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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.3 ORIGEM POLÍTICO-IDEOLÓGICA DA RELAÇÃO EMPRESAS-GOVERNO

Neste contexto da relação entre empresas e governos, é necessário entender a lógica da ação política, sua extensão histórica e a abrangência de sua atuação. Primeiramente, a figura do Estado empresário refere-se a uma estrutura de análise centrada na teoria da escolha racional, por meio da qual se dá a invasão do “homem econômico”. Um dos estudiosos que utilizaram tal argumento foi Adam Smith, ao adotar os desenhos da lógica econômica para explicar a ação

política. Sua definição centra-se na explicação do comportamento social e político por meio de uma teoria sociológica, assumindo que as pessoas agem de forma racional (BAERT, 1997).

Segundo Baert (1997), os indivíduos agem de maneira intencional, dessa forma, a escolha racional se torna um subconjunto de explicações intencionais. Para tentar explicar suas ações ou mesmo dar sentido a elas, os indivíduos as revestem de referências, finalidades e objetivos. Delas resultam as explicações dessa escolha, sendo subconjunto das explicações intencionais, dotando-as de racionalidade, agindo e interagindo, objetivando maximizar a satisfação e minimizar os custos. Sendo assim, confirma-se a “premissa da conectividade” e a “função de utilidade”, que são, respectivamente, a capacidade de ordenar as alternativas e atribuir-lhes uma numeração, de acordo com disposição de preferências (BAERT, 1997).

Seguindo o raciocínio apresentado por Baert (1997), que corrobora o que foi dito por Downs (1957) com relação à premissa de que políticos agem racionalmente, motivados por desejos pessoais, os políticos aliam a busca por renda, prestígio e poder ao ocuparem cargos públicos. Para obterem as vantagens pessoais, é necessário que sejam eleitos, portanto, as ações dos políticos visam à maximização do apoio, sendo orientadas para o aumento dos dividendos eleitorais. Orchard e Stretton (1997) afirmam que a maioria dos teóricos explicam o comportamento dos políticos tendo como motivação principal ou única o autobenefício material, e não pelos benefícios apresentados referentes à coletividade.

O Brasil, revestindo-se do Estado empresário, aliou movimentos políticos, ao viés econômico. Dessas opções históricas, estruturou-se o capitalismo de Estado, definido como “[...] a influência difusa do governo na economia, seja mediante participação acionaria minoritária ou majoritária das empresas, seja por meio do fornecimento de crédito subsidiado ou de outros privilégios a negócios privados” (MUSACCHIO; LAZZARINI, 2015, p. 10). Sob essa égide, verifica-se que o modelo referendava o porquê de a economia brasileira, durante anos, ter se alicerçado na capacidade estatal de investimento. Mas, antes dessas configurações, o país, por meio das empresas públicas, era o maior indutor da economia.

O movimento das privatizações visava à redução da influência estatal e o fortalecimento do setor empresarial nacional. O Brasil, desde o fim dos governos militares, constatava que tinha um setor estatal pesado, com sua capacidade de investimento estagnada, possuindo baixa

expertise para gerir entidades demasiadamente complexas, necessitando de uma gestão

orientada para obter resultado. Para a resolução dos problemas elencados acima, o país iniciou o programa de desestatização (ALMEIDA; SILVA, 1996).

Sallum Junior (2003) afirma que, na década de 1980, iniciou-se o processo de transição política, que se acentuou com a crise de Estado de 1983-1984, finalizando com o término do

primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso. O autor ainda demonstra que o Estado moderadamente liberal e alinhado com a democracia representativa caracteriza um novo padrão de estabilidade e a liberalização econômica (SALLUM JUNIOR, 2003). Entretanto, os entendimentos desse contexto são marcados pela transnacionalização do capitalismo13 e pela democratização da sociedade brasileira (SALLUM JUNIOR, 2003). Esse modelo neoliberal- conservador, vivenciado nos anos de 1990 e que contrapõe aquele adotado anteriormente (MATIAS-PEREIRA, 2005), foi o norteador das mudanças no modo de o Estado se comportar perante o mercado. O país vivenciava uma dependência estatal assustadora, pois decisões de caráter econômico-financeiro dependiam, de forma acentuada, da interferência planificada do Estado (IANNI, 1973).

A transição do período dominado pelo modelo desenvolvimentista para o modelo neoliberal apresenta características marcantes. Boito Junior (2007, p. 63) evidencia as seguintes:

a) Redução do ritmo do crescimento econômico;

b) Declínio do papel do Estado como empresário e provedor de serviços;

c) Mudança de planejamento, com o desaparecimento da prioridade do crescimento e do desenvolvimento industrial,

d) Desnacionalização da economia ampliada; e e) Redução dos direitos sociais e trabalhistas14.

Fazendo um demonstrativo do período de 1930 até os dias atuais, pode-se entender um pouco dessas transições, como evidenciado no Quadro 3:

Quadro 3 – Modelos e períodos da história político-econômica do Brasil

Período Modelo Viés/fase

(1930-1964) Desenvolvimentista Nacional reformista

(1964-1985) Desenvolvimentista Pró-monopolista da ditadura militar

(1985-1989) Transição democrática Liberal-democrático

(1990-2002) Neoliberal Liberal-democrático

(2003-2010) Novo desenvolvimentismo Popular

(2011-2015) Social desenvolvimentismo Popular

Fonte: Adaptado de Boito Junior (2007), Codato (2005), Oliva (2010), Bastos (2012) e Brasil (2013).

