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Segundo Costa et al. (2010), etnografia é o estudo dos povos e das suas culturas. Hammersley e Atkinson (1983) interpretam o conceito de etnografia como um método de pesquisa social, alimentando-se de ampla gama de informações, utilizada por pesquisadores de distintos campos de investigação, na qual a etnomatemática se inclui. É definida como uma pesquisa sobre instituições, baseada na observação participante e/ou em registos permanentes da vida diária nos locais e contextos em que naturalmente acontece. A expressão investigação qualitativa é um termo genérico que agrupa diversas estratégias de investigação que partilham determinadas características (Bogdan & Biklen, 1994). Foi usado este tipo de investigação para compreender com bastante detalhe e crítica as informações precisas.

No campo teórico-político-epistemológico, a investigação em causa apoia-sena teoria crítica de Habermas (1999). Teoria que remete para uma visão das relações humanas e da ética, em que a comunicação está no âmago da construção de um universalismo que se funda na intercompreensão e no diálogo (Russ & Leguil, citados por Mesquita, 2014). No campo

pedagógico, o pensamento de Paulo Freire (1980) e o conceito de curriculum trivium de

D`Ambrosio (2009) foram dois farois na busca do caminho da consciencialização dos participantes, desde os membros das comunidades locais aos da académica, num percurso em

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que todos foram educadores e educandos (Mesquita, 2014). No campo metodológico, a etnografia é a ferramenta que liga a teoria à investigação empírica e à participação da comunidade, constituindo-se ela própria como uma estratégia e um meio para empoderar, consciencializar e projetar a voz dos membros das comunidades. Sendo a etnografia o método integrador, não se privilegiaram métodos ou técnicas específicos, a preocupação foi a de projetar a voz dos membros das comunidades locais, conferindo-lhes estatuto de colaboradores e de coautores dos processos e dos resultados da própria investigação, incluindo o texto final. Nesta conformidade, embora implementada noutras comunidades, mostra-se de antemão que a etnografia é o processo mais eficaz para uma investigação importante para as comunidades a que nos propusemos.

A etnografia interessa-se pelo local, pelo específico, pela natureza de um determinado fenómeno cultural. O investigador formula um determinado problema de investigação sobre algum aspeto da cultura que pretende estudar, seleciona determinado contexto de investigação, desenvolve contactos para aceder ao campo de estudo e define os procedimentos de escolha e análise de dados, que implementa num processo interativo entre essas duas dimensões do processo investigativo (Mesquita, 2014, p. 83).

A pesquisa em causa procura levantar a situação atual da educação, baseando-se na Etnomatemática, através dos saberes e saberes fazeres dos povos Himbas e Mucubais da região Sul de Angola. O nosso tema, Estudo Etnomatemático dos povos Mucubais e Himbas, foi escolhido tendo em conta que a Etnomatemática é um ramo recente, mas que pode ter implicações pedagógicas importantes para o ensino da matemática. Na região Sul de Angola residem vários povos com culturas diferenciadas, e os estudos feitos nesta linha de pesquisa são poucos (pelo levantamento que efetuamos). Notámos que a tribo em estudo é rica em artefactos que nos podem auxiliar no processo de aprendizagem da matemática. Com essa abordagem transdisciplinar, buscamos uma reflexão sobre questões atuais da educação matemática. Essa realidade conduz-nos à metodologia qualitativa, por ser aquela que melhor propicia um maior entendimento dos processos, procedimentos e práticas na construção dos saberes destes povos.

Ao optarmos por esta metodologia, julgamos estar próximo da realidade dos factos vivenciados das culturas Mucubal e Himba, povos com bastantes saberes culturais, que utilizam uma matemática do quotidiano à sua maneira. Vale reforçar que os subgrupos

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 Mucubais e Himbas pertencem ao grupo étnico Herero localizado nas regiões do Virei, Yona,

Kapangombe, e Curoca. Mas à medida que se desenrolou o conflito armado em Angola, desde a década de 60 até, aproximadamente, meados do ano 2002, muitos indivíduos deste grupo foram se expandindo para as diversas localidades do país e fora dele, acabando por lá viverem até aos dias de hoje. Os demais continuam a fixar-se nas suas áreas de origem. Com a emigração de alguns destes povos, muitos acabaram por ser influenciados pelos hábitos e costumes dos povos dominantes, e, como resultado, foram perdendo alguns dos seus ritos tradicionais.

