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Os brinquedos, jogos, brincadeiras e atividades

No documento Infância: imagens e memórias de adultos (páginas 109-113)

Huizinga (2001) defende que por mais que a ideia de brincar esteja atrelada à infância, em contraposição à ideia de trabalho atrelada aos adultos, brincar faz parte da humanidade. Não se pretende aqui discutir a brincadeira na humanidade, ou sua pertença (exclusiva) à infância, mas analisar a presença destas ações nas memórias de infância coletadas e sua ligação com imagens socialmente construídas de infância.

Brincadeiras, brinquedos e jogos tradicionais6

Diversos foram os brinquedos e brincadeiras citados, com maior ou menor ênfase e detalhamento dependendo de cada entrevistado. Dentre eles, destacam-se aqueles mais tradicionais, ou de acordo com Alice “as brincadeiras de rua passadas de gerações”.

Brincadeiras como cabana, casinha, esconde-esconde, espada, mãe da rua, pega- pega, pipa, queimada, subir em árvores e taco foram citadas por todos (e cada uma delas por mais de um entrevistado), mana-mula ou pula-sela é um exemplo de brincadeira que tem mais de um nome, conforme as explicações de Felipe “que o pessoal ficava de

cócoras e a gente pulava, e aí a gente falava uma situação: ‘muralha num sei do que’

aí tinha que pular a pessoa assim” ou de Vanessa “uma brincadeira que pulava as

costas do outro [...] a gente ficava agachada e a gente pulava nas costas, eu não

lembro o nome”.

Esta última brincadeira é apresentada por Fernandes (2004) que a identifica por outros nomes e a apresenta como um jogo popular na Península Ibérica. A respeito de

outras brincadeiras, o autor comenta que “outros jogos que observamos – como ‘pegador’, ‘esconde-esconde’, ‘polícia’ etc. – são tão conhecidos e tão simples que nem precisam ser descritos” (Ibid., p. 297). Este é também o caso de algumas das

brincadeiras encontradas nas memórias de infância e o fato de muitas delas serem lembradas por mais de um entrevistado demonstra seu caráter tradicional.

6Uma lista completa das brincadeiras, brinquedos e jogos tradicionais encontradas na pesquisa de campo consta nos anexos.

Outras brincadeiras tradicionais foram lembradas por pelo menos um dos entrevistados, tais como amarelinha, corre-cotia, polícia e ladrão e seu mestre mandou. Uma brincadeira menos tradicional, porém não menos difundida na cultura infantil, foi rememorada por Suzana “outra brincadeira que eu não lembrei naquela hora, mas eu

acho que eu brinquei bastante disso também, que foi de ser professora [...] A gente combinava de catar um pedacinho de giz da sobra da escola, cada um das suas salas e cada um catava de uma cor, e chegava em casa, eu fechava a porta do meu quarto e a

gente escrevia” e por Érica: “agora a gente vai ser professora. Aí ia pra uma outra sala, ela tinha uma lousinha, brincava de professora”. Esta brincadeira se relaciona com a escola e, em uma forma de apropriação infantil, torna-se parte da cultura das crianças.

Brinquedos também fazem parte do conjunto de brincadeiras da infância destes adultos: bola e as brincadeiras com ela, bolinha gude, carrinho de rolimã, estilingue, espada e boneca são objetos que abrem novas possibilidades nas brincadeiras e não podem ser dissociados da brincadeira em si.

Presença da TV

A presença da televisão nas memórias de infância coletadas é significativa e se apresenta de duas principais formas: (1) programas veiculados pelas emissoras e (2) brincadeiras. Dentre os programas, figuram tanto aqueles destinados ao público infantil como desenhos animados, séries e programas infantis como outros destinados a um público mais velho (filmes e séries).

Na fala de Alice a televisão está muito presente “eu era um pouco televina

também. [...] Eu brincava muito na rua, mas se eu grudava na TV, já era, me esquece.

Podia acontecer o que for que eu não estava nem aí”. Assim como na fala de Vanessa “eu gostava da Sessão da Tarde, que passava aqueles filmes de adolescente que sempre

tinha um namoro e era uma coisa que nunca acontecia [...]. A Sessão da Tarde me marcou demais. [...] Era quase sempre os mesmos filmes, era muito repetitiva a Sessão da Tarde. [...] E da Malhação, da Malhação sempre... Ritualmente às seis horas”.

Outros citaram seus programas e desenhos favoritos, como Débora “eu gostava

Chaves também tinha. Ai, tinha uma... a Blosson, era tipo um seriadozinho que era uma menina, também tinha dois irmãos, eu me identificava muito com ela, eu gostava muito também. Hoje em dia sumiu. Passava no SBT, gostava daquela novela Carrossel,

gostava muito” ou Érica “tinha um desenho que acho que as pessoas nem conhecem

mais que era um carneirinho que fugia de um lobo. E a frase principal do carneirinho era: ‘é o lobo, é o lobo’ e até hoje minha madrinha liga e fala: ‘é o lobo, é o lobo’,

então eu gostava muito desse desenho”.

