• Nenhum resultado encontrado

Os Anos 30 e os intelectuais franceses: contributos para a mudança

O PAPEL DOS INTELECTUAIS EM FRANÇA E EM PORTUGAL: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

I. ENGAGEMENT, POLÍTICA E SOCIEDADE EM FRANÇA

4. Os Anos 30 e os intelectuais franceses: contributos para a mudança

Em 1927 cinco membros do grupo surrealista aderiram ao PCF: Benjamin Péret, Louis Aragon, André Breton, Paul Éluard e Pierre Unik.

Com Lenine a liderar a Internacional comunista, a literatura tinha o dever único de servir a revolução. «Como?» suscitou debates e conflitos ao longo dos tempos, uma vez que os soviéticos desconfiavam das experiências de Breton e dos seus companheiros e consideravam o surrealismo algo difícil de compreender e de grande subjetivismo.

Para além disso, Barbusse que detinha a direção literária do Humanité e o «Bureau International de Liaison», fundado pelo PC em Moscovo em 1924, havia também manifestado o seu apreço pela conversão de Anatole France ao bolchevismo e à revolução bolchevique.

A literatura proletária estava na ordem do dia, quer na URSS quer em França e em novembro de 1927 teve lugar, em Moscovo, a primeira conferência internacional dos escritores proletários e revolucionários.

A França esteve representada por Barbusse e Paul-Valliant Couturier, delegados do PCF e também por Pierre Naville e Francis Gérard, em representação de Clarté (opostos a Barbusse).

De novo em França, Barbusse et Vaillant-Couturier estavam decididos a pôr em prática as decisões da Conferência, uma vez que o grande objetivo era homogeneizar a política cultural do PC nos diferentes países, articulando-a com a estratégia da Internacional. Nestas circunstâncias, revolucionária ou proletária, a literatura deveria organizar-se à escala internacional.

Em junho de 1928, Barbusse foi instado a fundar Monde, um semanário que se oporia à reação e elevaria a literatura e a arte proletárias, conduzindo-as ao triunfo.

Nem todos os membros do grupo surrealista concordaram com Barbusse pela sua preponderância de ideias dado que, aos olhos de todos, este simbolizava os compromissos dos intelectuais.

Em simultâneo, no início de 1928, a revista Clarté, que apoiava Trotsky, transformou-se em La Lutte des classes.

Chegou-se, pois, a uma conclusão que não era, de modo algum, nova: a política e os ideais revolucionários comunistas terão (re)direcionado pensamentos e formas de intervenção social junto do grupo de intelectuais franceses de maior influência. Por outro lado, querendo o PC soviético usar todas as armas, nomeadamente os meios de imprensa, a literatura e os próprios autores, para a divulgação dos seus ideais, nem sempre encontrou caminhos abertos para conseguir os seus intentos.

Breton publicou o IIº Manifesto do Surrealismo, em dezembro de 1929, onde se mantinham os princípios do «seu movimento», ao mesmo tempo que a sua adesão ao marxismo-leninismo.

No meio de linhas de orientação e tomadas de posição diversificadas, foi notória a ação do PC e dos seus membros: condenaram Monde pela sua apresentação de ideias hostis ao proletariado e condenaram também os surrealistas e os seus jovens intelectuais oriundos de uma pequena-burguesia que não agradava.

Aragon e Georges Sadoul haviam já sido coagidos a colocar-se ao lado do Congrès, quando foram convidados a assinar um texto autocrítico por não terem colocado à disposição dos críticos do partido os seus textos. (Estes deviam afastar-se de qualquer ideologia que lembrasse Trotsky). A rutura que veio a dar-se entre Aragon e Breton na

primavera de 1932 foi clara. Com a sua adesão ao PC, Aragon afastou-se também do grupo surrealista.

Igualmente em 1932, no mês de janeiro, Benda fundou a AEAR, à qual podiam aderir todos os autores revolucionários que defendessem a URSS e a luta dos povos colonizados, combatessem o fascismo e o fascismo social.

Os surrealistas aderiram a esta associação, apesar de ter havido condições específicas a limitar esta aceitação, motivadas pela existência de burgueses neste grupo. Os tempos eram de mudança.

A Associação de Literatura Proletária que tinha exercido um enorme poder na URSS desaparecia e a 27 de maio de 1932, o Humanité publicou um texto de Barbusse e Rolland, que apelava à união pela paz e a AEAR aceitava a coexistência de literatura revolucionária e de literatura proletária.

A aliança e o divórcio entre surrealistas e o comunismo andaram ao sabor dos acontecimentos da História e simultaneamente dos interesses do partido. Aos olhos deste, a insubmissão dos surrealistas era inaceitável, exceto quando o PC precisou de angariar membros na sua luta antifascista, afastando-se os surrealistas em definitivo.

