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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.3 Os agentes das práticas: perfil e concepções de integralidade

3.3.1 Os agentes 14 das práticas e suas trajetórias

A equipe A era composta por uma médica de 50 anos de idade e uma enfermeira de 28 anos. A médica A fez residência em ginecologia e obstetrícia, tinha muitos anos de atuação profissional e não expressava o desejo de se inserir no setor privado ou trabalhar na capital. Atuava no PSF há cerca de 3 anos e meio e dizia-se “viciada” no trabalho com idosos e adolescentes:

Eu digo que é um vício e que eu já estou viciada aqui. O que eu mais gosto no trabalho do PSF é tratar dos meus idosos. Trabalhar com os idosos e adolescentes... (Entrev. Méd. A).

No que diz respeito à trajetória política referiu nunca ter participado de movimentos sociais ou militância estudantil, como evidenciado no discurso a seguir:

Na época da revolução minha filha, a gente só fazia ficar calada e correr da polícia (Entrev. Méd. A).

A enfermeira A, após formada, atuou durante 1 ano em área hospitalar, onde vivenciou situações difíceis a exemplo da precariedade da infra-estrutura hospitalar para atendimento aos pacientes. Cursou especialização em Saúde Pública através de convênio entre a Universidade Estadual onde estudava e a Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP e referiu ter se identificado com a área de saúde pública quando ainda era estudante, por ocasião de experiência de estágio em unidade de saúde. Atuava no PSF há 1 ano e trabalhava também como professora em curso técnico noturno de enfermagem. Apesar de não ter atuado em movimento social ou militância estudantil, afirmou a contribuição da formação especializada em saúde pública e da atuação no âmbito da gestão de saúde em município do sul do Estado, como importantes experiências para a sua formação profissional e engajamento no espaço da saúde coletiva:

Contribuiu sim. Eu acho que você tem uma outra visão né? eu me acho assim uma profissional diferenciada em relação a uma pessoa que não teve esse curso, que não passou também por um nível de coordenação como eu já tive essa experiência, trabalhei muito tempo como Dr. W. que é um nome de referência em saúde pública, também foi presidente do COSEMS, tem uma luta, um engajamento na área de saúde pública, então a gente começa a pegar essa coisa de ser sanitarista também né? Aquele sonho que a gente tem da consolidação do SUS, que o SUS é viável, que o SUS tem como acontecer de fato, que não é uma coisa que tá só escrita no papel, dá pra acontecer que só falta realmente vontade política de que a coisa aconteça... (Entrev. Enf. A.).

A composição da equipe A revelou profissionais de distintas trajetórias profissionais e políticas (Apêndice I). No entanto, ainda que por diferentes motivos, o

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Agentes das práticas aqui está sendo utilizado no sentido de Bourdieu e não é uma referência apenas a agentes comunitários de saúde mas a todos os profissionais de saúde e outros envolvidos com o cuidado.

discurso e as práticas destes profissionais apresentaram-se convergentes quanto ao compromisso e implicação com o Programa de Saúde da Família. A médica A, em fase adiantada de carreira e sem interesse em firmar-se no campo médico privado, demonstrou adesão ao projeto de Saúde da Família, o que se traduziu em iniciativas de acolhimento e responsabilização pelos pacientes, gerando vinculo e satisfação por parte dos mesmos. Há um “ajuste” da profissional ao lugar que lhe coube no campo médico, o que pode ser explicado pelo que Bourdieu (2006) denomina de transformação de necessidades em virtudes. Por outro lado, a enfermeira A com especialização em Saúde Pública e experiência de atuação em coordenação municipal de saúde junto a um médico sanitarista, liderança política de expressão regional e com engajamento técnico e político nesta área, podem ter contribuído para a aquisição de disposições críticas em relação ao sistema de saúde, bem como para a sua adesão ao projeto da Reforma Sanitária.

A equipe C também apresentou trajetórias diferentes entre os profissionais. A médica C tinha 31 anos e fez residência em ginecologia e obstetrícia. Desde o segundo ano de residência trabalhou em cidades do interior do Estado da Bahia, centrando sua atuação na área de sua especialidade: trabalhou em clínica particular de ginecologia; foi plantonista em hospital (contrato REDA) e chegou a abrir um consultório de ginecologia que não conseguiu manter em função das despesas. Após a residência, atuou em clínica particular de Salvador; trabalhou nas Voluntárias Sociais da Bahia (via contrato REDA) e em serviço de atendimento médico-odontológico móvel. Além disso, deu plantão na maioria das maternidades públicas de Salvador substituindo colegas concursados. Nesse sentido, tentou inicialmente firmar-se profissionalmente na capital. Resolveu vir para o município do estudo porque outras colegas que já tinham vindo antes e estavam com “a vida mais arrumada”. Nunca teve participação em movimento social ou militância estudantil. Ouviu falar que o PSF do município era muito organizado. Veio pensando em ficar 6 meses no PSF até o tempo de se estabilizar financeiramente e abrir consultório particular, o que concretizaria o seu projeto de médica liberal. Atuava neste Programa há 3 anos, no entanto com 40 horas de PSF e o 3º turno de atendimento no ambulatório de ginecologia de Hospital Municipal não lhe restava tempo para outros objetivos:

