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LUGAR-MUNDO: A Dinâmica dos Lugares

CAPÍTULO 3 Os agentes da dinâmica dos lugares

Aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.

Cecília Meireles. Poema Desenho, Mar

Absoluto, 1945.

ste capítulo trata da definição dos agentes que constituem a dinâmica dos lugares. A sintaxe do lugar é constituída pelo estudo dos elementos que o compõem ou o constituem, o cotidiano, a redutibilidade entre psicoesfera e tecnoesfera e a intencionalidade são alguns desses elementos. A sintaxe do lugar78, no sentido de que é uma leitura e interpretação totalizante foi inspirada na sintaxe do mundo proposta por Foucault (2016 [1966]).

Mas antes de se entender a dinâmica dos lugares é preciso demonstrar a sintaxe da definição do lugar como espaço do acontecer solidário distinguindo lugar de local ou de localidade.

O espaço geográfico é uma instância social, é abstrato. Espaço geográfico é o mundo em movimento (SOUZA, 1995a). O espaço como dimensão da realidade também é estudado pela física. Atualmente a física fala em multiverso ou universos paralelos. A teoria das cordas desenvolvida pela física

78 Santos (1985: p. 53) não fala o termo sintaxe, mas elencou uma interpretação nesse sentido quando

está refletindo sobre o movimento da totalidade. “Se nos for permitida uma analogia gramatical,

podemos pretender que a estrutura seja vista como o sujeito, a função como o verbo (ação através do processo) e a forma como complemento (objeto do verbo)”. Nesta tese traz-se uma metodologia inédita

de sintaxe do lugar.

quântica mostra de 9 a 11 dimensões da realidade e do universo, mas discute também a finitude ou os vários universos paralelos.

Esse debate na teoria da física79 é interessante pela discussão sobre a dimensionalidade das coisas. Por dimensão entende-se uma realidade, a expressão de uma realidade ou seu nível. O espaço possui três dimensões, a quarta dimensão é espaço e tempo inextricavelmente (HAWKING, 2016), porque tanto o tempo como o espaço são categorias e instâncias.

Talvez, pela união entre tempo-espaço como quadridimensionalidade Santos (2009 [1996]) proponha que o lugar seja a 5ª dimensão do espaço, em razão do cotidiano. Não se entrará na discussão sobre qual posição é o lugar na dimensionalidade do espaço. O que interessa, nesta reflexão e tese, é demonstrar sua constituição. Precisar sobre essa ordem do lugar na dimensão do espaço poderá ser uma questão importante futuramente. Pois, a ordem das dimensões do espaço possui significados e especialidades, como a três dimensões (exemplo de segunda dimensão são os filmes, a fotografia, mesmo os filmes em 3D são em segunda dimensão porque são apenas dois planos que se envolvem o da tela e sua duração80), espaço-tempo uma quarta dimensão e assim por diante.

Em todo caso, a tese consegue comprovar que por ser o lugar, espaço do acontecer solidário, uma dimensão do espaço geográfico, é, assim, uma dimensão vivida cotidianamente pelas pessoas. A característica do lugar se constituir como a alteridade do espaço geográfico, seu ethos, seu hábito, foi estudada no capítulo 1 deste trabalho. Ser a alteridade do espaço significa vivenciar o movimento do mundo cotidianamente pela constituição dos lugares.

Como o espaço geográfico é o mundo em movimento entender sua constituição é tangenciar à categorias externas da técnica, da semiótica, e do tempo, por exemplo.

79 As teorias da física após os experimentos de Einstein comprovam que o tempo e espaço estão

inextricavelmente conectados (HAWKING, 2016).

80 “Um filme, como se sabe, é uma sequência linear de imagens. [...] a tela de cinema é uma projeção bidimensional, e nunca poderemos adentrá-la (FLUSSER, 2017: p. 102-103)”. “Em termos visuais, os filmes são superfícies, mas para o ouvido eles são espaciais (idem, 2017: p. 105)”.

