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MULHERES, GESTOS, REPRESENTAÇÕES: O TRABALHO E A HONRA

3 IDENTIDADE, HONRA, RIQUEZA E STATUS NAS HISTÓRIAS DE PRETAS VENDEIRAS

3.1 Um pouco de origens

É impossível descortinarmos quando, pela primeira vez, surgiram os mercados com suas feiras tumultuadas e alaridos, e quando, nesses mercados, ecoaram as vozes das primeiras vendeiras. A origem dessas feiras se perde, não apenas na noite dos tempos, mas, por seu caráter universal, perde-se ainda na multiplicidade de lugares onde provavelmente surgiram como que espontaneamente, como uma lei da própria sobrevivência. Braudel, ao descrever as feiras do mundo europeu medieval e moderno, deixa uma imagem que talvez se preste à generalização:

Se este mercado elementar, igual a si próprio, se mantém através dos séculos é certamente porque, em sua simplicidade robusta, é imbatível, dado o frescor dos gêneros perecíveis que fornece, trazidos diretamente das hortas e dos campos das cercanias.163

Mercado elementar, sim, e no entanto constituinte do universo de representações de muitos povos e culturas, em tempos e espaços distintos, como que respondendo a um imperativo universal de abastecimento de necessidades primárias do gênero humano.

Não é incomum, por exemplo, encontrarmos referências a mercados e mulheres vendeiras na mitologia iorubá. Alguns mitos da região africana de cultura iorubá narram episódios de vendeiras que enriqueceram ou caíram em ruína conforme os caprichos dos orixás.164 Em uma dessas narrativas, tão míticas quanto poéticas, fala-se que

Abionã vendia roupas no mercado. Era mulher próspera e respeitada.

Todos cumprimentavam Abionã solenemente quando ela ia ao mercado fazer o seu comércio. Mas havia muito Abionã se esquecera de Exu; nada de ebós, de suas comidas prediletas,

163 BRAUDEL, Fernand. Civilização Material e Capitalismo, séculos XV-XVIII. Vol. 2: Os Jogos das

Trocas. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 15.

nada de aguardente, pimenta e dendê. Ela não se lembrava que Exu lhe dera tudo. Exu dera tudo o que tinha.

(...).

Segue-se, então, o castigo de Abionã: Exu se vinga dela fazendo sua casa pegar fogo, e deixando que sua banca no mercado fosse roubada. Mas de outra feita, Ogum, que aparecera com seu exército todo faminto, dirigiu-se a uma vendeira de acaçá – mingau – para que esta saciasse a fome do grupo. E como “Ela os serviu atenciosamente e com abundância”, Ogum dividiu com ela o seu butim de guerra; e “Foi assim que a vendedora de Acaçá tornou-se riquíssima e divulgou o gesto de Ogum por toda parte.” Até mesmo Iemanjá, talvez a mais importante figura dos cultos afro-brasileiros, trabalhava no mercado, “onde sempre vendia seus quitutes.”.165

É reconhecida a importância das mulheres africanas de cultura iorubá na circulação de gêneros comestíveis em sua região de origem. Essa habilidade cruzou o oceano, quando do tráfico atlântico de escravos, e desembocou, sobretudo, na Bahia, para onde o afluxo de escravos da Costa da Mina foi mais intenso do que para os outros pontos de desembarque na costa brasileira.

O Recife, ao que parece, não foi o foco privilegiado do tráfico de escravos conhecidos como minas, devido ao nome do porto de embarque na costa africana, situado no Benin, a sudoeste da atual Nigéria. Segundo Marcus Carvalho, a principal rede de tráfico de escravos que desde o século XVIII abastecia o Recife tinha o sentido Brasil/Angola/Benguela. O contato entre o sudoeste africano (incluindo aqui o Congo) e Pernambuco, salienta o autor, era fartamente favorecido pela relativa proximidade, o que seria a razão da baixa taxa de mortalidade nessa rota de tráfico.166

