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3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O PROCESSO ADMINISTRATIVO

3.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS

3.2.2 Princípio do contraditório

Passa-se, agora, ao estudo do contraditório, que também está inserido nas garantias abrangidas pelo devido processo legal. O inciso LV, do artigo 5º, da Constituição da República, estabelece o direito ao contraditório e a ampla defesa nos seguintes termos: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 1988).

É o princípio do contraditório garantidor da participação das partes na elaboração da decisão. Nesse sentido, afirma André Cordeiro Leal, quanto à construção da decisão no direito democrático, que “é processualmente provimental e construída a partir da legalidade procedimental aberta a todos os indivíduos e se legitima pelos fundamentos teórico-jurídicos do discurso democrático nela contidos” (LEAL, 2002, p. 101).

Defende André Cordeiro Leal, é necessária conexão entre o contraditório e a fundamentação das decisões, pelo que:

[...] mais do que garantia de participação das partes em simétrica paridade, portanto, o contraditório deve efetivamente ser entrelaçado com o princípio (requisito) da fundamentação das decisões de forma a gerar bases argumentativas acerca dos fatos e do direito debatido para a motivação das decisões. Uma decisão que desconsidere, ao seu embasamento, os argumentos produzidos pelas partes no iter procedimental será inconstitucional e, a rigor, não será sequer pronunciamento jurisdicional, tendo em vista que lhe faltaria a necessária legitimidade (LEAL, 2002, p. 105).

Realçando a importância do contraditório, Rosemiro Pereira Leal defende que:

o processo, ausente o contraditório, perderia sua base democrático-jurídico- principiológica e se tornaria um meio procedimental inquisitório em que o arbítrio do julgador seria a medida colonizadora da liberdade das partes (LEAL, 2018, p. 155).

Pondera Aroldo Plínio Gonçalves, quanto ao momento de realmente observar a garantia do contraditório, que seja exigido “na fase que precede o provimento, o ato final de caráter imperativo, seja garantida a participação daqueles que são os destinatários de seus efeitos”, em “simétrica igualdade de oportunidades” (GONÇALVES, 2012, p. 104).

Quanto ao princípio do contraditório, há, portanto, deslocamento do foco do debate processual – antes centrado na figura do julgador como o grande mediador – para então

contemplar a ampla participação das partes, em simétrica paridade, na construção da decisão (PENIDO; GONÇALVES, 2015, p.308). Assim, defende Aroldo Plínio Gonçalves que:

[...] com as novas conquistas do Direito, o problema da justiça no processo foi deslocado do “papel-missão” do juiz para a garantia das partes. O grande problema da época contemporânea já não é o da convicção ideológica, das preferências pessoais, das convicções íntimas do juiz. É o de que os destinatários do provimento, do ato imperativo do Estado que, no processo jurisdicional é manifestado pela sentença, possam participar de sua formação, com as mesmas garantias, em simétrica igualdade, podendo compreender por que, como, por que forma, em que limites o Estado atua para resguardar e tutelar direitos, para negar pretensos direitos e para impor condenações (GONÇALVES, 1992, p. 195).

Para André Del Negri “o contraditório não é apenas uma característica do procedimento atribuída à Parte pela Lei, como quer Fazzalari, mas sim uma garantia constitucional-fundamental legitimadora do Direito nos diversos eixos temáticos” (DEL NEGRI, 2011, p. 106-107).

A partir da constitucionalização do processo, afirma Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, quanto à concepção do contraditório:

[...] o que deve ser instaurado na dinâmica do procedimento é o quadrinômio estrutural do contraditório (e não binômio ou trinômio), ou seja, - informação-

reação-diálogo-influência – como resultado lógico-formal da correlação do

princípio do contraditório com o princípio da fundamentação das decisões jurisdicionais (destaques no original) (BRÊTAS, 2018, p. 130).

Na sua perspectiva constitucional, a construção dos provimentos estatais (jurisdicionais ou não) só pode se dar pela cooperação daqueles a quem ela interessa (ARAÚJO, 2019, p. 95). Nesse sentido, conforme assentou Fabrício Simão da Cunha Araújo, a propósito da concepção constitucionalista do processo e do contraditório, as partes “oferecerão os argumentos como se fossem tijolos e à função jurisdicional incumbe utilizar os melhores”, justamente “no sentido daqueles que edifiquem o caminho adequado à realização da Constituição, mas sempre dizendo, tijolo por tijolo, porque devem ou não ser utilizados” (ARAÚJO, 2012, p. 80).

