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Os campos empíricos de observação: os espaços e as pessoas

Parte III – Integrantes dos campos empíricos de observação

Capítulo 6 Os campos empíricos de observação: os espaços e as pessoas

Os campos empíricos de observação: os espaços e as pessoas

O espaço descontínuo em que se constituiu a Lisboa oitocentista foi segmentado por Rodrigues (1993, citado por Cordeiro, 1997) em três grandes manchas territoriais, orientadas pelo crescimento populacional decorrido entre 1800 e 1900: (i) centro histórico, no caminho da terciarização com um resultante despovoamento, incluiu as cinco freguesias de São Julião, Conceição, São Nicolau, Mártires e Santa Justa; (ii) um conjunto de bairros antecedentes ao Terramoto de 1755, que continuaram a existir depois e registaram um crescimento razoável, desenhando uma cintura em redor do centro histórico e incluindo as freguesias do Castelo, Sé, Santo Estevão e São Miguel (Alfama), São Cristóvão e São Lourenço, Madalena, Socorro (Mouraria), Santiago, Santo André e Santa Marinha (Graça), Pena, São José, Encarnação, Santa Catarina e São Paulo (Bairro Alto e Bica), Mercês, Sacramento e Lapa; (iii) o segmento mais novo da cidade, posicionado em torno daquela cintura, uma zona de transição entre o espaço urbano setecentista e oitocentista, que sofreu um enorme crescimento populacional e incluiu Santos (Madragoa), São Mamede, Santa Isabel, Belém, Alcântara, Ajuda, Benfica, Ameixoeira, Santa Engrácia, Beato, Olivais, Anjos, São Sebastião, Charneca e Arroios.

6.1. O Bairro de São José65

Em traços largos, presentemente, o contexto espacial do Bairro (lisboeta) de São José é constituído pelo Marquês de Pombal (a Norte), pelos Restauradores, Rossio e Terreiro do Paço (a Sul), pelo Campo dos Mártires da Pátria (a Este), pelos Bairro Alto e Príncipe Real (a Oeste). O bairro, que se encontra incluído na Freguesia de Santo António, é fragmentado pela Avenida da Liberdade em ambos os seus diferentes lados: o lado Este e o lado Oeste.

65 “Identificar os bairros de uma cidade (…) conduz a uma necessária articulação entre outras realidades locais, de maior ou menor escala, como sejam as unidades administrativas ou as unidades de vizinhança (…) Tanto uma como a outra parecem (…) ser unidades mais facilmente identificáveis do que o bairro: as freguesias têm fronteiras claras, traçadas no mapa com um rigor cartográfico; as vizinhanças correspondem a nós de interacção vicinal, mais pequenas do que o bairro.” (Cordeiro, 1997, 39-40). Presentemente, os bairros, territórios espaciais e sociais aproximativos, integram, exclusivamente, o domínio da tradição oral (Cordeiro, 1997). A pesquisa no Bairro de São José conduziu a um traçado do espaço urbano do bairro e da sua sociedade que, em relação à antiga Freguesia de São José, excluiu a parte contígua da Avenida da Liberdade, integrante da delimitação espacial dessa antiga freguesia, bem como os residentes desta avenida.

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Figura 2 – Parte do enquadramento espacial do Bairro de São José (2013)

(com o Arco da Rua Augusta, à esquerda, e uma fração da Praça dos Restauradores, à direita)

