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Psicomaquia: a vida humana como uma luta entre o Bem e o Mal

1- As origens da Psychomachia

O século IV d. C. foi um período de confronto entre paganismo e cristianismo no mundo greco-romano. O Neoplatonismo e a interpretação alegórica das tradições religiosas e culturais caracterizaram as posições destes dois grupos em conflito. A tradição de interpretação alegórica do Cristianismo tem suas raízes numa longa história, já que os intérpretes cristãos procuravam entender a Escritura Judaica e torná-la sua. A literatura alegórica se desenvolveu e, diante da crescente influência do cristianismo, ocorreu a difusão da alegoria na épica e a interpretação alegórica em gêneros não épicos no contexto cristão ou pelo menos em contextos influenciados pelo Cristianismo494.

Prudentius (348-405 d. C.) é considerado o iniciador da tradição épica alegórica. Sua obra, Psychomachia, descreve alegoricamente uma série de batalhas entre virtudes e vícios em torno do domínio da alma humana. Os guerreiros que apresenta recebem os nomes das qualidades morais que representam – Paciência e Ira, Sobriedade e Luxúria -, além de serem os antecedentes maiores das personificações da épica alegórica medieval e renascentista495. A prática de introduzir personagens narrativas na épica, cujos nomes representam qualidades abstratas e cujas ações são também comparáveis às ações dos heróis ou deuses existia desde a época de Homero, e foi também um lugar épico comum explorado por Virgílio e Ovídio. Na tradição épica mais antiga, a alegoria é uma figura entre muitas; para Prudentius, a alegoria é central e domina a sua obra496.

492SANTA FÉ, Viviana H. La battalla en el alma. El tipo de lucha en la Psychomachia de Prudencio y sus raíces bíblicas. Cristianismo e Helenismo en la Filosofia Tardo-Antigua e Medieval. Faculdad de

Humanidades y Arte. Universidade Nacional de Rosario. Rosario: Paideia Publicaciones, 2009, p. 62-64.

493WHITMAN, Jon. Allegory. The Dynamics of an Ancient and Medieval Technic, p. 83. 494LAMBERTON, Robert. Homer, the Theologian, p. 146.

495LAMBERTON, Robert. Homer, the Theologian, p. 146. 496LAMBERTON, Robert. Homer, the Theologian, p. 145-146.

O conceito de psicomaquia é anterior ao próprio cristianismo. Os filósofos gregos que falam sobre a natureza da virtude reconhecem as polaridades entre o Bem e o Mal, mas concebem esta relação como algo que é regulado pela razão e não pela vontade. Platão esboça a teoria das três faculdades da alma, sendo que cada uma delas governa uma parte específica do corpo497. No Fedro, apresenta um retrato vívido do conflito que acontece entre as três faculdades da alma com a analogia do cocheiro e dos dois cavalos. Na medida em que o cavalo branco (o intelecto) e o cavalo negro (vontade) começam a agir, o cocheiro (razão) deve mediar e dirigir estas forças498. Aristóteles, por sua vez, afirma que a escolha

497“O construtor divino foi ele mesmo; mas a tarefa da geração dos seres mortais ele confiou a seus filhos. Imitando-o nesse particular, depois de receberem o princípio imortal da alma, aprestaram em torno dela uma sede mortal de forma globosa, a que deram como veículo todo o corpo, no qual construíram outra espécie de alma, de natureza mortal, cheia de paixões terríveis e fatais: em primeiro lugar, o prazer, a maior isca do mal; depois, as dores, a causa de fugirem os bens, e também a coragem e o medo, dois conselheiros imprudentes, assim como a cólera difícil de convencer, e a esperança, tão fácil de burlar. Então, misturando essas paixões com a sensação irracional e o amor que não recua de nenhuma aventura, compuseram a raça mortal, segundo a lei da necessidade” (Timeu 69 c-d.). 3ª ed. Tradução de Carlos Alberto Nunes (Belém: Editora da Universidade Federal do Pará, 2001), p. 116-117. Cf. também LIMA VAZ, Henrique C. de. Antropologia

Filosófica. Vol. I. São Paulo: Edições Loyola, 2004, p. 32-33.