Quanto ao termo acontecer, para compreendê-lo é preciso examinar o significado do evento entendido como ação, uso, objetos, tempo presente e totalidade sempre em movimento. É pelo acontecer que os lugares se realizam diariamente, se constituem, acontecem! Por isso lugares são ações.

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A ação social (incluindo tolerância ou omissão) orienta-se pelas ações de outros, que podem ser passadas, presentes ou esperadas como futuras (vingança por ataques anteriores, réplica a ataques presentes, medidas de defesa diante de ataques futuros). Os “outros” podem ser individualizados e conhecidos ou então uma pluralidade de indivíduos indeterminados e completamente desconhecidos (o “dinheiro”, por exemplo, significa um bem – de troca – que o agente admite no comércio porque sua ação está orientada pela expectativa de que outros muitos, embora indeterminados e desconhecidos, estarão dispostos também a aceitá-los, por sua vez, numa troca futura). (WEBER, 2004 [1977]: p. 117 [Grifos no original]).

Mas nem toda ação é social, nem todo o contato entre pessoas é social. A ação social pressupõe uma relação social fundada na reciprocidade com um sentido pactuado (WEBER, 2004 [1977]). Porém, toda ação é humana, logo lugar. Essa ação em si traz a constituição do espaço, as solidariedades e, as intencionalidades, por isso sempre são políticas; os lugares são sempre políticos.

Quanto à discussão sobre o conceito de solidário, passa pela intencionalidade, racionalidade e divisão social do trabalho.

“A noção, aqui, de solidariedade, é aquela encontrada em Durkheim e não

tem conotação ética ou emocional. Trata-se de chamar a atenção para a realização compulsória de tarefas comuns, mesmo que o projeto não seja comum

(SANTOS, 2008: p. 158).” A solidariedade pode ser orgânica ou mecânica, que está ligada à consciência coletiva. É a sociedade vivendo e agindo em nós, pois anula a personalidade individual pela coletiva. Chama-se mecânica por analogia à coesão que une elementos brutos entre si. É um laço sem vivacidade, uma coisificação. Enquanto a solidariedade orgânica representa a nós mesmos, naquilo que nos distingue, nos torna únicos. Esta é produzida pela divisão do trabalho (DURKHEIM, 2004 [1977]).

A vida social deriva de uma dupla fonte: a semelhança das consciências e a divisão do trabalho social. O indivíduo é socializado no primeiro caso porque, não tendo individualidade própria, confunde-se no seio de um mesmo típo [sic] coletivo, o mesmo acontecendo com seus semelhantes; no segundo caso, ele é socializado porque, tendo uma fisionomia e uma atividade pessoais que o distinguem dos outros, depende deles na mesma medida em que se distingue e, por conseguinte, depende da sociedade que resulta de sua união (DURKHEIM, 2004 [1977]: p. 31).

Entretanto, o lugar não é ações sociais e a solidariedade orgânica em si. Pois, para se constituir o lugar, espaço do acontecer solidário, o fundamental é sua particularidade geográfica, uma conexão mundo-lugar com um conteúdo social que o anima. Inicialmente, assim, pode-se falar em lugares como resistência. O lugar é um nexo, uma relação geográfica (SOUZA, 2005).

[...] a divisão do trabalho produz a solidariedade, não é apenas porque ela faz de cada indivíduo um “trocador”, como dizem os economistas; é porque ela cria entre os homens todo um sistema de direitos e deveres que os ligam uns aos outros de maneira duradoura. (DURKHEIM, 2015 [1930]: p. 429)

Como uma condição humana da vida ativa (vida política) a ação pode ser política81. A Política, uma forma de organização que surge no entre-os-homens, para a manutenção da vida pois ela trata da convivência entre os diferentes, ou seja, entre os homens que são diversos entre si (ARENDT, 1981; 1999). O lugar como espaço do acontecer solidário se constituindo como lugares como resistência possui uma solidariedade orgânica com um conteúdo político.

