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4 O INSTITUTO DO ÔNUS DA PROVA NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E

4.2 ÔNUS DA PROVA NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E A APLICAÇÃO NO

4.2.3 A presunção de legitimidade dos atos administrativos e a flexibilização do ônus

4.2.3.2 Origem e justificativa da presunção de legitimidade dos atos administrativos

Para melhor compreender a origem e a justificativa da presunção de legitimidade atribuída aos atos administrativos têm-se como parâmetro os estudos desenvolvidos por

Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fernandéz (2014). Explicam que no período em que as funções do Estado concentravam-se nas mãos do Monarca, era desnecessário qualquer atributo especial para o ato por ele proferido possui validade jurídica.

Quanto o Monarca intervém nos assuntos administrativos não precisa, de fato, do respaldo dos Tribunais e estes, por sua vez, não tem diante dos órgãos administrativos, o mesmo poder direto que diante dos súditos. Encontramos, por isso, preceitos explícitos em favor da executoriedade dos atos administrativos [...], com o uso direto da coação administrativa [...] A Administração e Justiça emanam as duas de um mesmo sujeito, o Monarca; são manifestações de um mesmo poder, com idêntica categoria e força (ENTERRÍA; FERNANDÉZ, 2014, p. 501-502).

A partir da Idade Moderna, surge o princípio da imediata executoriedade das decisões administrativas, pois, em favor de um “ato do rei” militava a presunção de validade (ENTERRÍA; FERNANDÉZ, 2014, p. 504).

No entendimento de Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fernandéz, atualmente, não se pode utilizar a mesma justificativa, qual seja, da soberania de um monarca, pois o sistema posicional da Administração em relação aos Tribunais deve ser explicado como um sistema de autotutela. Assim, a Administração, como sujeito de direito, está capacitada para “tutelar por si mesma suas próprias situações jurídicas, inclusive suas pretensões inovadoras do status quo, eximindo-se, deste modo, da necessidade comum aos demais sujeitos de obter uma tutela judicial” (ENTERRÍA; FERNANDÉZ, 2014, p. 517).

Anote-se, nesse contexto, que a autotutela administrativa tem caráter geral e confere à Administração autonomia em relação ao Judiciário, que só pode interferir nos autos administrativos para verificar a legalidade (ENTERRÍA; FERNANDÉZ, 2014, p. 517). Portanto, todos os atos editados pela Administração são executórios, independentemente de sentença declaratória prévia do Judiciário.

Afirmam Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fernandéz que:

Todos os atos administrativos [...] são executórios. Por isso se diz que a decisão administrativa (“decisão executória” na terminologia francesa) beneficia-se de uma “presunção da legalidade” que a torna de cumprimento obrigatório, sem necessidade de ter de obter qualquer sentença declaratória prévia (ENTERRÍA; FERNANDÉZ, 2014, p. 518).

Quanto à presunção de legitimidade, Celso Antônio Bandeira de Mello defende que “a justificação dos poderes, juridicamente regulados, que assistem à Administração Pública reside na qualidade dos interesses que lhe incube promover”. Bem por isso, sustenta o autor, “a utilização de suas prerrogativas só é legítima quando manobrada para a realização de interesses públicos e na medida em que estes sejam necessários para safistazê-los” (MELLO, 2015, p. 426).

Elenca Maria Sylvia Zanella Di Pietro alguns fundamentos a justificar a aplicação dos atributos da presunção de legitimidade e veracidade do ato administrativo: a) indica o procedimento e as formalidades que procedem a edição dos atos administrativos, pois constituem garantia de observância da lei; b) o fato de ser uma das formas de expressão da soberania do Estado, de modo que a autoridade que pratica o ato o faz com o consentimento de todos; c) a necessidade de assegurar a celeridade no cumprimento dos atos administrativos, já que eles têm por fim atender ao interesse público, sempre predominante sobre o particular; d) o controle a que se sujeita o ato administrativo, seja pela própria Administração sejam pelos demais Poderes, sempre com o intuito de garantir a legalidade do ato; e) a sujeição da Administração ao princípio da legalidade, o que faz presumir que seus atos tenham sido praticados conforme a lei (DI PIETRO, 2015, p. 241).