Ainda a respeito do contraditório, Débora Fioratto e Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias defendem que:

O contraditório desempenha um importante papel, uma vez que garante a participação, em simétrica paridade, da construção da decisão, a todos os afetados por ela. Logo, apesar da tendência do movimento processual ter sido sempre pendular, ora o liberalismo processual e ora a socialização processual, verifica-se que no Estado Democrático de Direito, as partes devem deixar de ser meros espectadores e sujeitos passivos (socialização processual) à espera de uma decisão a ser prolatada pelo único intérprete do Direito e passar a atuar ativamente de forma a influenciar, através dos argumentos, a construção da decisão. (FIORATTO; BRÊTAS, 2010, p. 125)

Para Gabriela Oliveira Freitas, o contraditório “consiste no principal elemento estruturador do procedimento democrático, uma vez que garante que o provimento jurisdicional seja resultado da participação dos interessados” (FREITAS, 2014a, p. 22).

Desse modo, assegura-se, conforme afirma Gabriela Oliveira Freitas, “que as partes exerçam algum controle sobre o resultado da atividade jurisdicional, o que democratiza tal atividade” (FREITAS, 2014a, p. 26).

Para Sérgio Henriques Zandona Freitas, o contraditório é entendido como a participação das partes, sujeitos no processo, de forma simétrica e com tratamento paritário, a saber:

Assim, de forma mais ampla, o contraditório se traduz nas mesmas oportunidades que devem ser dadas às partes de serem ouvidas no processo (judicial ou administrativo), como também da paridade de tratamento, mesmos instrumentos processuais e da liberdade de discussão da causa, fazendo valer seus direitos e pretensões, ajuizando ação e apresentando resposta, requerendo e produzindo provas, interpondo recursos das decisões e apresentando resposta.

[...]

No entanto, Brêtas amplia a compreensão, respaldado em Paulo Roberto de Gouvêa Medina (Sentença emprestada: uma nova figura processual. Revista de Processo, v. 135, p. 155-156 e 159) e José Lebre de Freitas (A ação executiva depois da reforma, n. 1.6, p. 27-28), afirmando que a visão moderna do conceito de contraditório perpassa por uma garantia de efetiva participação dos envolvidos no litígio, por meio da plena igualdade em todos os atos processuais que sejam potencialmente importantes (fatos, provas, questões de direito; elementos ligados ao objeto da causa) e possam influir no provimento final, pelo que se reporta ao conteúdo normativo do art. 16 do nouveau côde de procédure civile francês em que “o juiz deve, em todas as circunstâncias, fazer observar e observar ele próprio o princípio do contraditório” (FREITAS, 2014b, p.84-85).

Assim, a partir da teoria constitucionalista, leciona Gabriela Oliveira Freitas no sentido de que “o contraditório não só tornou-se essencial para a existência do processo, mas também passou a ser tratado como garantia constitucional, essencial para a construção do Estado Democrático de Direito” (FREITAS, 2014a, p. 26).

Assentadas as proposições acima, constata-se que o exercício do contraditório permite a participação das partes interessadas, de forma igual, para a democratização do procedimento, sendo essencial, como discorre Gabriela Freitas, para que “haja um controle da atividade jurisdicional, evitando que esta seja exercida de forma arbitrária e discricionária pelos julgadores” (FREITAS, 2014a, p.26).

Humberto Theodoro Júnior afirma que:

O acesso à justiça, mediante um processo justo, é garantido por direito inserido entre os fundamentais catalogados pela Constituição. Entre os requisitos desse processo, figuram o contraditório e a ampla defesa (CF, art. 5º, LIV e LV), que envolvem, sem dúvida, o direito inafastável à prova necessária à solução justa do litígio. (THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 850-851).

Note-se que a expressão “litigantes”, defende Odete Medauar, “se aplica sobretudo no caso de particulares e servidores em situação de controvérsia com a Administração” e o termo “acusados” “designa as pessoas físicas ou jurídicas às quais a Administração atribui determinadas condutas, das quais decorrerão consequências punitivas” (MEDAUAR, 2016, p. 324).

Entende-se, com propriedade, de acordo com Nelson Nery Costa, que o “contraditório encontra-se inserido dentro da ampla defesa, quase que com ela se confundindo integralmente, na medida em que uma defesa não pode ser contraditória, sendo esta a exteriorização daquela” (COSTA, 2011, p. 223).

Portanto, “o contraditório propicia aos sujeitos a ciência de dados, fatos, documentos, argumentos, a cujo teor ou interpretação pode reagir, apresentado, por seu lado, outros dados, fatos documentos, argumentos” (MEDAUAR, 2016, p. 324).

Traçado este quadro conceitual do princípio do contraditório, na sequência do estudo, vai-se entender mais uma característica essencial da garantia do devido processo legal, que é o princípio da ampla defesa.