaciais em contextos físicos. Dischinger (2000) vai além do que simplesmente estabelecer posição no espaço, pois, para a autora, a orientação significa bem mais que mobilidade independente, incluindo a noção de saber onde se situa, como também a capacidade de identificar lugares, possíveis rotas em direção a objetivos desejados, e poder tomar decisões com autonomia. Castro et al. (2004) consideram que a orientação é um dos mais importantes aspectos de autonomia a ser considerado, sobretudo por aqueles que perderam a visão. Bins Ely (2004) entende que a orientação não apenas é influenciada pelas experiências vividas por cada indivíduo como também depende da capacidade do espaço em oferecer-lhe informação necessária.

42 Particularmente para as pessoas com deficiência visual, orientar-se em espaços desconhecidos de forma independente, segura e eficiente é uma tarefa que requer um conjunto de habilidades sensório-motor-cognitivas, como a percepção, codificação, aprendizagem e

recall de informação espacial. É uma tarefa complexa que pode ser particularmente estressante,

especialmente quando a maioria das informações requeridas para o mapeamento mental é coletada preferencialmente pelo canal visual. No entanto, estas pessoas utilizam estratégias e métodos alternativos para uma orientação e mobilidade mais autônomos. Por exemplo, através da utilização do toque e da audição pode-se obter referências eficientes, mas elas são sequenciais e requerem interação contínua. Além disso, o tempo também pode ser usado para coordenar movimento (ESPINOSA et al., 1998; LAHAV; MIODUSER, 2004; CASTRO et al., 2004).

Outro conceito associado ao processo de orientação espacial é a mobilidade, que, segundo Carroll (1968):

[...] significa mais que andar. Significa ir de um lugar para outro, através de todos os meios que geralmente a criatura se utiliza, quer seja no pequeno espaço de uma sala ou de uma casa na qual trabalhamos ou vivemos, quer seja em áreas geográficas locais ou extensas. Significa ir-se a algum lugar pelo prazer de lá chegar, com propósito de nos afastarmos de onde estamos, ou então simplesmente com a finalidade de ‘ir’.

Passini e Langlois (1986 apud MOHAMMED, 2010) argumentam que a orientação espacial e wayfinding, também conhecido como “movimento orientado” (BERNARDI, 2007), são fundações de mobilidade. No entanto, convém esclarecer a distinção entre esses dois conceitos. Para Passini (1984), wayfinding se refere à capacidade do indivíduo em determinar sua localização no ambiente, de se situar nele e poder chegar ao destino desejado. É um processo de resolução de problemas espaciais que abrange a tomada e a execução de decisões, como também o processo de informações. Já a orientação espacial, conforme Mohammed (2010), consiste na capacidade do indivíduo em compreender o espaço à sua volta e obter sua localização. O autor ainda observa que wayfinding é tratado como sinônimo de mobilidade, porém ambos são parcialmente diferentes. Enquanto mobilidade baseia-se apenas na habilidade física, wayfinding é uma habilidade tanto cognitiva quanto comportamental em que o indivíduo objetiva alcançar o destino. É um processo sequencial, de fundamental importância para a orientação espacial dos usuários, pois, quando bem sucedido, traz sentimentos positivos como satisfação e segurança, além de reduzir o tempo gasto (PASSINI, 1984; MOHAMMED, 2010).

Wayfinding se baseia, então, em três performances distintas, a saber: tomada de decisão,

execução de decisão e processamento de informação. A primeira decisão de wayfinding é tomada quando uma pessoa decide ir a um determinado lugar, com base em algum tipo de

43 informação ambiental9 que situa o destino em um contexto espacial. Durante esta tomada de decisão, são seguidos quatro passos: 1) determinar a localização; 2) localizar o destino; 3) selecionar uma rota; 4) decidir como navegar. Já a etapa de execução de decisão resulta no deslocamento propriamente dito ao longo da rota. Por fim, a última etapa se refere ao processo perceptivo-cognitivo em que a informação deve ser processada e traduzida de forma clara e objetiva. Estas decisões são estruturadas de forma hierarquizada e não apenas ajudam a memorizar as rotas em termos comportamentais, como também auxiliam a organizar e gravar informação ambiental. Para que sejam tomadas e executadas eficientemente, faz-se necessário adquirir informações ambientais, as quais podem ser percebidas diretamente no ambiente, podem ser recuperadas por meio de experiências vividas antes ou, ainda, a combinação dessas duas maneiras (PASSINI, 1984; MOHAMMED, 2010).

Dogu e Erkip (2000) afirmam que existem dois fatores que afetam o processo de orientação espacial: o layout e a qualidade das informações existentes no ambiente. De acordo com Dischinger (2000), a capacidade de orientar-se depende de duas esferas conectadas entre o mundo e o indivíduo (Quadro 1).