498 Margarida Michele Paulo, na sua obra Indagação Sobre a Imortalidade da Alma em Platão (Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996), p. 46-47: afirma: “A psychê assemelha-se a uma força natural composta de uma parelha de cavalos alados e seu cocheiro. A parelha de cavalos é a parte irascível e concupiscível da psychê, enquanto que o cocheiro é a parte racional. Os dois cavalos significam a parte irracional da psychê, por oposição ao cocheiro que, em sua função condutora, traduz evidentemente a idéia de psychê racional. Os

cavalos dos deuses são bons e de elementos nobres; porém os dos outros seres são compostos”. Por isso, a

direção das rédeas é tarefa difícil: ‘De onde vem ser denominado mortal e imortal, o que tem vida. Sempre é a

psychê toda que dirige o que não tem psychê, e, percorrendo a totalidade do universo, assume apenas formas

diferentes. Quando é perfeita e alada, caminha nas alturas e governa todo o universo. Vindo a perder as asas, é arrastada até bater nalguma coisa sólida, onde fixa morada e se apossa de um soma de terra, em virtude da força própria da psychê. Essa composição tem o nome de animal, a psychê e o soma ajustados entre si, e é

designada como mortal. A imortal não pode ser compreendida racionalmente’ (Fedro 246 b-d). Segundo Michele Paulo, Platão mostra, através “dessa imagem que nossa natureza é marcada pela ambigüidade”. A psychê é [...] uma força ativada natureza, que circula pela totalidade do universo movendo e vivificando tudo.

Somos um ser misto, isto é, mistura de dois princípios de valor desigual, simbolizados pelo cocheiro é por esses cavalos que, por si mesmos e por sua origem, não são de natureza superior. O cocheiro representa a

psychê racional, o cavalo que sobe, a psychê vaporosa da coragem; ama a prudência e a moderação;

companheiro da opinião verdadeira, não precisa ser batido para ser conduzido, a palavra de encorajamento é suficiente para ele; o cavalo que puxa o carro para baixo, a psychê concupiscente, que, pelo prazer, troca a verdade pela opinião. Para conduzir, o cocheiro tem de lhe dar pancadas. Resulta que ele puxa a psychê para uma região superior onde habitam os deuses. Assim, a psychê humana é puxada, ao mesmo tempo, pelo cavalo bom, que a dirige no caminho do equilíbrio, da medida e da verdade, e é sacudida pelo cavalo rebelde,

entre a virtude ou o vício é um assunto do desejo. A pessoa verdadeiramente virtuosa será conduzida na direção do bem499.

No coração da psicomaquia está uma experiência de conflito da alma consigo mesma, como na história de Leôncio, apresentada por Platão. Leôncio, ao voltar do Pireu, “percebendo os cadáveres jazendo perto do lugar das execuções”, ao mesmo tempo “queria vê-los e deles se afastava” e “por certo tempo, relutava e velava o rosto, mas por fim, vencido pelo desejo, arregalando os olhos, correu em direção aos cadáveres”. Leôncio luta, cobre os olhos, mas finalmente “dominado pelo desejo”, olha os cadáveres e diz pesarosamente: “‘Eis aí, infelizes’! Saciai-vos com o belo espetáculo!”500 Sócrates impressiona-se com essa história, porque ela apresenta uma pessoa que não está em harmonia consigo mesmo501. Como pode Leôncio querer e não querer olhar? Como alguém, ao “agir sem usar a razão, profere insultos contra si mesmo”, sendo somente uma pessoa? Como pode alguém ser alto e baixo, ou belo e feio ao mesmo tempo? A resposta de Sócrates a estas questões é que a vontade (tymos) de Leôncio se une à sua razão, opondo-se ao seu desejo. O que subjaz a esta afirmação é uma metafísica que insiste na pureza e no absoluto de cada predicado. Sócrates expressa esta metafísica na sua teoria das formas. Se um objeto é belo, diz ele no Fédon, não é porque “ele tem a cor bela ou forma ou qualquer outro atributo”, mas porque “a única coisa que torna um objeto belo é a presença nele ou associação com ele da beleza absoluta”, a presença ou a comunicação daquela beleza em si: “É pela beleza que a coisas belas são belas”502. Se Símias é alto (comparado a um menino)

499 ZINCK, Arlette Marie. Of arms and the heroic reader: The concept of psychomachy in Spenser,

Milton and Bunyan. Tese de doutorado. English Department, University of Alberta, Canada, 1993, p. 8.