No quadro do acompanhamento arqueológico de uma obra na Rua do Passadiço, situada no lado Este do Bairro de São José, no ano 2011, foram descobertos vestígios de uma ocupação que preencheu os arrabaldes da Olissipo Romana, durante o apogeu desta cidade, nos séculos I e II d.C.. Nos séculos V a VII, ocorreram as invasões bárbaras de Lisboa, feitas por povos como os Alanos (iranianos) e os Visigodos (germânicos) e, no decurso do século VIII, os muçulmanos (árabes) conquistaram Lisboa.A artéria que tem o início nas Portas de Santo Antão, localizadas (a Este) nas proximidades do Rossio, e continua no sentido Norte foi, durante muitos séculos, uma das principais zonas de entrada em Lisboa e existiu, igualmente, na época romana. Entre a mesma artéria e o espaço onde foi construída a Avenida da Liberdade correu, ainda no século XII (já Portugal constituía um reino), o Rio de Valverde, que intercetou o braço do Rio Tejo, mais amplo que atualmente, existente no Rossio. Os campos de Valverde foram cultivados com hortas, que abasteceram a cidade, tendo emergido destas circunstâncias as designações “Hortas de Valverde”, “Sítio de Valverde”, “Caminho entre as Hortas” ou, apenas, “Entre as Hortas”.

Já no início do século XV foi fundado o Convento de Santo Antão, localizado no atual Largo da Anunciada e pertencente aos Frades Agostinhos Descalços de Santo Antão. Em 1539, os frades trocaram o convento com as Freiras Dominicanas de Nossa Senhora da Anunciada66 e, com a entrada das freiras, o nome do convento passou a ser Convento da Anunciada. Depois deste convento seguiu uma rua muito comprida – que constitui um segmento da artéria antes mencionada e, atualmente, é denominada Rua de São José, uma das ruas presentes no lado Este do Bairro de São José – flanqueada por quintas de certos elementos da nobreza, que se acredita terem escolhido a zona extramuros da Cerca Fernandina por ser menos densificada em termos

66 O Palácio dos Andradas, totalmente destruído pelo Terramoto de 1755, foi mandado edificar por Fernão Alvares de Andrade e localizou-se em frente ao convento. O convento, por seu turno, sofreu uma remodelação patrocinada por Fernão Álvares de Andrade, para acolher as freiras provenientes do seu primitivo convento na Mouraria.

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de construções. Previamente, em 1537, iniciou-se a primeira confraria portuguesa, a Confraria de São José (da Igreja de Santa Justa e Santa Rufina) e, passados nove anos, a confraria mudou- se para o espaço denominado “Entre as Hortas” e, mais especificamente, para a Capela de São José de Entre as Hortas ou Capela de São José dos Carpinteiros, disposta, um pouco a Norte do Convento da Anunciada, na atual Rua de São José. Em 1567, esta capela transformou-se na igreja paroquial da, então, recém-criada Freguesia de São José de Entre as Hortas67. Em 1755, o terramoto destruiu a fachada desta capela e a irmandade mandou construir a presente fachada. Ulteriormente, em 2013, deu-se uma reabertura da capela, após alguns anos de encerramento.

Figura 3 – Imagem do Patriarca de São José na fachada da Capela de São José dos Carpinteiros (2014)

Antes disso, o Convento da Anunciada ruiu, completamente, com o Terramoto de 1755. Como o terreno ocupado pelo convento destruído pertencia às Freiras Dominicanas de Nossa Senhora da Anunciada, a Irmandade do Santíssimo Sacramento comprou-o a estas. Edificada por esta irmandade para sede de freguesia, que, desde 1567, estivera na Capela de São José dos Carpinteiros, a construção da Igreja Paroquial de São José da Anunciada teve o seu início em 1863 e terminou em 1883. Seguidamente, com a instauração da República Portuguesa, em 1910, surgiram as juntas de freguesia. A emergência das juntas de freguesia, tal como as conhecemos hoje, constituiu um resultado da dissociação entre Estado e Igreja – em que a Igreja perdeu a importância que possuiu anteriormente na ordenação dos quotidianos das suas comunidades – e formalizou a abolição das juntas de paróquia, mas foram conservadas as mesmas delimitações territoriais.

