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Os clientes, a comunidade e a relação de confiança

Nos diversos códigos de boas práticas sobre corporate governance a que anteriormente se fez alusão, um dos aspetos que se procurou padronizar foi a proteção dos pequenos acionistas, mas também dos restantes stakeholders (Silva et al., 2006). Trata-se portanto de um passo importante, que se materializa, por exemplo, no código da OCDE, da criação de mecanismos de atuação e de proteção em situações de denúncia a partir de situações irregulares ou mesmo ilegais na atuação das empresas. A estas situações adotou-se a designação de whistleblowers.

Com efeito, a OECD (2015) apresenta um conjunto de princípios que devem promover uma cooperação ativa entre as empresas e os stakeholders e sublinham a importância de reconhecer os direitos desses stakeholders seja através do cumprimento da lei, seja pelo estabelecimento de acordos mútuos. Um aspeto central do corporate governance centra- se em assegurar o acesso a capital, seja ele proveniente dos acionistas, seja sob a forma de crédito.

De acordo com a Corporação Financeira Internacional - CFI (IFC, 2009), entre as diversas motivações para a adoção de práticas de corporate governance destacam-se as seguintes:

 Aceder a fontes de capital ou reduzir o custo do capital;  Enfrentar e responder às pressões do mercado externo;

 Equilibrar os interesses algumas vezes divergentes dos acionistas;  Resolver questões de governança em empresas familiares;

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Trata-se portanto de uma preocupação com a inserção da empresa na sociedade e, em específico, com a evidenciação de práticas transparentes para o mercado. Com efeito, a forte competitividade a que assistimos nos dias de hoje é transversal a todos os setores de atividade, inclusivamente a banca. “Os clientes podem escolher entre vários bancos e

as cooperativas de crédito não têm mais o monopólio local. Nos mercados financeiros competitivos modernos, há pouco espaço para a promoção dos membros cooperadores no sentido convencional” (Greve, 2002:16).

Por outro lado, a influência do mercado nas práticas de corporate governance são cada vez mais salientes. A competitividade das empresas é um resultado de um trabalho em equipa que conjuga contribuições de um conjunto de fornecedores de recursos, designadamente investidores, empregados, credores, clientes, fornecedores e outros stakeholders (OECD, 2015).

Holmstrom e Kaplan (2003) consideram que, enquanto aos gestores tomam decisões sobre grandes quantidades de recursos economia por meio da atuação em mercados de capitais e trabalho, a fronteira entre os mercados e os gestores tende a mudar. Assim, “como os gestores cederam autoridade para os mercados, o alcance e a independência da sua tomada de decisão diminuíram” (p. 9).

De facto, o paradigma com que foram criados os primeiros bancos cooperativos, assente na facilitação do acesso ao crédito dos pequenos proprietários rurais e comerciantes, tem vindo a ser colocado em questão. O aumento da concorrência tem levado a que outros bancos procurem diversificar e ampliar a sua base de clientes, procurando conquistar clientes à banca cooperativa, aproveitando-se das suas desvantagens (ver mais adiante). Com efeito, os pressupostos políticos e sociais que fazem a grande empresa possível e que moldam a sua forma podem afetar profundamente quais as empresas, quais estruturas de propriedade do capital, e quais os mecanismos de corporate governance que permitem sobreviver e prosperar e quais não (Roe, 2003).

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Deste nível de competição resultam dois fenómenos com fortes implicações na atividade bancária: por um lado, verifica-se uma maior transparência nos mercados o que acelera a capacidade dos competidores para imitar produtos ou serviços financeiros. Por outro, este contexto leva a que a relação entre os clientes e a banca seja cada vez mais precária. De facto, atualmente o cliente de um banco - especialmente os de pequeno e médio porte - é confrontado com uma grande oferta de produtos e serviços financeiros. Todavia, ao não serem, na sua maioria, especialistas na área financeira, tendem a contar com o conselho de bancos, que atuam como consultores (Greve, 2002). Neste contexto, a relação da banca com os seus clientes é caraterizada pelos seguintes elementos (Greve, 2002):

 Plasticidade. Os clientes dependem de seus bancos ao nível do aconselhamento sem, no entanto, serem capazes de o controlar de forma eficaz;

 Especificidade. Nas relações contratuais, o cliente compromete-se a investimentos específicos à transação, por exemplo, fazendo contratos de longo prazo.