500República IV 440a. Tradução de Anna L. A. A. Prado (São Paulo: Editora Martins Fontes, 2006), p. 165. 501“E não notamos, disse, em muitas outras situações que, quando os desejos forçam alguém a agir sem usar a razão, ele profere insultos contra si mesmo e, sentindo um ímpeto contra o que, dentro dele, tenta violentá-lo, como numa luta de duas facções rebeladas, o ímpeto de tal pessoa torna-se aliado da razão? E, associado aos desejos, embora a razão tente persuadi-lo de que não deve, o ímpeto lhe opõe resistência. Não dirias, creio eu,

que nunca percebeste isso ou em ti mesmo ou em outrem” (República IV, 440b). Tradução de Anna L. A. A.

Prado (São Paulo: Editora Martins Fontes, 2006), p. 165. 502

“E se, para justificar a beleza de alguma coisa, alguém me falar da sua cor brilhante, ou da forma, ou do

que quer que seja, deixo tudo o mais de lado, que só contribui para atrapalhar-me, e me atenho única e simplesmente, talvez mesmo com uma boa dose de ingenuidade, ao meu ponto de vista, que nada mais a deixa bela senão tão só a presença ou a comunicação daquela beleza em si, qualquer que seja o caminho que se lhe

acrescentar” (Fédon 100d). 2ª ed. Tradução de Carlos Alberto Nunes (Belém: Editora da Universidade

e baixo (comparado a Héracles), diz Sócrates, “ele é alto e baixo”: “Símias é alto e baixo”503, pois é crucial que as características com que predicamos o ser humano compartilhem simplicidade, discrição e pureza com as formas nas quais estão fundamentadas504.

Há em Leôncio razão e desejo. Qualquer relato de suas ações deve se tornar numa análise no sentido estrito deste termo: “a resolução ou fragmentação de qualquer coisa complexa em seus vários elementos”505, que produz um ser humano fragmentado, uma coleção de partes que deve explicar a prática e os conflitos internos do ser humano. A “razão” raciocina, o “desejo” deseja e a “vontade” quer506, e o ser humano é a fonte de suas próprias ações. Leôncio é a mesma pessoa que foi feita cativa pelo desejo e que fica irada: há certa intimidade entre o ser humano e a faculdade da “vontade” ou ira. Sócrates, ao finalizar a passagem, utiliza a imagem de alguém que vê a si mesmo como expectador. Ele começa consigo mesmo como objeto das opressões do desejo, de modo que o agente humano parece afastar de si mesmo. Este afastamento produz a aparição das personificações, que surgem para completar o vazio deixado pelo homem, a quem pertence o querer e o desejar. Em outras palavras, as personificações tornam-se imagens da

503

“Segundo creio, depois de lhe concederem esse ponto e de admitirem a existência real das idéias e que é da

sua participação que as diferentes coisas recebem denominação particular, perguntou Sócrates o seguinte: Se é assim que falas, continuou, quando dizes que Símias é maior do que Sócrates porém menor do Fédon, não equivale isso a afirmar que em Símias se encontram ambas: grandeza e pequenez” (Fédon 102b). 2ª ed. Tradução de Carlos Alberto Nunes (Belém: Editora da Universidade Federal do Pará, 2002).

504“Firmando-me nessa posição, tenho certeza de não vir a cair e de tanto eu como qualquer outra pessoa em idênticas circunstâncias poderá responder com segurança que é pela beleza que as coisas são belas [...] Como é por meio da grandeza que o grande é grande e o maior é maior, e pelo da pequenez que o pequeno é

pequeno” (Fédon 100e). 2ª ed. Tradução de Carlos Alberto Nunes (Belém: Editora da Universidade Federal

do Pará, 2002), p. 314.

505 “Mas já fica difícil saber se realizamos cada atividade graças à mesma faculdade ou, sendo elas três, usamos cada uma delas para uma atividade diferente, isto é, se aprendemos com uma, irritamo-nos graças a outra faculdade que temos em nós e ainda com uma terceira desejamos os prazeres da comida e da geração de filhos e tudo o mais que tem afinidade com esses atos, ou se, com a alma inteira, fazemos cada um desses atos, quando nos pomos em ação” (República IV 436b). Tradução de Anna L. A. A. Prado (São Paulo: Editora Martins Fontes, 2006), p. 159.

506WHITMAN, Jon. Allegory. The Dynamics of an Ancient and Medieval Technic, p. 26-27; LEWIS, C. S. The Allegory of Love. New York/Oxford: Oxford University Press, 1958, p. 58-66.

alienação do ser humano de si mesmo, bem como a experiência de seus desejos e faculdades como seres estranhos que podem usurpar sua vontade507.