67 Antes, no final do século XII, tinham emergido as dez primeiras freguesias da Lisboa cristã, que ocuparam um terreno delimitado, tendo como ponto mais fundamental a igreja matriz ou a sede paroquial, e cujos elementos contribuíram para a ordenação do quotidiano dos residentes locais. “Embora esta unidade – freguesia/paróquia – correspondesse, em tempos, a um segmento de população que com ela mantinha uma ligação de pertença e de identificação, a verdade é que, cada vez mais, se foi transformando numa mera unidade administrativa. Os bairros oficiais, que posteriormente surgiram, definiram unidades de dimensão intermédia entre a unidade mínima administrativa – a freguesia ou paróquia – e o conselho (…)” (Cordeiro, 1997, 42-43).

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Figura 4 – Parte superior da Igreja Paroquial de São José da Anunciada (2014)

A Freguesia de Santo António emergiu no contexto da reorganização administrativa de Lisboa, que entrou em vigor após as eleições autárquicas de 2013, e resultou de uma conjugação das antigas freguesias de São Mamede, do Sagrado Coração de Jesus e de praticamente toda a antiga Freguesia de São José (tendo uma pequena fração sido introduzida na recente Freguesia de Arroios). Os profissionais da Junta de Freguesia de Santo António estão distribuídos pelos edifícios das (três) antigas juntas de freguesia, que constituem, agregadamente, esta nova junta de freguesia. Mas o Bairro (histórico) de São José mantém-se no imaginário dos residentes.

6.1.1. As populações e os espaços urbanos do lado Este do Bairro de São José

Nas palavras dos residentes idosos do lado Este do Bairro de São José, um segmento das edificações, posicionadas do mesmo lado do bairro, foi fruto da reconstrução pombalina da cidade de Lisboa. No início de 1800, parte da cidade estagnou ou moderou o seu crescimento, sobretudo, como resultado das invasões francesas (que ocasionaram a radicação no Brasil da família real e da sua corte), da Revolução Liberal do Porto (que ocasionou o regresso a Portugal de muitos daqueles indivíduos que se haviam radicado no Brasil e o princípio da Monarquia Constitucional) e da Guerra Miguelista (que ocasionou o segundo reinado da constitucionalista Dona Maria II). Foi, essencialmente, a partir dos anos 1880, já no reinado de Dom Luís I, que esta cidade cresceu, repentinamente, tanto em área, por ampliação dos seus anteriores limites administrativos, como, gradativamente, em população, à custa da entrada, mais proeminente no centro da mesma cidade, de frescos residentes, uma realidade populacional que, hoje, apresenta contornos muito diferentes (Cordeiro, 1997):

“(…) Em 1864 mais de metade da população de Lisboa vivia no centro da cidade (…) Os bairros situados na zona antiga da cidade sofreram, na passagem do século, um processo de densificação que se traduziu em prédios a crescer em altura, traseiras e pequenos espaços livres a povoarem-se de habitações mais ou menos precárias e inúmeros andares a fragmentarem-se em

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‘partes de casa’ e/ou quartos, albergando várias famílias. Hoje, este mesmo centro da cidade transformou-se num espaço (…) onde se assiste ao envelhecimento progressivo da sua população (…)” (Cordeiro, 1997, 60).

Como na maioria das cidades, aquele crescimento da capital portuguesa (e o equilíbrio dos seus saldos fisiológicos negativos ou superficialmente positivos) deveu-se a uma população migrante, ou seja, aos numerosos provincianos que ali chegaram em busca de uma vida melhor (cf. Cordeiro, 1997), nem sempre encontrando as melhores condições de vida:

“Com projetos mais ou menos definidos de instalação definitiva ou sazonal ou de passagem para as Américas, estes migrantes foram-se fixando e repovoando os velhos bairros de Lisboa, nas suas casas antigas e, por vezes, já degradadas, abandonadas e/ou subalugadas por anteriores ocupantes que se haviam mudado para áreas mais nobres de uma Lisboa que crescia ao longo da Avenida da Liberdade em direção às Avenidas Novas e em recentes urbanizações, como por exemplo Campo de Ourique.” (Cordeiro, 1997, 57).