Mas o fato de Pernambuco não ter acolhido grande quantidade de mulheres negras minas, cuja cultura favorecia as habilidades mercantis femininas, não deve ser interpretado como inexistência ou menor incidência de um gênero de comércio que era comum em outras

165 PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 58, 98 e 389-390,

respectivamente. A mitologia dos povos iorubás constitui uma narrativa rica em imagens do cotidiano. Por seus mitos, acaba-se conhecendo muito dos costumes das pessoas comuns, além das origens e atributos dos orixás. Reginaldo Prandi coletou e sistematizou 301 mitos africanos e afro-americanos. Alguns desses mitos falam de vendeiras ou de mulheres que iam ao mercado comprar mercadorias.

regiões do Brasil colonial e imperial. As escravas vindas da África Centro-Ocidental – Congo Norte ou Cabinda, Angola e Benguela –, que vieram em maior número para o Recife, culturalmente também se envolviam no chamado comércio miúdo. À sombra do tráfico de escravos que enriquecia os grandes traficantes, havia nas cidades atlânticas da costa ocidental africana o pequeno comércio de gêneros alimentícios. Selma Pantoja sustenta mesmo que

Esse comércio de caráter secundário era essencial na distribuição dos alimentos para as cidades e portos. A venda de gêneros básicos foi uma das tarefas das mulheres que garantiam o feijão, a farinha, a carne e o peixe seco para a alimentação dos escravos. (...) Para a região da África Central Ocidental, as quitandeiras são o exemplo de como atuava essa rede comercial de gêneros de primeira necessidade, registrando-se, também, como as migrações transatlânticas trouxeram para as cidades coloniais brasileiras essas comerciantes. 167

Pantoja, portanto, salienta a importância do pequeno comércio que as mulheres dominavam na África Central e Ocidental para a existência do grande comércio dedicado ao tráfico atlântico de escravos. A autora, entretanto, vai mais além, chegando a perceber os vínculos entre as migrações forçadas dessas mulheres e a continuidade desse modo de vida no mundo americano. Como evidência da existência de uma vida ativa nos mercados da região Centro-Ocidental da África, até mesmo a linguística o prova:

Os mercados tão comuns por todo o continente africano, na região da África Central Ocidental, mais especificamente entre os umbundu, são designados Kitanda, termo que deu origem, no português, a quitanda.168

Desse modo, a maior parte das mulheres escravizadas que serviam como vendeiras no Recife eram designadas como sendo angolas, congos, cabindas, caçanges, gabões, loandas

167 PANTOJA, Selma. A dimensão atlântica das quitandeiras. Pp. 45-67. In FURTADO, Júnia Ferreira. (org.).

Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001, p. 46. Para uma discussão densa acerca da relação entre o

pequeno comércio e escravas de nação, ver KARASCH, Mary C. Op. Cit., pp. 35-66. Ver ainda Dias, Maria Odila da Silva. Quotidiano e poder. Op. Cit.: “Em anúncios de jornais e nos raros maços de população, que

discriminavam a origem dos escravos, preponderavam numericamente as escravas de Angola e de Moçambique, do grupo bantu, que aliás, em suas terras, também praticavam um comércio ambulante e de feiras, de comestíveis e de primeira necessidade, (...) o que não exclui a presença de práticas de comércio do Daomé e Congo, por escravas iorubanas (...).” p. 116.

168 In FURTADO, Júnia Ferreira. (org.). Op. Cit., p. 46. Em nota, Selma Pantoja esclarece a etimologia do

termo: “Quitanda: em Kikongo, Kitanda, , feira quotidiana, feira, lugar da feira, tanto feira de víveres como

ou songos (estas, em menor quantidade). Isso não significa a inexistência de cativas vindas da África Ocidental e Oriental, no exercício do pequeno comércio de tabuleiro, pois havia algumas minas e moçambiques também. Apenas essas últimas não preponderavam numericamente.169 Deve-se reconhecer ainda que a documentação, não raro, omite informações acerca da origem africana das escravas, e, sobretudo, omite ainda o ofício que desempenham. O mesmo se dá com as mulheres livres pobres e forras presas pelas autoridades policiais ao se envolverem em freqüentes distúrbios urbanos.

