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CAPÍTULO IV. O INTERNACIONALISMO MULTIDIMENSIONAL DO

4.2. Os comitês de apoio na Europa e América do Norte

Em sua trajetória o MST sempre contou com a solidariedade internacional de vários movimentos, organizações, associações, igrejas e ONGs progressistas. Basta mencionar – além dos exemplos apresentados – que no conhecido acampamento que deu origem ao MST, a Encruzilhada Natalino, no Rio Grande do Sul, em 1981, a organização francesa Frères des Hommes esteve presente. A luta do MST e a luta pela reforma agrária no Brasil conseguiram exercer a simpatia de centenas de pessoas e grupos ao redor do planeta que tomaram iniciativa de levar informação e debate por conta própria para a classe trabalhadora de seu respectivo país. As entidades se multiplicaram rapidamente a partir de meados da década de 1990, sob a formação de coletivos, conhecidos comumente por Comitês de Apoio, Comitês de Solidariedade, ou simplesmente Amigos do MST, espalhados em diversos países do mundo. Naturalmente, tal apoio não

148 dependeu de um aval da DN do MST, muito embora os mesmos tenham percebido que era necessário que as organizações de solidariedade internacional tivessem mais força.

O surgimento dos comitês de apoio no Hemisfério Norte não dependeu de uma política direcionada do MST. Foram ao contrário, as nossas lutas por aqui, de forma massiva, que resultaram como catalisador de vontades, de pessoas de lá, que querem realizar atividades de solidariedade internacional e se somaram a nós. Tampouco tem relação com o Massacre de Eldorado dos Carajás, ela apenas influenciou a escolha da data de 17 de abril, como Dia Internacional da Luta Camponesa e mais pelo fato de que justamente durante o massacre estava se realizando a Conferência Internacional da Via Campesina, no México, e aí os delegados impactados pelo massacre, tomaram a decisão de criar o dia internacional no calor dos acontecimentos (Entrevista com João Pedro Stedile em 14/junho/2012).

No entanto, ao que tudo indica, uma possível explicação da multiplicação dessas entidades apoiadoras do MST assenta-se em três fatores – um episódio externo ao Movimento, um episódio que lhe é interno e um trabalho artístico que ajudou sua projeção no exterior: 1) o levante neozapatista, em 1994, com sua insurgência e sua nova forma de resistência e projeto alternativo de uma sociedade anticapitalista reabilitou – e expandiu – a solidariedade política com relação aos movimentos sociais, baseada na prática do internacionalismo. 2) a chacina de trabalhadores rurais em Corumbiara, em 1995, e Eldorado dos Carajás, em 1996. A maneira com que os camponeses foram assassinados nesses episódios gerou uma aguda onda de protestos no exterior (principalmente na Europa e nos Estados Unidos) contra a violência e a impunidade no campo, principalmente durante as viagens oficiais do presidente da República (na época Fernando Henrique Cardoso). 3) A exposição e um livro sobre o MST (com prefácio do escritor português – e prêmio Nobel de Literatura – José Saramago), produzido e organizado pelo fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado com o tema/título “Terra” (1997). A exposição percorreu quarenta países e oitocentas cidades, levando a imagem em retrato os integrantes do MST111.

Evidentemente esses dois fatores estão longe de ser a causa única da visibilidade internacional da luta do MST, mas não há dúvida de que eles provocaram um aceleramento da repercussão Movimento com a finalidade de construí-lo em escala internacional uma opinião pública favorável às lutas camponesas no Brasil pela reforma agrária. Nesse contexto, houve a formação permanente dos comitês de apoio. Os setores

111 “Boa parte se deveu a Sebastião Salgado e suas fotografias. A exposição ‘Terra’ foi um êxito mundial

e deu ao MST uma visibilidade global no campo das artes, sem que fora preciso um discurso ideológico. As imagens de Salgado nos projetaram internacionalmente, algo que estamos enormemente agradecidos” (STÉDILE, 2002, p. 117).

149 que impulsionam esses comitês são diversos: professores, militantes sociais, jornalistas, pesquisadores. Ademais, muitos contam com a contribuição de centrais sindicais, ONGs e Igrejas Cristãs.