A psicomaquia está relacionada com essa estrutura de alienação, mas também com a relação da alma com uma ordem maior. Sócrates menciona a estrutura tripartite da alma de Leôncio porque acabara de apresentar a estrutura tripartite do estado ideal508. Ao se abrir para as formas puras da razão, o desejo e a vontade se misturam na ordem maior do Real, como imagens microcósmicas do próprio universo509. Mas o desenvolvimento da psicomaquia depende do fato de que a alma é vulnerável a um mundo maior de presenças e formas, como, por exemplo, acontece no episódio de Alecto, de Virgílio, que menciona a fúria que contagia Amata com a serpente de ódio ciumento. Por trás da Inveja que nasce do Inferno para tomar o Aglauros de Ovídio está também a noção do genius ou espírito tutelar, o qual também subjaz à linguagem de possessão demoníaca e da guerra santa da literatura do cristianismo primitivo510.

O que é caracterizado pelos gregos como uma tensão interna entre as faculdades que governam entre a razão e a emoção é traduzido no texto bíblico como uma batalha espiritual, uma competição entre as forças do bem e as forças do mal que atuam na alma humana provocando uma luta interna. As guerras estão presentes no Antigo Testamento 507

CRAWFORD, Jason Monroe. Personification and its Discontents. Studies from Langrand to Bunyan. Tese de doutorado. Graduate School of Arts and Sciences. Harvard University. Cambridge, Massachusetts, 2008, p. 19.

508

Estas estruturas tripartites representam a manifestação de um cosmos que as ultrapassa (República 441c- 445e). Em vista do paralelo entre as três clases de cidade e as três partes da alma, Sócrates e Glauco

concordam que as virtudes têm uma estrutura similar à cidade: “Ah! disse eu. Foi a custo que chegamos ao

termo de nosso percurso, mas já estamos razoavelmente de acordo nesse ponto, isto é, que na cidade há as mesmas partes que há na alma de cada um e são iguais a elas em número. [...] E não será ainda necessário que, tal como a cidade é sábia por um certo motivo, também o indivíduo seja sábio pelo mesmo motivo? [...] E, se, pelo mesmo motivo e da mesma forma que o indivíduo é corajoso, também a cidade deve ser corajosa, e em tudo que é concernente à virtude, ambos não devem estar na mesma situação? [...] E afirmaremos, creio eu, Gláucon, que o homem também é justo da mesma forma pela qual a cidade é justa. [...] Mas não estamos esquecidos de que a cidade é justa pelo fato de que cada uma das três ordens que a constituem cumpre sua

função” (Republica 441c-d). Tradução de Anna L. A. A. Prado (São Paulo: Editora Martins Fontes, 2006), p.

167. 509

CRAWFORD, Jason Monroe. Personification and its Discontents. Studies from Langrand to Bunyan, p. 19-20.

510P. Virgilius Maro. Aeneidos VII.431-405. Ed. Mesrobius Gianascian. Padua: Aedes Livianas, 1969; P. Ovidi Nasonis. Metamorphoses II.768-832. Oxford: The Claredon Press, 2004. Cf. também BRAKKE, David. Demons and the Making of the Monk: Spiritual Combat in Early Christianity. Cambridge: Harvard University Press, 2006.

desde seu início511. Os combatentes são exércitos que lutam entre si pela obtenção ou recuperação dos despojos ou de um território512. Na maioria dos casos, o próprio Deus luta em favor do povo de Israel ou no lugar de Israel. Em outros, Israel é o instrumento da vingança de Deus contra um povo513. Em todas essas batalhas, a luta ocorre num lugar geográfico visível, sendo uma luta exterior, diferentemente das lutas que encontramos no Novo Testamento, que apresenta vários tipos de luta espiritual514.

Efésios 6,10-17, uma passagem bíblica que descreve a luta do crente contra as forças do mal, é considerada pelos críticos como uma das fontes da Psychomachia515:

Finalmente, fortalecei-vos no Senhor e na força do seu poder. Revesti-vos da armadura de Deus, para poderdes resistir às insídias do diabo. Pois nosso combate não é contra o sangue nem contra a carne, mas contra os Principados, contra as Autoridades, contra os Dominadores deste mundo de trevas, contra os Espíritos do Mal, que povoam as regiões celestiais. Por isso deveis revestir a armadura de Deus, para poderdes resistir no dia do mal e sair firmes de todo o combate. Portanto, ponde-vos de pé e cingi os rins com a verdade e revesti-vos da couraça da justiça e calçai os pés com o zelo para propagar o evangelho da paz, empunhando sempre o escudo da fé, com o qual podereis extinguir os dardos inflamados do Maligno. E tomai o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus.