Reforçando os argumentos de Selma Pantoja, Flávio dos Santos Gomes e Carlos Eugênio Líbano Soares reconhecem que a quitanda é uma invenção social dos povos bantos da África Central. Acrescentam, entretanto, que na diáspora atlântica houve ainda a alteração que fez das mulheres de nação mina serem as hegemônicas na atividade, uma afirmação que precisa ser contextualizada e tomada com ressalvas no caso de áreas escravistas do Brasil de menor relação com a região da Costa da Mina, como é o caso do Recife.170 Na falta de dados estatísticos que possam confirmar, cremos pelos anúncios de

jornais – Fugas de Escravas e Avisos Diversos – que as vendeiras recifenses eram provenientes, em sua maioria, da rede de tráfico do centro-oeste africano, ou então escravas crioulas, além de mulheres livres pobres e libertas.

Mas se em vastas regiões africanas o comércio de abastecimento primário era monopólio feminino, também em Portugal, devido à constante migração masculina, essa atividade caiu em mãos das mulheres.171 As cidades e vilas coloniais, desse modo, fundaram-se sob a influência africana e portuguesa no que tange ao tradicional gênero de pequeno comércio de abastecimento urbano, notadamente o alimentar. Segundo Luiz R. B. Mott, os portugueses já dispunham de longa tradição em mercados e feiras. O mesmo autor

169 O Diário de Pernambuco da década de 1840, sobretudo nas seções Avisos Diversos e Escravos Fugidos,

possibilita estabelecer a relação ofício/nação de origem, e é baseado nesse periódico que chegamos às conclusões acima. Em um único dia, estavam postas à venda 9 escravas das seguintes nações: Rebollo (1), Cabinda (1), Benguella (1), Baca (1) e Angola (3). Duas angolanas eram descritas como boas quitandeiras, entre outras qualificações. Isso atesta a grande presença de escravas da África Centro-Ocidental no Recife. Ver D. P., 10/03/1840. Para completar o quadro das estrangeiras, havia ainda inúmeras mulheres portuguesas que se ofereciam para os serviços domésticos.

170 Cf. GOMES, Flávio dos Santos; SOARES, Carlos Eugênio Líbano. “Dizem as quitandeiras...” Ocupações

urbanas e identidades étnicas em uma cidade escravista: Rio de Janeiro, século XIX. P. 3-16. In Acervo –

Revista do Arquivo Nacional. Vol. 15, Nº 2, de jul/dez 2002. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2002, p. 8.

171 Cf. FURTADO, Júnia Ferreira; VENÂNCIO, Renato Pinto. Comerciantes, Tratantes e Mascates. Pp. 95-

113. In DEL PRIORE, Mary. (org.). Revisão do Paraíso: os brasileiros e o estado em 500 anos de história. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

acredita que o objetivo português em instalar feiras na sua Colônia americana era menos o de satisfazer “as necessidades de subsistência imediata dos habitantes dos pequenos núcleos populacionais da Bahia”, do que “provocar a concentração de mercadorias nativas a serem exportadas para a metrópole”.172 Seja como for, é inegável que as feiras e as negras de tabuleiro foram fundamentais ao abastecimento das vilas coloniais. Mott indica mesmo que sem o comércio ambulante praticado em grande medida pelas “gentes de cor”, sobretudo negras vendedeiras, “seria praticamente inviável viver no Rio de Janeiro, Salvador e Recife, especialmente durante os século XVIII e XIX.”173 Pode-se acrescentar que também na dinâmica e urbana sociedade mineira do setecentos, a figura onipresente responsável pela circulação de mercadorias de consumo rápido, como bebidas e comidas, era a das negras de tabuleiro e das proprietárias de pequenas vendas.174