Quadro 1. As esferas da orientação espacial Esfera do indivíduo

Referências pessoais

Esfera do mundo

Estrutura de informação ambiental Condições da

percepção

O quê e como é percebido por cada um dos sistemas perceptivos; prever informações acerca da organização espacial do ambiente e movimentos no espaço; A configuração espacial dos elementos dinâmicos e permanentes

Organizada de acordo com as leis naturais e valores culturais, são potenciais fontes de informação com atributos específicos;

Conhecimento espacial

Baseado na experiência e no aprendizado cultural; permite a interpretação, identificação, e compreensão das informações ambientais com a finalidade de agir;

Relações espaciais

Ações humanas organizadas de acordo com os significados culturais, normas e regras sociais.

Ações intencionais

Intenções pessoais, exploração e atos sociais.

Fonte: Dischinger, 2000 (tradução livre).

Ao analisar o Quadro 1, pode-se afirmar que o desempenho de wayfinding é influenciado pelas características do ambiente construído e dos indivíduos. Diante disso, com o intuito de definir seus próprios percursos, determinando para onde ir e como chegar lá, é preciso estar

9 Informação ambiental pode originar-se dos componentes físico-espaciais, termoacústicos e lumínicos de um determinado ambiente.

44 orientado. E neste processo de orientação, o indivíduo cria mapas mentais (ou cognitivos) que, segundo Brandão (2011), são a representação do espaço a partir das experiências vividas, construídos de forma estruturada e que levam à compreensão do espaço. Ou, conforme Bernardi (2007), os mapas mentais são exercícios mentais em que é elaborada uma representação espacial obtida através das informações ambientais captadas pelo usuário. Como Lynch (2006, p.13-14) define,

Estruturar e identificar o meio ambiente é uma atividade vital de todo o animal móvel. [...] No processo de orientação, o elo estratégico é a imagem do meio ambiente, a imagem mental generalizada do mundo exterior que o indivíduo retém. Esta imagem é o produto da percepção imediata e da memória da experiência passada e ela está habituada a interpretar formações e a comandar ações. A necessidade de conhecer e estruturar o nosso meio é tão importante e tão enraizada no passado que esta imagem tem uma grande relevância prática e emocional no indivíduo.

De acordo com Tversky (2003), a imagem mental dos espaços pode ser formada por meio do olhar, da audição, do cheiro, do toque, da imaginação e da fala. É dessa maneira que os indivíduos conhecem o ambiente construído, a sua organização espacial e as relações espaciais nele existentes. No entanto, as pessoas com deficiência visual têm dificuldade em construir uma representação do espaço de forma mais precisa, uma vez que a maioria de informação detalhada do espaço é alcançada pela visão (UNGAR; BLADES; SPENCER, 1996; ESPINOSA et al., 1998). Passini e Proulx (1988) realizaram uma análise sobre dois grupos, um com deficiência visual e outro com visão normal. Os autores descobriram que os participantes com deficiência visual tendem a preparar sua rota de forma mais detalhada em relação aos participantes normovisuais, tendo tomado muitas decisões que dependiam de mais informações ambientais.

Para estruturar o mapa mental eficientemente, Lynch (2006, p.14) comunica:

Sem dúvida a imagem clara permite ao indivíduo deslocar-se facilmente e depressa [...] Mas o meio ambiente organizado pode fazer muito mais do que isto; pode servir como estrutura envolvente de referência, um organizador de atividade, crença ou conhecimento. [...] um meio ambiente característico e legível não oferece apenas segurança, mas também intensifica a profundidade e a intensidade da experiência humana.

Com isso, o autor apresenta quatro características que auxiliam na percepção do espaço e, consequentemente, na elaboração de mapas mentais. São elas: 1) Identidade: segundo Del Rio (1990 p. 94), se refere à “identificação de uma área, sua diferenciação de outra, sua personalidade e individualidade.”; 2) Estrutura: a imagem deve possuir uma relação estrutural ou espacial coerente com o indivíduo; 3) Significado: através da imagem ambiental, o indivíduo deve apreender o seu significado, seja ele prático ou emocional; 4) Imageabilidade: “qualidade

45 de um objeto físico que lhe dá uma grande probabilidade de evocar uma imagem forte num dado observador.” (LYNCH, 2006, p. 20).

Além disso, em seus estudos acerca de mapas mentais, Lynch ainda identificou cinco elementos necessários para estruturar as imagens mentais de uma cidade:

1) Vias: são os canais pelos quais os indivíduos percorrem, podendo ser ruas, passeios, linhas de trânsito, entre outros.