Em síntese, a presunção de legitimidade é a qualidade que se revestem os atos administrativos de se presumirem válidos, conforme o Direito. Celso Antônio Bandeira de Mello, no entanto, afirma que há uma presunção “juris tantum” de que seus atos estão em conformidade com o Direito (MELLO, 2015, p. 427), pelo que não é absoluto, pois admite prova em contrário.

Afirma Diogo de Figueiredo Moreira Neto que

[...] a legitimidade se deriva diretamente do princípio democrático, destinada a informar fundamentalmente a relação entre a vontade geral do povo e as suas diversas expressões estatais — políticas, administrativas e judiciárias. Trata-se de uma vontade difusa, captada e definida formalmente a partir de debates políticos, de processos eleitorais e de instrumentos de participação política dispostos pela ordem jurídica, bem como captada e definida informalmente pelos veículos abertos à liberdade de expressão das pessoas, para saturar toda estrutura do Estado democrático, de modo a se tornar necessariamente informativa, em maior ou menor grau, conforme hipótese aplicativa, do exercício de todas as funções e em todos os níveis em que se deva dar alguma integração jurídica de sua ação (MOREIRA NETO, 2010, p. 89).

A presunção de veracidade quanto aos fatos é no sentido de que presumem verdadeiros os fatos alegados pela Administração (DI PIETRO, 2015, p. 241). Ressalta-se que a Administração Pública pauta-se pela verdade dos fatos, pelo que o processo administrativo é orientado para a descoberta da verdade material.

Ensina Demian Guedes que:

[...] a presunção de legalidade implica que ato exarado pela Administração presume- se legal (conforme o direito), valendo até o reconhecimento jurídico de sua nulidade. Em decorrência de sua presumida correção, tem-se a presunção de veracidade do ato: seus pressupostos fáticos são admitidos como verdadeiros até prova em contrário (GUEDES, 2008, p. 245).

Para Marçal Justen Filho “a verdade material indica a necessidade de que o procedimento traduza, de modo efetivo e inafastável, a verdade sobre os fatos objetos da controvérsia” (JUSTEN FILHO, 2015, p. 331).

Fundamenta Sérgio Ferraz e Adilson Dallari na incompatibilidade entre o Estado Democrático de Direito e o autoritarismo do qual se reveste a imposição ao administrado de provar a improcedência do fato alegado pela Administração, para declarar que:

[...] o prestígio da presunção de legalidade dos atos como uma prerrogativa pura e exclusiva dos agentes públicos é um reflexo do brutal autoritarismo que sempre caracterizou a Administração Pública brasileira, em proveito dos que sempre a tomaram como instrumento de satisfação de seus interesses particulares, mas que não pode ser mantido, pelo menos com a mesma configuração e intensidade, nos tempos atuais, pois o Estado de Direito não convive com meios de favorecimento ao arbítrio e a emergência do conceito de cidadania é incompatível com a colocação do cidadão em posição subalterna aos agentes administrativos, seja qual for o escalão a que pertençam. [...] Em resumo: a presunção de legalidade vale até o momento em que o ato for impugnado. Havendo impugnação, em sede administrativa ou judicial, inverte-se o ônus da prova, porque, diferentemente dos particulares, que podem fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, a Administração Pública somente pode fazer aquilo o que a lei autoriza ou determina. Sendo assim, sempre cabe à Administração o dever de demonstrar que atuou conforme a lei”. (DALLARI; FERRAZ, 2012, p. 213).

Portanto, os atos da Administração Pública devem ser criados conforme a lei, pelo que se presumem legítimos. Assim, a presunção de legitimidade e veracidade, concebida pelo fato de que todos os atos administrativos devem ter base na lei e, também, viabilizar atuação expeditiva da Administração Pública a bem do interesse público.