O comunismo continuava, porém, a encantar muitos jovens intelectuais, que se deixavam seduzir pelo partido. «Généralement, les intellectuels théorisent leurs adhésions et leurs ruptures, en objectivant leurs raisons. Plus profondément, ils réagissent plus qu’ils n’agissent; ils cherchent dans l’engagement politique à se réaliser eux-mêmes plus qu’à transformer le monde.»24

Foram os anos 30 que efetivamente mobilizaram a força dos intelectuais, com o aparecimento de algumas publicações e grupos de discussão de pensamento. Afirmava-se já a crise civilizacional e defendia-se a necessidade de uma revolução. Eram intelectuais que pensavam já uma sociedade em termos filosóficos e morais, questionando o liberalismo pós 1918. Estavam próximos do marxismo e recusavam ligar-se a partidos políticos. No entanto, os intelectuais não ficariam parados no tempo e o inconformismo dos anos 30 viria a dar lugar à luta contra o fascismo, personificado na chegada de Hitler ao poder em 1933.

Afigurando-se possível e visível uma escalada do fascismo, um considerável número de intelectuais franceses tomou consciência que era preciso agir. De entre estes encontrava-se André Gide.

Atingida também pela crise dos anos 30 que afetava os EUA, a França via-se igualmente a braços com problemas económicos e sociais que afligiam sobretudo as classes trabalhadoras.

O dia 6 de fevereiro de 1934 ficou marcado por várias manifestações simultâneas de grupos da direita, já que a esquerda se encontrava no poder. Nestes grupos, destacavam- se a Action Française e os Croix-de-feu, estes sob a forma de antigos combatentes.

Face a estas manifestações, das quais sobressaía a demissão de Daladier, Presidente do Conselho, a esquerda compreendeu que se tornava imperioso lutar contra o fascismo. E, não obstante ter sido publicado por André Marty um apelo à manifestação no Humanité de 6 de fevereiro, foram novamente os intelectuais que se destacaram nas iniciativas desta luta antifascista.

Até à assinatura do Pacto de União de Ação, entre comunistas e socialistas, em 27 de julho de 1934, foram intelectuais como Malraux, Breton, Éluard, Henry Poulaille, entre outros, que assinaram uma petição favorável à unidade da classe operária, para travar a ascensão do fascismo.

Pouco tempo depois surgiu o CVIA, sob a iniciativa de François Walter, colaborador da revista Europe. Deste comité, do qual Paul Rivet era o presidente, faziam parte intelectuais de esquerda de todos os quadrantes, incluindo comunistas.

A Nouvelle Revue Française, no número de maio, deu a conhecer o manifesto do CVIA, onde se proclamava a necessidade de união entre os intelectuais e os trabalhadores na luta contra o fascismo.

Integravam o CVIA três tipos de intelectuais: os antifascistas externos, dominados pelos comunistas, preocupados com os perigos da guerra que a Alemanha nazi representava. Eram apoiados pela Internacional Comunista e a sua filial, o Comité

Amsterdam-Pleyel, cujo fim era o da defesa da URSS. Destacava-se neste grupo Romain

Rolland, grande apoiante da causa soviética.

Havia ainda os antifascistas internos, por natureza, pacifistas, que consideravam que o risco de guerra vinha do interior.

Finalmente, os antifascistas revolucionários defendiam que o fascismo só seria vencido pela revolução proletária. Neste grupo encontrávamos gente da esquerda que defendia os ideais de Trotsky, de tradição sindicalista revolucionária, mas também de tendência dos membros da SFIO que se constituiu em 1936. Esta luta antifascista conseguiu reunir, com uma unanimidade até então nunca vista, um grupo de intelectuais sem precedentes e o CVIA funcionou até à assinatura do Pacto Franco-Soviético em maio de 1935.

Entretanto, Hitler começou a revelar uma força temível, reforçada pela decisão de tornar o serviço militar obrigatório. Do lado francês, os intelectuais de esquerda também haviam demonstrado o seu desagrado em relação à assinatura do Tratado de Versalhes, que tinha igualmente denunciado a política nacionalista de Poincaré. Instaladas as divergências no CVIA, este veio a extinguir-se em 1936.

Neste contexto destacam-se intelectuais de renome pela sua atuação e posicionamento. É o caso do escritor francês André Guillaume Gide (Paris, 22 de novembro de 1869 — Paris, 19 de fevereiro de 1951) que recebeu o Nobel de Literatura em 1947. Oriundo de uma família da alta burguesia, foi o fundador da Editora Gallimard e da revista Nouvelle Revue Française.

Homossexual assumido, falava abertamente a favor dos direitos dos homossexuais, escreveu e publicou, entre 1910 e 1924, um livro destinado a combater os preconceitos homofóbicos da sociedade de seu tempo: Corydon.

A personalidade de Gide fez com que estivesse sempre preparado para a mudança. Foi um inconformista. Na década de 1920, a sua reputação não parou de crescer: falava da mudança dos espíritos sem invocar a palavra revolução e era ouvido com grande respeito.

A sua influência trouxe-lhe ataques virulentos da direita católica: Henri Massis, Henri Béraud censuraram-lhe os seus valores morais, o seu intelectualismo, a hegemonia da NRF sobre a literatura e mesmo sobre a língua francesa. Apoiado por Roger Martin du Gard, Gide defendeu fortemente a «sua» revista.