2.3 Natureza da Investigação qualitativa em Educação

Bogdan e Biklen (1994) destacam que os investigadores em educação são oriundos de uma diversidade de posições, isto é, vêem de várias áreas de investigação científica, e têm interesses diversos. Alguns estudaram psicologia, outros, sociologia, outros, desenvolvimento infantil e ainda outros, antropologia ou assistência social. Por outro lado, a experiência profissional e a prática influenciam as questões que o investigador coloca. Por exemplo, ao estudar determinada escola, os assistentes sociais podem estar interessados na origem social dos alunos, os sociólogos podem centrar a atenção na estrutura social da escola e os psicólogos desenvolvimentistas podem desejar estudar o autoconceito dos alunos mais jovens. Deste modo, assistentes sociais, sociólogos e psicólogos, em função dos seus interesses diferentes, podem passar períodos de tempo diferentes em locais distintos de investigação ou a falar com diferentes pessoas. Recolherão diferentes tipos de dados e chegarão a conclusões diferentes, uma vez que existem olhares diferenciados. De igual modo, as perspetivas teóricas que os orientarão implicarão que os modos de estruturar o respetivo trabalho serão diferentes, tendo em conta os objetivos pré-estabelecidos. Bogdan e Bilklen (1994) também referem que a investigação qualitativa surgiu no final do século XIX e início do século XX, atingindo o seu auge nas décadas dos anos 60 e 70, por via do desenvolvimento e da divulgação de novos estudos. Nesta senda, Clem e Kemp (1995) salientam que, nos anos cinquenta do século XX, a escola de gestão e administração de Harvard começou por definir o estudo de caso apenas como uma forma de relatório descritivo, mas que, desde os anos 70, este tem vindo a ser reabilitado como um método de organização e tratamento de dados decorrentes de uma investigação de cariz essencialmente qualitativa, compreendendo tanto a observação

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sistemática como a observação informal, a entrevista, os questionários e os dados documentais.

Na investigação qualitativa propõe-se descrever e interpretar os factos socioculturais que permitem compreender os processos e as práticas, e a partir daí, inferir um conjunto de explicações, entendendo-se por inferência a descrição de fenómenos que não estão diretamente acessíveis à nossa compreensão, mas que serão os precursores das teorias (Lederman, Abd-ElKhalick, Bell, & Schwartz citados por Vieira, 2012). A esta ideia, Bogdan e Biklen (2006, p. 52) acrescentam que “a investigação qualitativa pode também ser entendida como um conjunto aberto de inserções, conceitos ou proposições logicamente relacionadas e que orientam o pensamento e a investigação”. De facto, a investigação qualitativa tem como instrumento principal o investigador, dado que o seu trabalho é verificado no terreno, as metodologias que se aplicam são abertas, dando possibilidades ao investigador de obter dados novos. Os atuais discursos e propostas no campo educacional têm contemplado, entre outras questões, as articulações entre os saberes escolares e quotidianos. Pesquisas no campo de educação matemática definem que há a necessidade de articular o saber com o saber quotidiano, apontando a importância desta articulação a fim de produzir ou dar significado ao ensino na Educação Básica (Monteiro, citado por Marques & Hartmann, 2014).

A pesquisa qualitativa pode assumir várias formas, dentre as quais temos a destacar a pesquisa etnográfica e o estudo de caso, que atualmente têm ganho maior aceitação e credibilidade, assistindo-se, nas duas últimas décadas do século XX, a uma utilização crescente de abordagens de natureza qualitativa na investigação (Ludke & André, 1986).

O presente trabalho consistiu na utilização da investigação qualitativa, na qual a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo, deste modo, o investigador como instrumento central no processo de investigação. Esta ideia foi reforçada pelas cinco características apresentadas por Bogdan e Biklen em 1994, a saber:

(i) Na investigação qualitativa, a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador, instrumento principal`.

Podemos constatar na investigação efetuada esta característica da pesquisa qualitativa, uma vez o investigador teve como fonte direta de dados um grupo de individuos das tribos

Mucabais e Himbas, para obter informações das técnicas e detalhes utilizados, tanto na feitura

das figuras pirogravadas nos objectos, na construção de casas, como nos jogos, em que notámos a utilização e aplicação de conceitos e processos matemáticos. Por outro lado,

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vivenciar o contexto na atuação com o referido grupo de participantes no estudo, foi relevante para o pesquisador, considerando o entendimento de Bogdan e Biklen (1994) de que certas ações podem ser melhor compreendidas quando são observadas no seu ambiente habitual de ocorrência.

(ii) A investigação qualitativa é descritiva.