Atualmente o MST recebe em torno de quarenta apoios de comitês que estão concentrados basicamente em dois continentes, na América do Norte (Estados Unidos e Canadá) e na Europa (Espanha, Holanda, Suécia, Suíça, Áustria, Grécia Noruega, França, Bélgica, Itália, Alemanha, Escócia, Portugal). Somente para se ter uma dimensão da quantidade dessas redes de solidariedade, na Espanha, país de maior número de comitês (e do mais antigo, o de Barcelona que começou em 1994), existem grupos em diversas regiões do país: o Comité de Suport al MST em Barcelona, o Komite Internazionalistak de Euskadi, o Comité de Solidariedad Internacionalista de Zaragoza, mas também em Santa Eugénia de Berga, Gernika, Bilbo, Mallorca, Galiza, Asturias, Valencia, Aragon112. Desde 1997 começou a ocorrer formalmente um encontro europeu dos Amigos do MST. Os Friends of the MST (FMST) nos Estados Unidos surgem a partir de 1997 e estão nas cidades de Seattle, Chicago, Nova York, Boston, Portland, Los Angeles e Washington.

Os comitês procuram empenhar-se em executar diversas atividades de divulgação: debates, exposição (lonas pretas, camisetas, textos), atividades de formação, exibição de vídeos, filmes, documentários e fotos sobre a história do MST e da reforma agrária no Brasil e na América Latina. Amiúde convidam as lideranças do MST para que eles próprios apresentem a situação social do campo113. Mais do que isso: organizam abaixo-assinados, vigílias, audiências com organizações internacionais, redigem cartas às autoridades do governo, realizam manifestações públicas. Procuram coordenar um grupo de tradutores voluntários para fazer atualizações e notícias do MST em inglês114. Organizam visitas aos assentamentos, acampamentos e escolas de formação brasileiras. Há também nos comitês uma preocupação em contribuir com o

112 Até 2007, foi marcado o VII Encontro Europeu de Solidariedade com o MST, ocorrido em outubro de

2007, em Oslo (Noruega).

113 De acordo com Daniela Stefano (2004, p. 48), até o ano de 2002, o MST esteve em 62 países para

onde mais de 400 militantes viajaram. Não custa sublinhar que várias das informações factuais que compõem este item são baseadas nos textos de Stefano (2004, p. 47-49) e José (1998, p. 24-25).

114 Para ficarmos apenas em dois exemplos europeus, a edição da revista brasileira Caros Amigos de

novembro de 1999, sobre “O maior julgamento da história do Brasil” (a propósito da farsa do julgamento do massacre de Eldorado dos Carajás), foi publicada em Bruxelas, na Bélgica, em junho de 2000, graças a uma articulação de sindicatos, comitês e ONGs que tiraram um coletivo de tradutores franceses para realizar o trabalho de divulgação. No 1º Encontro Internacional Contra a Mundialização, em Milau, no Sul da França, foi distribuído um número especial (“Solidarités”) do jornal semanal do PCF “La Terre”, vinte e quatro páginas exclusivamente sobre o MST (JST, 2000, s/n).

150 financiamento e a arrecadação de fundos para o MST, juntando-se muitas vezes com organizações e movimentos sociais ambientalistas e de direitos humanos.

Embora pareça incrível, há um grupo de empresários estadunidense que envia fundos com certa frequência, sem que a gente tenha solicitado. Em regra geral, o dinheiro procedente da Europa se dedica a formação de ativistas. Estamos construindo uma escola – a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), aqui na Via Dutra – como projeto conjunto com a UE [União Europeia]. [...] Não vemos nenhuma contradição em colaborar com a UE em um projeto de construção, porque os países europeus têm saqueado o Brasil e já é hora que nos devolvam algo. Também tem outros projetos, por exemplo, existe com uma organização de direitos humanos que nos ajuda a ter representação jurídica (STEDILE, 2002, p. 113).

Ou seja, os comitês realizam, como destaca Daniela Stefano (2004, p. 47), um “trabalho importante de pressão e de atividades concretas nas questões de denúncias a violações dos direitos humanos e de conscientização da sociedade local em relação aos problemas da terra no Brasil”. Movidos pela solidariedade política baseada na prática do internacionalismo, tais grupos superam o âmbito institucional e as relações estatais. Como afirmam Breno Bringel, Jon Landaluze e Milena Barrera (2009, p. 196), para o MST, “não existe uma cooperação econômica per se”, já que há de existir por trás da solidariedade “laços políticos constituídos que incorporam na cooperação uma dimensão subjetiva construída ao largo de um processo histórico de lutas sociais”.