2) Limites: não são considerados vias, pois são elementos lineares que delimitam qualquer área, como, por exemplo, paredes, costas marítimas, etc.; e podem funcionar como referências secundárias;

3) Bairros: são regiões que têm algo de comum e de identificável;

4) Cruzamentos: são considerados pontos estratégicos, onde o observador interrompe o seu deslocamento para decidir qual direção tomar “nas junções de vias, as pessoas reforçam a sua atenção em tais locais apercebendo-se dos elementos que as circundam” (LYNCH, 2006, p. 84).

5) Marcos: outro tipo de referências que se destaca por sua forte imageabilidade; normalmente representados por um objeto físico de escala variável como edifício, montanha, objeto decorativo, estante, etc. Para Locatelli (2007), alguns aspectos podem facilitar ou dificultar a orientação espacial, entre os quais: a configuração espacial, os dispositivos de sinalização e a presença de marcos ou pontos de referência.

É importante notar que, de acordo com Cubukcu e Nasar (2005), layouts complexos tendem a dificultar o processo de wayfinding. Além disso, um espaço monótono, onde não existe alguma diferenciação, e ausência de pontos de referência também são considerados como fatores que dificultam wayfinding (PASSINI et al., 2000). Em vista disso, Bentley et al. (1985) afirmam que é de fundamental importância que o layout seja legível de modo que as pessoas sejam capazes de formar imagens claras e precisas do ambiente. Belir e Onder (2013) argumentam que o layout deve ser planejado levando-se em consideração a implementação de marcos sensório-estruturais, alcançando, dessa forma, boa legibilidade espacial.

O conceito de legibilidade de Lynch (2006) possui uma importância fundamental nos estudos relacionados à orientação espacial e à arquitetura. Para Dogu e Erkip (2000), um lugar que facilita a compreensão do espaço apresenta boas condições de legibilidade, ou seja, um lugar que apresenta facilidade de leitura contribui para a construção dos mapas mentais. Do contrário, se o espaço é confuso e provoca dificuldades de orientação, significa que possui um

46 baixo fator de legibilidade. Koseoglu e Onder (2011) dizem que o grau de legibilidade espacial depende do layout e da sua complexidade, além dos componentes arquitetônicos do ambiente construído.

Ainda segundo Lynch (2006), a sinalização, a configuração arquitetônica e o planejamento do layout são os principais fatores de legibilidade espacial que facilitam a orientação espacial de um indivíduo. Portanto, entende-se que a legibilidade deve ser levada em consideração ao se projetar ambientes construídos, uma vez que afeta não apenas o processo de orientação espacial, como também os aspectos cognitivos, perceptivos e emocionais dos usuários. Nesse contexto, segundo Cubukcu e Nasar (2005), a desorientação pode causar sérias consequências que fazem com que as pessoas evitem ou deixem o lugar. Ou, como afirmam Passini et al. (2000), quando um local não contribui para a orientação espacial, a autonomia e qualidade de vida dos indivíduos são comprometidas.

Para Dischinger (2000), saber reconhecer a identidade e a função dos espaços através dos elementos que os compõem não é o bastante, pois é preciso o indivíduo estar ciente do lugar que ocupa, identificando o entorno por meio de referências temporal-espaciais. Bins Ely e Dischinger (2010) afirmam que projetos de orientação espacial para pessoas com deficiência visual exigem uma análise detalhada do espaço, identificando informações potenciais que as permitam localizar e identificar atividades, percursos, referenciais, bem como compreender as relações espaciais.

Por fim, Martins (2008) acredita que, quando as situações promovem maus resultados, fomentam uma autopercepção negativa, ou seja, quanto mais os espaços são inacessíveis para pessoas com deficiência, mais elas se sentirão excluídas e deixarão de frequentá-los. De acordo com a autora, quanto mais se é consciente acerca das dificuldades impostas para estas pessoas, mais elas são recepcionadas de forma positiva. Portanto, identificar e compreender as experiências e comportamentos de pessoas com deficiência visual com relação ao espaço auxiliam os projetistas a formular soluções que favoreçam os seus processos de orientação e mobilidade.

É nesse sentido que Faria e Elali (2012) defendem um projeto participativo durante a sua fase de desenvolvimento, visando estreitar o contato entre projetistas e usuários, pois “no caso da ausência total ou parcial de visão, boas soluções exigem, além de conhecimento teórico, contato direto com usuários” (BINS ELY; DISCHINGER, 2010, p. 95):. Bernardi (2007, p. 82) ainda complementa:

[...] [o usuário] pode indicar quais estímulos ambientais devem prevalecer no projeto para que as suas sensações auxiliem a sua orientação e mobilidade no ambiente, mas

47

é competência do projetista identificar e gerenciar as respostas realmente significativas para transformá-las em soluções arquitetônicas de qualidade.

Diante do exposto, durante o planejamento de espaços, torna-se essencial aproximar o usuário e o projetista para que este consiga desenvolver um projeto mais próximo possível de um ambiente idealizado por aquele.