No caso da banca cooperativa, dado ser natural existirem situações em que os clientes são simultaneamente cooperadores, a atenção para com a atividade da empresa reveste- se de particular importância.

Neste contexto, se na banca em geral, é necessário apostar na solidez da instituição perante os seus clientes e a sociedade em geral, na banca cooperativa, devido às particularidades apresentadas, esta preocupação é ainda mais premente. Esta realidade agudizou-se com as crises mais recentes. Primeiro com a crise asiática. Referindo-se a esta crise, Joh (2003) revela que “se um mau desempenho ao nível do corporate governance ajudou a baixar o valor e a capacidade de sobrevivência financeira das empresas antes da crise, depois desta, a preocupação é, sem dúvida, o aumento da vulnerabilidade agregada da economia (p. 288). Segundo, com a crise financeira e económica, que teve início em 2008.

Como forma de incrementar esta credibilidade e imagem perante os clientes e a sociedade, Greve (2002) recomenda que as cooperativas suportem a sua atividade na

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estrutura híbrida anteriormente descrita em que o oportunismo é bastante reduzido. O oportunismo também pode surgir por iniciativa dos gestores. Por exemplo, Holmstrom e Kaplan (2003) consideram que os gestores de topo podem demorar a responder às oportunidades para aumentar o valor da empresa, sobretudo se os incentivos de remuneração não forem os mais aliciantes (e.g. propriedade limitada de ações). Assim, a relação com outros stakeholders pode ser comprometida, sobretudo se houver o entendimento de que o crescimento e a estabilidade são as metas corporativas mais adequadas. Como consequência, as reações do mercado podem ser negativas. Foi o caso da “indústria de petróleo dos EUA, no início de 1980, quando as empresas de petróleo negociaram abaixo do custo de exploração devido ao excesso de produção em todo o setor” (Holmstrom e Kaplan, 2003: 7).

Para Greve (2002) poderão existir vantagens e desvantagens numa cooperativa de crédito. Como vantagens, a força das cooperativas de crédito reside na sua reduzida dimensão, o que:

 Facilita a obtenção de informação específica sobre os clientes;  Permite tomar decisões mais rápidas;

 Possibilita realizar operações com maior flexibilidade.

Por outro lado, essa reduzida dimensão pode trazer desvantagens nos casos em que:  Um cliente necessite de um crédito de montantes elevados, que exceda a

capacidade da cooperativa de crédito local;

 Um cliente pretende ser apoiado no seu processo de internacionalização;

 O banco cooperativo pretende oferecer uma ampla gama de produtos e serviços financeiros especializados. Neste caso, os bancos cooperativos locais têm de trabalhar em conjunto com os bancos maiores ou sociedades financeiras especializadas.

Como refere Moir (2001), as práticas de corporate governance não podem ser separadas da sua atuação ao nível da responsabilidade corporativa, o que as tornam mais abrangentes numa cada vez maior gama de questões, como “o encerramento de fábricas, relações laborais, direitos humanos, ética corporativa, relações com a comunidade e o

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meio ambiente” (p. 2). Neste sentido, a atuação das empresas e das suas práticas de corporate governance devem considerar diretrizes relacionadas com o local de trabalho (funcionários), o mercado (clientes, fornecedores), o meio ambiente e a comunidade em geral.

De acordo com a OCDE, deverão ser adotados os seguintes princípios no sentido de proteção dos restantes stakeholders (Silva et al., 2006: 177):

 “Deve-se acautelar os direitos legais e contratuais dos stakeholders e encorajar a sua cooperação com a sociedade, com vista à prossecução dos objetivos desta;  Devem-se criar mecanismos de otimização do desempenho, para reforço da

participação dos trabalhadores;

 Os stakeholders (incluindo os colaboradores da empresa) devem poder comunicar livremente ao órgão de administração as suas preocupações com práticas ilegais ou contrárias à ética, não devendo os seus direitos ser prejudicados por esse facto;

 O governo das sociedades deve ser complementado com regulação eficaz da insolvência e do exercício efetivo dos direitos dos credores.”