Presentemente, o centro da designada Área Metropolitana de Lisboa não só compreende uma população envelhecida, como também compreende uma população menos numerosa:

Em 1900, a capital compreendeu “(…) cerca de 73% da população da área que virá a constituir a chamada Área Metropolitana de Lisboa. A barreira dos 70% será uma constante, já oriunda do século transacto (1890, 72,60%) e que irá sofrer progressiva erosão a partir dos anos 40, quedando-se em 1950 nos 67,69%, caindo abaixo dos 59% em 1960, à volta dos 45% em 1970, dos 35% em 1981 e nos 29% em 1991.

As posições invertem-se. Da dominação de ¾ da população da sua área contígua, o centro da metrópole conserva no seu interior, cem anos depois, pouco mais de ¼ das gentes que vivem na sua Área Metropolitana (…)” (Baptista, 1994, 59).

Contudo, apesar das cidades centrais perderem habitantes, relativamente às zonas mais periféricas, no que concerne ao turismo, é o centro urbano que domina a área metropolitana. A sua história, o seu património e as suas qualidades inigualáveis, a sua herança arquitetónica e os seus conjuntos de comodidades formam vantagens encantadoras para o destino dos turistas (Hoffman, Fainstein e Judd, 2003). Esta questão é evidente no turismo das imediações do Bairro de São José (ver Anexo A, páginas 302 a 310, com uma descrição da Avenida da Liberdade).

Porém, no lado Este do Bairro de São José, tal como no lado contrário, as ruas são muito inclinadas e as edificações não possuem elevador, o que forma as componentes mais essenciais de um espaço urbano íngreme. A malha urbana do bairro é apertada, devido ao acanhamento das ruas e ao encavalitado das edificações, tendo as mesmas edificações, sobretudo, três, quatro ou cinco andares ocupados com apartamentos que têm (duas a quatro) assoalhadas exíguas68, o

que forma as componentes vitais de um espaço urbano estreito. No contexto espacial do lado Este do bairro, estas questões, conjugadas com o facto de que os lugares de estacionamento (e os edifícios com garagem) são praticamente inexistentes, limitam a entrada ou a permanência,

68 Alguns prédios contêm, no piso térreo, habitações com terraços de dimensões reduzidas ou com quintais maiores, onde foram plantadas algumas árvores, flores e outras plantas e onde, por vezes, foram, ainda, construídas piscinas pequenas. Em alguns destes quintais, situados, nomeadamente, na Rua da Fé, existiram coelheiras e galinheiros.

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no mesmo lado do bairro, de residentes com menores idades e maiores recursos económicos (tendencialmente, proprietários de um automóvel) e limitam, igualmente, as visitas demoradas dos familiares dos idosos residentes. Por conseguinte, os residentes deste lado do bairro, são, especialmente, idosos com idades avançadas e baixos recursos económicos (ou rendimentos inferiores a 600 euros), que estiveram incluídos, sobretudo, na categoria socioprofissional dos empregados executantes, sendo que observámos, unicamente, um pequeno número de adultos, com os mesmos recursos económicos, tal como um pequeno número de crianças e adolescentes. No entanto, do mesmo lado Este do Bairro de São José existe um número reduzido de prédios devolutos, que não se destacam do conjunto espacial.

Além disso, certas ruas do mesmo lado do bairro foram requalificadas. Em 2011, quinze anos após serem encontrados os primeiros problemas, foram realizadas obras de requalificação na Rua da Fé. Antes, a Rua de São José, cujos problemas começaram a ser detetados em 1947, sofreu obras de requalificação. Recentemente, algumas outras ruas, como a Rua do Passadiço, a Rua do Carrião, a Rua da Esperança do Cardal e a Rua da Metade foram, completamente ou parcialmente, intervencionadas.