Presume-se, inicialmente, um campo de batalha, pois os cristãos devem “vestir” a armadura como instrumento de defesa. Os assuntos espirituais são mencionados porque legitimidade, cidadania e herança espiritual são preocupações para os que pertencem à família divina e têm cidadania eterna nas “regiões espirituais”: os que estão separados de Cristo estão “excluídos da cidadania de Israel e estrangeiros às alianças da promessa”. O

511

VON RAD, Gerhard. Holy War in Ancient Israel. Grand Rapids: Eerdmans Publishing Co., 1991; GARD, Daniel L. YHWH as God of War and God of Peace. Fort Wayne: Concordia Theological Seminary, 2004.

512Gênesis 14,13-16; Números 21,16. 513

Deuteronômio 2,24. 20,1; 21,10; Êxodo 17,16.

514Filipenses 1,30; 1 Timóteo 6,12; 2 Timóteo 4,7; Colossenses 1,29; 3,1; Lucas 13,24; 1 Coríntios 9,25; Hebreus 10.32; 12,1; 1 Tessalonicenses 2,2; 2 Timóteo 2,5.

515HANNA III, R. The Sources of the Art of Prudentius’ Psychomachia. Classical Philology, vol. 72, 1977,

p. 111, afirma: “These verses form Ephesians 6 form in general manner the source for the whole colluctatio,

Espírito Santo é “o penhor da nossa herança”516. A misericórdia e graça divinas são apresentadas como sendo “ricas”, fiéis e de incomparável valor. A ação militar é vista como necessária, pois preserva os direitos territoriais e a proteção da propriedade. A guerra espiritual é necessária para a preservação das reivindicações pessoais e comunais à legitimidade espiritual, à cidadania e às riquezas espirituais517.

A natureza metafórica das imagens sugere que a armadura é espiritual e que a batalha é exterior à alma. A presença do tema da defesa militar em assuntos que pertencem à vida espiritual relembra as promessas da vinda do Messias da tradição bíblica, um líder militar definitivo, as quais foram cumpridas na revelação de Cristo como comandante definitivo de uma guerra espiritual. A experiência do conflito interno significa a união com Jesus e o engajamento numa batalha contra os “principados e poderes” que afligem o espírito humano. Entende-se melhor esta “guerra interior” como uma manifestação da mesma luta dos poderes maus contra o povo de Israel. A metáfora da guerra descreve o conflito espiritual e a defesa exigida contra tais ataques. As imagens militares estão emparelhadas com as qualidades espirituais que representam. A batalha acontece dentro do indivíduo, é preciso recursos espirituais e não físicos, sendo que as fontes do Bem e do Mal não estão ainda localizadas dentro do indivíduo518.

O apóstolo Paulo utiliza também os conceitos metafóricos de “carne e espírito” não como campos complementares de ação da caridade cristã para com Deus e o próximo. Com esses conceitos, ele indica as ações humanas que se opõem a Deus e ao mundo519:

Ora, eu vos digo: conduzi-vos pelo Espírito e não satisfareis os desejos da carne. Pois a carne tem aspirações contrárias ao espírito e o espírito contrárias à carne. Ele se opõem reciprocamente, de sorte que não fazeis o que quereis. Mas se vos deixardes guiar pelo Espírito, não estais debaixo da lei. Ora, as obras da carne são manifestas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, rixas, ciúmes, iras, discussões, discórdias, divisões, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos previno, como já vos preveni: os que

516

Efésios 1,14.20; 2,12.

517 ZINCK, Arlette Marie. Of arms and the heroic reader: The concept of psychomachy in Spenser,

Milton and Bunyan, p. 11-12.

518 ZINCK, Arlette Marie. Of arms and the heroic reader: The concept of psychomachy in Spenser,

Milton and Bunyan, p. 12-14.

praticam tais coisas não herdarão o Reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio. Contra estas coisas não existe lei (Gálatas 5,16-23).

Paulo fala também sobre a vontade dividida do ser humano:

Sabemos que a Lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido como escravo ao pecado. Realmente não consigo entender o que faço; pois não pratico o que quero, mas faço o que detesto. Ora, se faço o que não quero, reconheço que a Lei é boa. Na realidade, não sou mais eu que pratico a

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