Gabriel conta que apesar de ficar muito na rua “na hora da Sessão Aventura,

que passava depois da Sessão da Tarde, eu tinha que estar em casa. Então eu via a rua deserta, todo mundo corria pra casa pra assistir. [...] E aquela coisa de todo mundo ir pra casa naquele horário, então já tinha um horário, até porque na escola, no outro dia

tinha o comentário da coisa: ‘ah, você assistiu? Nossa, aquele dia, semana passada, e isso, e aquilo’”.

O relato de Gabriel demonstra que as crianças não apenas assistiam à televisão, mas o que assistiam passava a ser parte da vida delas e de seus grupos de pares, muitas vezes o que se assistia na televisão tornava-se inspiração para as brincadeiras, como relata Felipe “Todo mundo saía na rua era Jaspion, [...] então é uma coisa que também

marcou as brincadeiras, modificou um pouquinho, influenciou um pouco nas

brincadeiras”.

Assim como ele, Alice relata que muito do que assistia era transformado em brincadeira na rua, como o caso do filme do jogo de bats ou em chamar-se de “Alice Jones” por influência dos filmes do Indiana Jones.

Suzana conta que com seus vizinhos existiam “brincadeiras que a gente via em

desenhos e a gente tentava incorporar em nós mesmos, que seriam os personagens de super-heróis. [...] Um colega falava assim: ‘você vai ser o Super Homem, você Mulher

Maravilha, você Homem Aranha’. Então a gente improvisava até as roupas, era muito legal”, nos depoimentos de Renata e Felipe as brincadeiras eram com as espadas, baseadas em desenhos como He-Man, She-Ra, Liga da Justiça e seus personagens.

A presença da apresentadora Xuxa nos relatos de Débora, Alice, Renata e Vanessa é semelhante, pois relatam que gostavam muito dela e que além de assistir ao

programa matinal desta apresentadora7reproduziam as brincadeiras com seus amigos ou a imitavam.

Outra questão importante acerca da presença da televisão na vida das crianças é que ela não adquire aspectos negativos em suas memórias de infância, mas revelam indícios que o que era veiculado e por eles assistido acrescentava em suas brincadeiras, conversas e relações entre pares novas possibilidades.

De acordo com Mouritsen (1998) é possível distinguir três maneiras pelas quais a cultura e a infância se inter-relacionam: “1. A cultura produzida para crianças por adultos [...] 2. Cultura com crianças, onde adultos e crianças juntos fazem uso de variadas tecnologias e mídias culturais [...] 3. Cultura das crianças”8(Ibid., p. 5-6, grifos do autor), ou cultura infantil. O que os depoimentos indicam é que as crianças eram capazes de transformar a cultura produzida para a infância em cultura da infância.

Atividades frequentes

Outras atividades frequentes que apesar de suas particularidades apresentam semelhanças diz respeito aos esportes. Fernanda conta “Eu gostava era de andar de

bicicleta, muito, eu andava de patins, gostava muito de ginástica, de educação física

[...] eu jogava também basquete no Vasco da Gama, treinava duas vezes por semana” e Gabriel revela “eu participava de um grupo de cross, que era a BMX da Caloi então

tinha o patrocínio da Caloi e eu treinava com eles. [...] Comecei a participar de um grupo de triátlon [...] Participei de teatros lá e aqui também, então você acaba tendo

outras atividades, desde cedo eu já tinha outros tipos de atividade”.

Estas atividades esportivas também aconteciam na escola, o que está presente na fala de Renata “Handebol sempre gostei. Era minha brincadeira, meu esporte favorito na época. Comecei a jogar handebol com nove anos, 3ª série” e Felipe “outra coisa

que acontecia nas manhãs eram os campeonatos que a gente ia disputar no SESI [...]

basquete, vôlei e futebol”.

7

Por muito tempo intitulado “Xou da Xuxa”, cf. nota 62 do capítulo 3.

8

“distinguish three mains types of child culture: 1. The culture produced for children by adults [...]. 2.

Culture with children, where adults and children together make use of various cultural technologies and media [...]. 3. Children’s culture”.

Estes relatos demonstram que há tempos as crianças têm e se interessam por outras atividades além daquelas exigidas no interior da família e da escola, bem como não são caracterizadas por serem brincadeiras, mas atividades que exigem certos níveis de dedicação e responsabilidade e que não só brincadeiras compunham seus modos de vida na infância.

No documento Infância: imagens e memórias de adultos (páginas 109-113)