Por seu lado, vários intelectuais de direita, Léon Daudet, François Mauriac, que o admiravam não obstante as divergências mútuas, recusaram-se a atacar Gide, ainda que também não o defendessem.

Em 1931, tornou-se «um simpatizante comunista»25. A sua honestidade estava acima de qualquer convite ou propaganda ilusória. Afirmava que o que o conduzia ao comunismo não era Marx, mas o Evangelho que o havia formado.

Em 1932, a sua simpatia pela URSS e pelo PC veio a público. Aderiu então ao apelo lançado por Barbusse e Romain Rolland a 4 de Junho, mas recusou a adesão à AEAR.

Não querendo aceitar o dogmatismo do PCF, Gide considerava que o marxismo se havia tornado o único apoio dos oprimidos e a mensagem mais importante era a de que o intelectual deveria aliar-se ao proletariado.

Em 1936, Gide viajou para a URSS, onde permaneceu durante nove semanas, ainda que não tivesse conseguido encontrar-se pessoalmente com Estaline. Regressado a Paris, decidiu contar a sua viagem, uma vez que considerava que a sua desilusão não poderia ficar silenciada.

Não obstante a sua admiração pela URSS, Gide considerava ser necessário dar a conhecer a sociedade e o regime de terror que imperava naquele país. A sua audácia e coragem confirmaram a sua reputação inconformista e a sua sinceridade enquanto defensor acérrimo de todas as verdades.

Com a publicação inesperada da obra Retour de l’URSS, em 13 de novembro de 1936, onde se apresentavam os pontos fortes do regime como por exemplo os progressos na educação, mas também as consequências do regime totalitário com a inércia das massas, a despersonalização e o desaparecimento do espírito crítico, os soviéticos reagiram.

O Pravdva publicou um texto onde se afirmava que Gide tinha sido manipulado pelos agentes anti-soviéticos, o que, obviamente, não correspondia à verdade.

Gide nunca deixou de demonstrar a sua revolta e a sua discordância face a situações concretas. Refira-se o ideal colonial preconizado pela França. A sua curiosidade levou-o a compreender a perversidade de todo o sistema colonial, incluindo o recuo voluntário da administração pública para abrir caminho ao livre arbítrio das companhias coloniais. Deu- se igualmente conta que os dirigentes parisienses não só conheciam essas práticas, como as promoviam. Gide enviou o seu testemunho a Blum, que o publicou no Le Populaire, o que fez com que a direita e as companhias acusadas reagissem.

Se, para uns, Gide foi um traidor, para outros foi um símbolo da coragem intelectual que recusava submeter a verdade dos acontecimentos ao partido. Esta era, aliás, a verdadeira filosofia do engagement e também a teoria preconizada por Julien Benda:

«vérité toujours, quoi il en coûte»,26 da qual Gide foi um exemplo inequívoco.

Não sendo marxista nem leninista, depois da chegada de Hitler ao poder em 1933, André Malraux percebeu, no entanto, a premência da luta contra o fascismo tornando-se um convicto militante antifascista. Combateu na Guerra Civil de Espanha de 1936 a 1937, ao lado dos espanhóis republicanos e o seu engagement levou-o à escrita do romance

L’Espoir, publicado em dezembro de 1937.

Venceu o prémio Goncourt, colaborou na NRF, que abandonou em 1952, e foi ainda diretor artístico na Gallimard. No campo pessoal, foi amigo de Camus e de Charles De Gaulle.

Em termos políticos, a guerra de Espanha mostrou e confirmou a Malraux que só os comunistas possuíam força e disciplina capazes de lutar contra o fascismo.

Eficácia, sem dúvida, era a palavra de ordem para este intelectual e a sua lucidez permitiu-lhe uma visão clara das situações: o fascismo não era uma invenção dos seguidores de Estaline e já existia mesmo antes da URSS considerar Hitler um inimigo. Lutar com os comunistas era uma obrigação e Malraux tornou-se um dos expoentes máximos nessa luta.

Na sua ótica, a responsabilidade do combatente devia sobrepor-se aos escrúpulos do intelectual: contra o fascismo, era crime ser pacífico e nesta guerra contra o regime fascista, a URSS era a única potência com a qual se poderia contar.

A partir de março de 1944, participou ativamente na resistência francesa durante a ocupação nazi na Segunda Guerra Mundial e participou nos combates para a libertação da França.

Depois da guerra, ligou-se a De Gaulle, desempenhou funções políticas no RPF e foi Ministro da Cultura entre 1959 e 1969, aquando do regresso do General ao poder. Neste

cargo, Malraux assumiu o importante papel de criar as Casas da Cultura e promover as artes, dos museus ao cinema, da literatura à música.

Através de iniciativas como a encomenda do teto da Ópera Garnier, em Paris, a Marc Chagall, em 1962, o envio da Gioconda aos EUA em 1963 e o restauro do palácio de Versalhes, por exemplo, Malraux contribuiu para o brilho da cultura francesa no mundo.