A América portuguesa, na verdade, caracteriza-se pela diversidade de seu comércio. Júnia Ferreira Furtado e Renato Pinto Venâncio destrincharam a hierarquia do comércio colonial da seguinte maneira: havia o chamado comércio de grosso trato, dominado hegemonicamente por homens brancos da Metrópole, donos de estabelecimentos mercantis importantes e possuidores de grandes somas de capital; em segundo lugar, vinha o comércio interno, que ficava nas mãos de homens brancos nascidos na própria colônia e desprovidos de maior capital, muitos deles eram mercadores volantes que trabalhavam por comissão para um comerciante de grosso trato estabelecido nos portos, e assim faziam circular pelas distâncias coloniais os gêneros importados por comerciantes maiores e de comércio fixo na região portuária; por fim, já próxima ao consumidor direto, havia uma rede ampla de grupos sociais responsáveis pelo chamado comércio miúdo, que era predominantemente dominado por negros, mestiços e forros, e em particular por mulheres.175

172 Cf. MOTT, Luiz R. B. Subsídios à história do pequeno comércio no Brasil. Revista de História. Ano

XXVII, vol. LIII. São Paulo: 1976, pp. 80-106. Neste estudo pioneiro sobre o pequeno comércio no Brasil, Luiz R. B. Mott identifica algumas diferenças importantes na origem dos mercados e feiras latino-americanos. Países como México e Guatemala possuíam mercados pré-hispânicos famosos e movimentados, enquanto para o Brasil e a maioria dos países latino-americanos “as feiras constituíam uma inovação que era desconhecida

da população nativa.” P. 82.

173 Idem, pp. 100-101.

174 Cf. FIGUEIREDO, Luciano. O Avesso da Memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais

no século XVIII. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília, DF: Edunb, 1993.

175 Cf. FURTADO, Júnia Ferreira; VENÂNCIO, Renato Pinto. Comerciantes, Tratantes e Mascates. Pp. 95-

Furtado e Venâncio apontam para as características fundamentais do pequeno comércio, notadamente o seu exercício prioritário pelas mulheres e a feminização desse setor importante de sobrevivência. Afirmam que

(...) o pequeno comércio freqüentemente era dominado por mulheres de origem humilde. Os homens, obviamente, não estavam ausentes dessas atividades, mas nelas ocupavam uma posição secundária. A passagem do “grande” comércio para o “pequeno” significava, nesse sentido, o deslocamento do mundo masculino para o feminino.176

O pequeno comércio ainda se subdividia em comércio fixo (vendas) e comércio volante (usualmente associado às mulheres de tabuleiro). As vendeiras podiam possuir ou não alguns cativos. Recebiam em suas vendas toda a gama de desclassificados sociais, e podiam ainda dar guarida a prostitutas, propiciando e estimulando uma intensa vida social no universo da venda, espaço por excelência da mistura de elementos físicos e culturais. O pequeno comércio volante, apesar de alguns homens o exercerem, pode ser considerado um universo predominantemente feminino. Furtado e Venâncio não deixam dúvidas de que “as atividades econômicas femininas se concentravam nos níveis mais baixos da hierarquia social”.177 Essa relação gênero/atividade é também assinalada por Selma Pantoja, que estudou o tema das quitandeiras nos dois lados do Atlântico, apontando continuidades e rupturas na transposição do ofício de quitandeiras da África para o Brasil colonial. Em suas palavras:

(...) no transporte para a outra margem do Atlântico ocorreu uma mudança de gênero no ofício. Enquanto na terra dos umbundu foi sempre um ofício de mulheres, na travessia atlântica surgiu, do lado americano, também a figura do quitandeiro. Neste caso, não só o tabuleiro, mas o comerciante de uma pequena loja que vende verduras, legumes e frutas (...). Em Luanda, quitandeira continua sendo, até hoje, uma profissão exercida por mulheres.178

Enfim, apesar de o pequeno comércio ser uma atividade largamente difundida entre as mulheres inseridas na América portuguesa desde o período colonial, os homens também se

176 Idem, ibidem, p. 104. 177 Idem, ibidem, pp. 104-106.

178 PANTOJA, Selma. A dimensão atlântica das quitandeiras. Pp. 45-67. In FURTADO, Júnia Ferreira. (org.).

Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001, p. 62.

incorporaram à atividade. A historiografia brasileira ainda precisa, entretanto, mensurar qual a real dimensão das presenças masculina e feminina no âmbito dessa atividade, adentrando os contextos específicos de cada época e lugar.

