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2.3 A OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS

2.3.1 Origem da outorga no Código de Águas de 1934

Concernente à legislação brasileira, a primeira lei a tratar acerca da necessidade de se obter autorização para o uso dos recursos hídricos foi o Código de Águas de 1934 (Decreto- Lei nº 24.643/34). Assim, o instituto da outorga já estava inserido, precisamente em seu artigo 43 que assim estabelecia:

Art. 43. As águas públicas não podem ser derivadas para as aplicações da agricultura, da indústria e da higiene, sem a existência de concessão administrativa, no caso de utilidade pública e, não se verificando esta, de autorização administrativa, que será dispensada, todavia, na hipótese de derivações insignificantes.”

Importante destacar que o legislador empregou a expressão derivação como sinônimo de retirada. Assim, as derivações acima aludidas consistem na captação ou na retirada do recurso para tais usos, o que resultava na utilização do recurso hídrico, para posterior devolução no mesmo corpo hídrico em que houve a captação, ou em outro corpo receptor, segundo (GRANZIERA, 2001).

Percebe-se que inicialmente, o instrumento da outorga destinava-se a identificar e controlar as quantidades que eram retiradas e devolvidas ao corpo hídrico. Assim, segundo Granziera (2001, p.181):

O fundamento da necessidade da realização do balanço hídrico consiste no fato de o Código de Águas ter sido regulamentado de forma preponderantemente voltada à utilização da água para os aproveitamentos hidrelétricos, não tratando do planejamento para outros vários usos da água.

Saliente-se que, a legislação em comento, não trazia regras pertinentes ao gerenciamento dos recursos hídricos. Além disso, não havia também uma previsão quanto ao controle do uso em relação ao aspecto da qualidade da água, preocupação constante hoje da legislação atual, ou seja, da Política Nacional de Recursos Hídricos, que prevê em seu art. 11: “o regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o

controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água”.

Neste contexto, tornava-se perceptível que o instrumento legislativo sob enfoque, caracterizava-se por possuir pouca efetividade prática, notadamente, pelas lacunas normativas que apresentava, uma vez que eram muito tímidas as medidas concretizadoras do gerenciamento dos recursos hídricos.

Aliás, importante aduzir ainda, que o Código de Águas trazia três categorias de propriedade das águas, referentes ao seu domínio, quais sejam: as públicas, subdivididas em águas de uso comum e águas dominicais; as comuns e as particulares.

No entanto, a Constituição Federal de 1946 instituiu modificações pertinentes ao domínio das águas, mas somente com a Carta Constitucional vigente de 1988 é que, efetivamente, foram inseridos elementos norteadores da atual gestão dos recursos hídricos no Brasil. Neste contexto, também foram abolidos as disposições que faziam alusão às figuras da propriedade privada das águas, bem como, das águas municipais, (ANA, 2011).

Assim pertencem à União “os lagos, os rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham” (Art. 20, III da CF/88). Por sua vez, são de propriedade dos Estados e do Distrito Federal “as águas superficiais e subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União” (Art. 26, I da CF/88).

Neste sentido, tendo em vista o texto constitucional acima mencionado entende-se que, se um rio banha apenas determinado Estado, consequentemente, as águas subterrâneas e as constantes de reservatórios, construídos com recursos do Estado, municipais ou ainda com recursos particulares são de dominialidade estadual. De outro vértice, as águas acumuladas por meio de reservatórios construídos com recursos federais, mesmo em rio de domínio do Estado, pertencem à União.

Destarte, a forma como o instituto da outorga do direito de uso da água foi utilizado no Código de Águas de 1934, não atendia mais à realidade, uma vez que houve uma expansão em todos os aspectos relacionados ao mesmo. Assim, interessante destacar o que assevera Granziera (2001, p.182):

A evolução que se deu no cenário brasileiro, de aumento da população, urbanização e industrialização sem planejamento teve um rebatimento muito forte nos recursos hídricos, seja no que toca à quantidade, seja no que se

refere à qualidade. A utilização do recurso ficou, em certos locais e em certas épocas, quase que totalmente fora do controle do poder público.

Ademais, percebeu-se que a expressão “derivação” tornou-se inadequada e insuficiente para abranger tudo o que deveria abarcar o instituto da outorga do direito de uso da água, na nova realidade instaurada.

O instrumento de outorga teve que ser reformulado nas legislações cronologicamente posteriores, assumindo uma nova roupagem mediante uma visão mais abrangente do que aquela em inicialmente se propôs. Assim, a outorga foi disciplinada na Lei das Águas (Lei nº 9.433/97), como um dos instrumentos voltados à proteção dos recursos hídricos.

Todavia, com a edição da Lei nº 9.433/1997 instituiu-se a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e na oportunidade, criou-se o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Tal legislação em vigor revogou os dispositivos pertinentes à outorga inseridos no Código de Águas de 1934, ao tempo em que trouxe nova regulamentação ao instituto.

Assim, a nova legislação fora inspirada na legislação editada na França em 1964, trazendo a obrigatoriedade de uma gestão descentralizada e participativa da água. Com isso, deu-se uma nova regulamentação ao instrumento, cuja exigência encontra-se prevista no inciso XIX do art. 21, da Constituição Federal, segundo (FARIAS, 2008).

Por fim, o instituto da outorga serve para controlar a utilização dos recursos hídricos, possuindo relação intrínseca com o seu gerenciamento, estando presente nas legislações pertinentes aos recursos hídricos, nos ordenamentos jurídicos de diversos países, embora com natureza jurídica diversa entre as legislações que tratam da matéria.