Os discursos dos participantes e as informações fornecidas a partir das imagens permitiram obter dados acerca dos saberes e fazeres do povo em estudo. Foi possível descrever os detalhes que serviram de pistas para as descobertas dos conceitos ligados à matemática escolarizada.

(iii) Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos.

A este respeito, Lukde e André (1986, p. 12), evidenciam que “o interesse do pesquisador ao estudar um determinado problema, é verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas interações quotidianas”. A necessidade de procurar compreender os saberes mobilizados foi maior. Nesta senda, envolvemos sete elementos distribuídos da seguinte maneira: um historiador e antropólogo, três da tribo Mucubal e três da tribo Himba, em cujos relatos fomos percebendo os processos matemáticos aplicados no seu quotidiano. Mas temos a salientar que havia aqueles que foram sendo observados de forma esporádica, porque tínhamos interesse em partilhar ideias ligadas aos saberes deste povo.

(iv) Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva. Foram analisadas as informações obtidas das experiências particulares de cada participante, por meio de conversas e entrevistas dos elementos cujas práticas diárias observámos durante o processo de investigação. A tendência é identificar os saberes matemáticos aplicados pelos povos, por meio de um processo intuitivo, como afirmam Ludke e André (1986, p. 13): “as abstrações se formam ou se consolidam basicamente a partir da inspeção dos dados num processo de baixo para cima”. Aqui não se trata de comprovar as hipóteses, mas sim o estudo desenvolve-se quando o pesquisador se aproxima mais do objeto em estudo. Pires (2008, p. 54) ressalta que:

No princípio, existe um interesse amplo que aos poucos se afunila e aproxima mais do foco da pesquisa, tornando-a mais específica, ou seja, as abstrações são construídas à medida que os

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 dados particulares, que foram recolhidos, vão sendo agrupados de acordo com a perspetiva do pesquisador ao procurar retratar o ponto de vista dos participantes.

(v) O significado é de importância vital na abordagem qualitativa.

Ao questionarmos sobre o objeto em estudo, os informantes atribuíram diferentes significados a esse objeto, conforme a nossa perceção. Com o intuito de capturar a perspetiva dos informantes, confrontando a nossa perceção com a deles, para explicitar se a nossa está evidente em relação às informações obtidas. “A investigação qualitativa faz luz sobre a dinâmica interna das situações, dinâmica esta que é frenquentemente invisível para o observador exterior” (Pires, 2008, p.51).

Segundo Mirriam (citado por Pires, 2008), nas metodologias qualitativas, os intervenientes da investigação não são reduzidos a variáveis isoladas, como numa investigação quantitativa, mas vistos como parte de um todo no seu contexto natural. Ainda na mesma linha, a autora relata que para se conhecer melhor os seres humanos, a nível do seu pensamento, deverá utilizar-se para esse fim dados descritivos, derivados dos registos e anotações pessoais de comportamentos observados. Os dados de natureza qualitativa são obtidos num contexto natural ao contrário dos dados de cariz quantitativo.

Na investigação qualitativa, o investigador deve estar completamente envolvido no campo de ação dos investigados. Considerando que, na sua essência, este método de investigação baseia-se também em conversas, ouvir e permitir a expressão livre dos participantes. A investigação qualitativa, por permitir a subjetividade do investigador na procura do conhecimento, implica que exista uma maior diversificação nos procedimentos metodológicos utilizados na investigação (Bogdan & Biklen, 1994). Nesta vertente, o presente estudo enquadra-se numa investigação de cariz qualitativo, como foi dito atrás, tendo em conta que a recolha dos dados foram efetuados num ambiente natural, onde podemos encontrar os elementos da tribo em estudo e os antropólogos que forneceram a história deste povo.

De acordo com Bogdan e Biklen (1994), as entrevistas qualitativas variam quanto ao grau de estruturação, desde as entrevistas estruturadas até às entrevistas não estruturadas. Os mesmos autores salientam que as entrevistas semiestruturadas têm a vantagem de obter informações passíveis de serem comparadas entre os vários indivíduos. Em muitos casos, o investigador utilizou a entrevista semiestruturada, pois permite obter maior segurança. Ela

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caracteriza-se pelo facto de ser estruturada de acordo com aquilo que o investigador quer saber. É semiestruturada porque o investigador coloca as questões ao entrevistado de maneira que este possa responder livremente, sem coação. Possibilita ao entrevistador recolher a opinião do entrevistado sem induzi-los a responder de forma determinada. Na condução desta entrevista, o entrevistador não deve interromper o entrevistado, pois isso estimula-o e dá-lhe possibilidades de aprofundar os seus pontos de vistas.

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