Figura 5 – Rua do Passadiço, Rua do Carrião e Rua da Esperança do Cardal (2013) (da esquerda para a direita)

Contudo, nem sempre as estradas se acharam calcetadas ou alcatroadas, para facilitar a circulação automóvel, e nem sempre as estradas foram acompanhadas de passeios com calçada à portuguesa, para os indivíduos andarem mais confortavelmente. Quando certos idosos com quem conversámos vieram morar para o bairro as ruas eram muito diferentes:

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Entrevistado: Ai eram péssimas, então esta minha rua [a Rua da Metade]... Andaram cá uma quantidade de homens da

Câmara, da Câmara [Municipal de Lisboa], mas foi já o Vasco [Morgado – Presidente da Junta de Freguesia de Santo António] que tratou disso... vieram para aqui uma quantidade de homens, num dia fizeram esta rua toda até lá a cima,

puseram pilares e tudo, tudo, era uma quantidade de homens aí a trabalhar... Entrevistador: As ruas eram piores?

Entrevistado: Ai, era pé em baixo, pé em cima, pé em baixo, pé em cima, as ruas eram péssimas (…)” (Natália Guerra, ex- residente do lado Este do Bairro de São José).

Do lado Este do Bairro de São José, mais pacato e mais tranquilo do que o lado Oeste (ver Anexo A, páginas 310 a 313, com uma descrição das características históricas, espaciais e sociais do lado Oeste do bairro), quanto aos indivíduos que o frequentam e às organizações aí instaladas, estão situadas a Capela de São José dos Carpinteiros69, a Igreja Paroquial de São José da Anunciada e a sede da Junta de Freguesia de Santo António70. Também do mesmo lado do bairro, mais precisamente na Calçada do Lavra, existe o Elevador do Lavra, um funicular de transporte coletivo, inaugurado em 1884, que é o elevador mais antigo da cidade de Lisboa e faz a ligação entre o Largo da Anunciada e a Rua Câmara Pestana. O mesmo lado compreende, para além disso, o espaço do antigo Cinema Odéon, inaugurado nos anos 20 do século XX, que conteve duas entradas muito próximas do Teatro Politeama e do Salão Olympia.

No curso das décadas de 1930 e 1940, o lado Este do Bairro de São José englobou certas diferenças relativamente ao presente, visto que estiveram, grandemente, patentes as tabernas, que, entretanto, passaram a funcionar como restaurantes, e também existiram bastantes lojas de penhores, como reportou Francisco Ferreira:

“O comércio está todo mais ou menos na mesma (..) os estabelecimentos, praticamente, são quase todos os mesmos, o que havia é o que há, uns mudaram de taberna para restaurantes, por exemplo, um que há aqui ao fundo da Travessa Larga, que é o ‘Cartachinho’, que é o meu restaurante, trabalha muito bem, mas isso era uma taberna, vendia vinho ao balcão e por aí fora, hoje é um restaurante e bom. E o resto é tudo restaurantes que já haviam, mercearias, os que não eram restaurantes eram mercearias, algumas frutarias, haviam drogarias, drogarias haviam aí umas quantas e o resto está tudo mais ou menos na mesma… e haviam casas de penhores, que era o que havia naquele tempo, porque havia muita miséria e depois as pessoas empenhavam um lençol, uma dúzia de pratos, um faqueiro e era assim que vivia a maior parte das pessoas, era com as casas de penhores, depois iam pagando aos poucos com os juros, depois quando tinham tudo levantavam os objetos, mas havia miséria (…)” (ex-residente do lado Este do Bairro de São José).

69 No lado Este do Bairro de São José foi, também, construída, em 1570, a Igreja do Convento de Santo António dos Capuchos, que, atualmente, alberga o Hospital de Santo António dos Capuchos.