81 São quatro os elementos da condição humana: o pensar, a razão, o labor/tarefa, o trabalho e a ação.

Segundo Arendt (2018 [1958]) trata apenas das três últimas. A expressão vida ativa designa três atividades humanas fundamentais: labor/tarefa, trabalho e ação. São fundamentais por que correspondem as condições em que a vida constitui o homem. O labor/tarefa é o processo biológico do corpo humano que tem que haver com as necessidades vitais do próprio labor no processo da vida. “A condição humana do labor é a própria vida” (ARENDT, 2018 [1958]: p. 5). O trabalho é a atividade vinculada ao artificialismo da existência humana, produz um mundo “artificial” de coisas. “A condição humana do trabalho é a mundanidade” (ARENDT, 2018 [1958]: p. 5). Ação é a atividade que se realiza sem mediação das coisas ou matéria, a sua condição humana se dá na pluralidade. Ela também traz um conceito de sociedade onde é uma organização sobre-humana formada pelo conjunto das famílias organizadas economicamente e formam a nação (vida privada necessidades, vida na polis liberdade).

Bom lembrar que Sorre (1984 [1952]) alerta para o que chama de ausência de plasticidade, ou seja, uma resistência à evolução. É preciso definir o que se entende por resistência, lembrando que Gramsci (1972), no plano da política propõe a resistência como sendo sempre libertária.

O lugar, espaço do acontecer solidário, é sempre presente, instantâneo e efêmero, é a ação humana se realizando num instante (evento).

Mas quando se lida com a constituição do lugar empiricamente não é possível o fracionamento dos elementos ou termos externos. Assim, a Geografia deve criar instrumentais para exibir a dinâmica dos lugares.

A dinâmica dos lugares, inicialmente estudada e criada por Souza (2008), possui os agentes dinamizadores que constituem os lugares. Por isso Souza (2008) identificou que estudar a constituição dos lugares é compreender suas dinâmicas. Foi o método pioneiro para o estudo das dinâmicas da metropolização. Ainda segundo a referida autora há uma mundialização dos lugares; esse processo que resulta nos lugares mundiais (SOUZA, 2008: p. 37). Dos lugares mundiais identificou-se o LUGAR-MUNDO, onde a lógica e racionalidade dos de baixo tem se acentuado não apenas dos lugares se constituindo como resistências às desigualdades, mas também novas possibilidades diante da constituição dos lugares virtuais, como descoberta pela pesquisa e reflexões desenvolvidas nesta tese. A força do lugar é imperiosa, sobretudo, por causa da possibilidade da conexão mundo-lugar (SOUZA, 1993).

O termo LUGAR-MUNDO como a prática de cada indíviduo na constituição dos seus lugares cotidianamente pode encontrar respaldo naquilo que Hartshorne (1978: p. 51 [grifo no original]) afirma “[...] a Geografia é a

disciplina que procura descrever e interpretar o caráter variável da terra, de lugar a lugar, como mundo do homem”. Sem entrar no mérito do debate

epistemológico, pois a Geografia Renovada pratica a Geografia como a ciência do espaço geográfico, inspira-se no mestre acima referido ao refletir sobre as mudanças do movimento do mundo. Com esta tese espera-se, também, contribuir com a reflexão sobre a diversidade e desigualdade na constituição dos lugares, bem como sobre a mudança na prática do LUGAR-MUNDO de cada indivíduo.

Lugar e mundo estão intrinsecamente ligados devido à sua origem referente ao habitat. O lugar é um habitat e a partir sua da constituição pelas pessoas o lugar é portador ou expressa uma ética, uma consciência. Discutir-se-á isso mais profundamente na terceira e última parte desta tese.

Como dimensão, o lugar é sempre presente. O lugar é viver o cotidiano. O lugar é diário. A sintaxe do lugar como espaço do acontecer solidário, sintetiza- se assim (Esquema 01):

A sintaxe do lugar é um método aqui proposto para identificar os sujeitos da dinâmica dos lugares, pois o lugar é uma dimensão espacial do cotidiano, tempo espacial, ou seja, ação humana. E como a tese em defesa o lugar é uma dimensão da ação política.

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