Eu comecei a pensar realmente em vim pra cá porque outras colegas que já tinham vindo antes tavam com a vida mais arrumada (...) eu venho pra poder ficar 6 meses no PSF até o tempo de eu me estabilizar (Entrev. Méd. C).

Ta tão difícil, eu realmente lhe digo que a cobrança é grande até pela próprias pacientes de lá do posto, as que eu atendo ginecologia, quando começo o atendimento perguntam onde é que é o seu consultório? Eu não atendo em

consultório; - mas Dra. não é possível que não tenha consultório. (Entrev. Méd.C).

A enfermeira C tinha 28 anos, desejava fazer medicina mas não chegou a prestar o vestibular pois na sua cidade não havia este curso e ela não queria se afastar da família. Por haver no seu município de origem uma faculdade de enfermagem, optou por este curso. Cursou Especialização em Comunicação em Saúde e logo após formada trabalhou alguns meses em município próximo a Jequié atuando no Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS e no hospital local.

Eu sempre assim pensava em fazer medicina, mas fiz vestibular de enfermagem por ser de Jequié e ter faculdade de enfermagem lá (...) não cheguei a fazer para medicina, assim por não ter que sair de junto de minha mãe, de meu pai, aí eu fiquei em Jequié mesmo (Entrev. Enf. C).

Em seguida, a enf. C foi para o Sergipe em função do trabalho do esposo e trabalhou 11 meses em PSF no interior do Estado. Apesar do tempo de permanência não considerou boa esta experiência conforme abaixo:

Não foi uma experiência boa porque o Prefeito achava que ia ganhar a eleição implantando o PSF, entendeu? Não tinha condições de trabalho, acabava que não era o PSF, se trabalhava mesmo como uma Unidade Básica. (Entrev. Enf. C).

Mudou-se para o município atual também em função do trabalho do marido e logo quando chegou trabalhou durante 1 ano no PACS de município próximo. Depois disso veio para o PACS do município do estudo onde trabalhou durante 3 anos. Há 1 ano começou a trabalhar no Programa de Saúde da Família, estando na equipe atual há menos de 6 meses. Informou não haver participado de movimento social ou militância estudantil.

A composição da equipe C revelou trajetórias pouco favorecedoras de adesão por parte dos profissionais ao Programa de Saúde da Família (Apêndice I). A médica C, era jovem, em início de carreira, tinha como aspiração montar consultório em sua especialidade e se estabelecer no setor privado; com esse plano referiu ter buscado o PSF no intuito de estabilizar-se financeiramente. Desde então, atuava no programa há 3 anos, mas expressava cansaço e frustração do sonho não realizado. Sua posição profissional não estava ajustada às suas aspirações, o que se traduzia em queixas com a sobrecarga de trabalho, e da incompreensão por parte dos pacientes:

...o que eu vejo é que apesar da gente fazer várias coisas pra comunidade, ainda as pessoas tem aquele modelo na cabeça de chegar e ser atendido, de querer a consulta, remédio, exame, e muitas vezes a gente tem dificuldade pra ter um número adequado de pessoas participando do grupo... eles têm tempo pra vir pra consulta e não tem pro grupo, porque motivo que esse adulto ele não participa do grupo? o paciente não participa por falta realmente de interesse (...) as

queixas são as mais diversas possíveis, na maioria é queixa vaga, e é um paciente hipertenso e porque ele não participa do grupo? (Entrev. Méd. C). Do mesmo modo a enfermeira C revelou desajuste entre suas expectativas e possibilidades. A escolha da profissão deu-se por conveniência, fez o vestibular para o curso de enfermagem para não se afastar de seus familiares, quando na verdade desejava cursar medicina, não tendo conseguido realizar seu projeto pessoal. Sua inserção no mercado de trabalho foi ao mesmo tempo impulsionada e condicionada às necessidades freqüentes de mudança de cidades em função do emprego do marido, passando assim a trabalhar no PACS/PSF.