70 Próxima da Igreja Paroquial de São José da Anunciada existe a Leitaria da Anunciada, que foi uma vacaria, a Vacaria da Anunciada, onde os residentes do Bairro de São José compraram leite. Esta leitaria mantém algum do

traçado arquitetónico de exteriores e interiores, que pertenceu à antiga vacaria, como um painel exterior de azulejos e os arcos interiores, mas está, praticamente, sempre vazia, o que, segundo o seu proprietário idoso, comprova, de resto, que o Bairro de São José está envelhecido. Também a Leitaria Francesa, que está situada muito próximo da sede da Junta de Freguesia de Santo António e é gerida por um adulto residente no bairro, se encontra, geralmente, quase vazia. Este esvaziamento dos cafés-leitarias ocorreu uma vez que a população do bairro envelheceu, mas também uma vez que os idosos residentes só os frequentam esporadicamente, frequentam-nos, mais assiduamente, em pequenos grupos ou não os frequentam de todo.

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Deste lado do bairro existiram, ainda, muitas lojas de antiguidades, das quais se mantêm muito poucas, e mais lojas de comércio tradicional (talhos, mercearias, drogarias, etc.), entre as últimas encontrou-se uma loja de carvoeiro, cuja história não foi esquecida por certos residentes idosos do bairro e, mesmo, das proximidades do bairro, como demonstra o próximo excerto de Alice Simões (residente do Bairro do Sagrado Coração de Jesus):

“E lá em baixo em São José também havia muito comércio, casas de antiguidades, estrangeiros que se viam ali na rua porque vinham ver aquelas casas de antiguidades, havia lá uma quantidade de casas de antiguidades na Rua de São José (…) com coisas lindíssimas, antigas, haviam talhos, haviam essas coisas todas, ainda lá estão duas mercearias, que é a do Ribeiro e a do Zé, em baixo, para baixo também haviam mercearias, haviam tabernas, havia lá um carvoeiro à esquina (…) chamavam-lhe o Carvoeiro do Ladrão porque ele roubava no carvão, pesava o carvão mal (…) Quando foi a guerra (…) lá da Alemanha… tínhamos que ir para a bicha do pão, para a bicha do azeite, para a bicha do açúcar, para a bicha do carvão, para a bicha do petróleo (…) era só um litro. Uma vez fui para esse carvoeiro com a minha irmã (…) éramos miúdas, e fomos para lá para ver se cada uma apanhava seu litro de petróleo e, então, quer dizer, aviaram-me a mim o litro de petróleo e depois houve lá uma que disse: ‘Elas são irmãs!’. Elas são irmãs e a minha irmã já não trouxe, pois, quer dizer, em lugar de trazermos dois litros trouxemos um litro de petróleo.”.

Francisco Ferreira lembrou-se, identicamente, deste carvoeiro quando nos contou como foi o lado Este do Bairro de São José nos tempos passados:

“De resto, havia aqui um carvoeiro muito rico que vendia o carvão aqui para a Avenida da Liberdade, para aquela gente rica, abastecia-se toda aqui, e fez aí uns prédios que estão aí ainda (…) A gente chamava-lhe o Carvoeiro Ladrão, o Zé Ladrão, porque ele no carvão que mandava para a Avenida da Liberdade… os empregados… metia pedras dentro do carvão, fazia muita malandrice.” (ex-residente do lado Este do Bairro de São José).

Nos primeiros tempos de existência, a Loja da Carne, situada na Rua das Pretas, acolheu o fabrico de salsicharia e vendeu carne, sendo, hodiernamente, apenas um talho. O seu atual proprietário idoso conheceu o funcionamento do talho há mais de 60 anos, quando trabalhou aí como empregado. Este talho resistiu ao enfraquecimento das lojas de comércio tradicional do bairro, designadamente nesse ramo comercial, manifesto no encerramento de outros talhos das proximidades, mas ressente-se com a emergência dos supermercados e com as mudanças que surgiram no bairro relativamente aos que ali habitam. À semelhança deste senhor, o proprietário idoso da “Mercearia do Senhor José”, situada na Rua de São José, trabalhou aí inicialmente na

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