Os pilares neoliberais encontravam-se claramente nos governos de Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), uma vez que permanecia a hegemonia do grande capital financeiro internacional, junto a quem, os grandes bancos brasileiros funcionavam como burguesia compradora. Já o governo de Lula (2003-2010)

13 Desencadeada pela globalização financeira (SALLUM JUNIOR, 2003).

14 Maior do que aqueles que sofreram durante a fase ditatorial-militar do modelo desenvolvimentista (BOITO JUNIOR, 2007).

promoveu a ascensão política da grande burguesia brasileira, com a manutenção das relações do empresariado com o Estado, ancorando-se na agenda do “novo desenvolvimentismo” com viés popular e atuação articulada nos três eixos: o social, o democrático e o nacional (BOITO JUNIOR, 2007; OLIVA, 2010; BASTOS, 2012).

Nessa linha, Pinheiro (2006, p. 157) afirma que:

[...] o PT não abraçou o ideário neoliberal por completo e de uma vez por todas. Foi abraçando aos poucos e envergonhado e, à medida que abraçava, amenizava seu discurso classista até subordiná-lo completamente aos interesses do capital; sobretudo, substituindo a organização política de base pela de aparelhos meritocráticos os mais diversos: aí incluídos o próprio partido, os sindicatos, institutos, ONGs etc.

No espectro das mudanças, a agenda social-desenvolvimentista, mais fortemente desenvolvida no governo Dilma (2011-2016), tem como dever dar conta de ações substanciais na condução de políticas públicas para setores de desenvolvimento nacional e atração de investimentos externos naqueles de produção global, distinguindo, assim, os prioritários do aporte público dos que necessitam de mecanismos de fortalecimento externo (BRASIL, 2013). Todas essas conjunturas vão interferir na forma de relacionamento entre empresas e governo, denotando a participação cada vez maior do que se conhece como capitalismo de Estado (MUSACCHIO; LAZZARINI, 2014).

2.4 PATRIMONIALISMO

Entender um pouco da origem do Estado brasileiro é remontar a lógica da construção das instituições e, em especial, daquilo que norteia a prática administrativa do ente público nacional. Martins (2007), resumidamente, aponta que essa origem advém do Estado português, uma vez que o Brasil Colônia importou o modelo oriundo da monarquia instalada na metrópole. O autor afirma, ainda, que esse período brasileiro pode ser classificado como patrimonialismo, refletindo a falta de separação entre o que é público e o que é privado.

Para Faoro (2001, p. 865), existe um “capitalismo politicamente orientado” resultado de um patrimonialismo. Esse modelo capitalista dará lugar a uma forma alicerçada na “liberdade do indivíduo”, que o dota de capacidade e autonomia para executar as operações que lhe forem convenientes, quais sejam: “[...] de gerir a propriedade sob a garantia das instituições”. Dessa forma, conduzem os negócios públicos como se privados fossem (FAORO, 2001, p. 865).

Outra constatação é verificar de que os valores referentes à chamada etos patrimonialista, que a caracterizam, permearam diversas tentativas de avanços na gestão pública brasileira ao longo do tempo (MARTINS, 2007). Carregam consigo valores, atitudes e meios pelos quais lidam com a coisa pública. Essa base burocrática deu espaço a sistemas falhos e que prejudicaram a ação governamental. Oliveira e Lima (2015, p. 7) demonstram a origem dessa concepção burocrática:

O estamento burocrático tinha tido sua origem no que Weber denominava de “patrimonialismo”, uma forma de dominação política tradicional típica de sistemas centralizados que, na ausência de um contrapeso de descentralização política, evoluiria para formas modernas de patrimonialismo burocrático-autoritário, em contraposição às formas de dominação racional-legal que predominaram nos países capitalistas da Europa Ocidental.

Partindo dessa constatação, percebe-se que a administração pública brasileira, constituída de modelos difusos, age de maneira redundante sob o ponto de vista da ação empresarial, tomando decisões que não levam em consideração o bem-estar coletivo, mas que maximizam o benefício para a pessoa envolvida. Nesse sentido, surge outra forma de capitalismo, que tem orientação política e é atrelada à vontade de poucos, conforme afirma Brito (2015, p. 50-51):

Daí o surgimento de uma outra forma de capitalismo, o politicamente orientado. Neste plano, a forma é importante porque é justamente ela que a diferencia do capitalismo industrial: a acumulação é levada a cabo de modo distinto. Não estamos longe da teorização weberiana sobre as diferenças entre as economias voltadas para o “consumo” e aquelas voltadas para o “lucro”. A primeira seria orientada para a satisfação das necessidades de um Estado, ou de um grupo etc. Sua base de sustentação é o rentismo e o patrimônio. Já a segunda seria voltada para as possibilidades de ganho no intercâmbio econômico, e daí sua ênfase na calculabilidade. Como se pode imaginar, o patrimonialismo seria mais próximo da economia voltada para o “consumo”, pois é voltado para a renda daqueles que exercem o poder político. (grifo nosso).

Essa postura patrimonialista referente aos conselhos e à diretoria dos bancos que se encontram ligados pelas diversas conexões políticas resulta na necessidade de gerar rendas àqueles que exercem esse poder político, resultando em ações articuladas que almejam a permanência no poder e a sustentação das ações governamentais, que denotam o Welfare State.