É necessário lembrar que a passagem da Colônia para o Império não vai assistir ao fim das atividades comerciais femininas no abastecimento das cidades. Os ditos grandes eventos da política institucional, que marcaram o processo de autonomia do Brasil frente a Portugal, pouco alterariam esse cotidiano de pequeno comércio. Se no período colonial já havia vigilância por parte das Câmaras Municipais, o Império continuará vigilante e normativo. Se antes, era grande a atuação de mulheres vendendo quitandas em tabuleiro ou em barracas fixas, essa situação persistirá na esfera do cotidiano, sendo notada pelos inúmeros viajantes que se tornaram cada vez mais presentes em terras tropicais. Nesse sentido, acreditamos em Agnes Heller, quando afirma que as estruturas da política e da vida cotidiana são esferas heterogêneas nas quais se dá de modo distinto “o ritmo da alteração das estruturas sociais”.179 Isso não significa que essas esferas estejam isoladas ou que não possam

interagir. No Recife da Guerra dos Mascates, por exemplo, humildes negras mariscadeiras mandadas à praia para mariscar eram vítimas dos tiroteios da briga política dos brancos. Diz José Bernardo Fernandes Gama:

(...) e sendo quotidiano este exercício [o da coleta de mariscos], e em muitos dias duas vezes repetido, poucas vezes se recolheram a seu salvo, sem que de fóra lhes apanhassem algumas negras.180

Desde muito tempo, o exercício dos papéis informais femininos ligados ao pequeno comércio e ao abastecimento das vilas e cidades coloniais esteve diretamente ligado ao controle que as Câmaras Municipais tentavam exercer sobre as mulheres e sua função. Uma vasta bibliografia já demonstrou essa relação inequívoca.181 Para a capitania, e depois província de Pernambuco, a história dessa relação se encontra prejudicada em virtude da

179 HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. 4ª ed., Trad.: Carlos Nelson Coutinho/Leandro Konder. São

Paulo: Paz e Terra, 1992, p. 3. Cf. ainda DIAS, Maria Odila da Silva. Op. Cit., p. 18.

180 Cf. GAMA, José Bernardo Fernandes da. Memórias Históricas da Província de Pernambuco. 1844, Vol.

IV, p. 137. Apud DIAS, Maria Odila da Silva. Op. Cit., p. 32.

181 Cf. a primeira parte da dissertação. O desafio das mulheres pobres no decorrer do século XIX pode ser

sintetizado na frase de Maria Odila da Silva Dias: “A verdade é que suas vidas vão se tornando

gradativamente mais árduas, cada vez mais penoso o confronto com as autoridades do fisco, das terras, da higiene e da moral pública”. Cf. Op. Cit., p. 17. Alguns trabalhos notaram a vigilância das autoridades sobre o

comércio miúdo, como FIGUEIREDO, Luciano. Op. Cit.; DIAS, Maria Odila da Silva. Op. Cit.; SOARES, Cecília Moreira. Op. Cit., entre outros.

documentação da instituição da Câmara ainda está em processo de organização. O que nos faz seguir outros caminhos não menos esclarecedores.

Um dos caminhos escolhidos foi o de seguir algumas trajetórias individuais de vendeiras, até o ponto em que foi possível construir uma curta história pessoal. A história de cada uma constitui um ponto de partida interessante para que se investigue como certas noções culturais eram percebidas por essas mulheres, e que desafios elas tiveram de enfrentar para uma possível mudança de status. Do mesmo modo, essa abordagem pode servir para testarmos algumas teses conflitantes já bem fundamentadas sobre o tema, e que são basicamente de duas ordens: empobrecimento/riqueza decorrente da atividade exercida, adoção ou não de valores prescritos pelas camadas dominantes.