É verdade que não se pode superestimar a força que os comitês de apoio exercem em seu país – muitos têm dificuldade de se autossustentar, as atuações são de forma totalmente voluntária, não há remuneração. Por sua vez, o MST reconhece e estimula os projetos de cooperação e de divulgação, porém, não dependente inteiramente disso.

O MST como os zapatistas foram salvos pela solidariedade, isto a gente tem claro. [...] O trabalho de divulgação das lutas do MST feito por várias entidades nacionais e internacionais é muito importante, isto é, um contraponto com o que diz e faz o governo FHC. Quando ele foi à França e recebeu um caminhão de terra ou quando ele foi à Itália e os intelectuais bateram pesado, isto criou um impacto internacional muito grande e uma preocupação para o seu governo [...]. Temos a preocupação com a divulgação internacional do trabalho do MST, tanto é que está indo para Europa um quadro nosso para este trabalho mais político de articulação internacional. Mas volto a frisar, a solidariedade internacional não é suficiente se não avançar a luta concretamente na organização do povo. Eu sou convidado para vários debates: alguns participo, outros não, porque é aquele negócio: se ficar só nisto fico viajando. É interessante fazer o debate, mas se não é para organizar o povo, daqui a pouco você esta voando, você vai ficar com a brocha na mão e a escada se foi, a base escapou dos pés (Entrevista com Gilmar Mauro com PERICÁS; BARSOTTI, 1997, p. 208-209).

151 Sinteticamente, portanto, esse apoio internacionalista se expressa concretamente das seguintes maneiras: 1) na organização e no apoio para o desenvolvimento econômico (financeiro) do MST, o que toca aos projetos específicos de desenvolvimento social e político; 2) na organização dum fundo de informações e notícias com o objetivo de divulgá-las através dos canais de comunicação disponíveis, como internet, material impresso e eventos; 3) na construção de uma rede capaz de responder aos alertas da mais alta prioridade política e de direitos humanos, injetando força para a luta global pela justiça social; 4) em oferecer suporte à comunicação e coordenação entre o MST e os grupos interessados.

Outro fator que não pode deixar de ser mencionado é que a internet tornou-se tem se mostrado uma ferramenta importante na construção e integração do exercício de solidariedades desses comitês internacionais, na manutenção do fluxo regular de informações e denúncias em que os neozapatistas foram pioneiros115. Hoje em dia, no sítio da internet é possível ter informações do MST em inglês, espanhol, francês, italiano, sueco, alemão, holandês, suíço, finlandês e norueguês, como se pode notar no quadro abaixo. Com um olhar atento aos sítios, rapidamente se perceberá que eles não reproduzem copiosamente a página oficial do MST. Na realidade, trazem informações da história e dos objetivos de cada comitê, notícias de seus respectivos países e procuram atualizar as notícias sobre o MST.

Quadro 4.1. Páginas na Internet em outros idiomas sobre o MST

Finalmente, outro dado que contribui para entender esse amplo reconhecimento – e, por extensão, auxílio, apoio, assistência de amplos setores transnacionais – internacional são os prêmios que o MST recebe com certa frequência do exterior, o que

115 Para uma análise sobre a internet e o EZLN, ver Figueiredo (2007).

Idioma Endereço Inglês http://www.mstbrazil.org/ Espanhol http://sindomino.net/mstmadrid/ Francês http://amisdessansterre.blogspot.com Italiano http://comitatomst.it/ Sueco http://mstverige.blogspot.com/ Alemão http://www.mstbrasilien.de/ Holandês http://www.mstnederlane.nl/ Suíça http://www.infoterra.ch/ Finlandês http://maattomienliike.wordpess.com/ Norueguês http://www.brasilsolidaritet.com

152 também que funciona como ampla divulgação do Movimento. Por exemplo, em 1991, o MST ganhou o Prêmio Nobel Alternativo concedido pela Fundação Right Livelihood Awards, da Suécia (MST, 2010, p. 26). No ano do Massacre de Eldorado dos Carajás (1996), o MST recebeu o Prêmio Internacional Rei Balduíno para o Desenvolvimento da Fundação Rei Balduíno da Bélgica – inclusive com participação na cerimônia oficial da premiação com a cúpula do governo real. A premiação tinha como objetivo “reconhecer publicamente pessoas ou organizações que têm uma contribuição importante e substancial para o desenvolvimento da democracia do seu país”116. Em

1999, Gilmar Mauro, membro da Coordenação Nacional do MST, foi escolhido pela revista Times e pela rede CNN, ambas dos Estados Unidos, como um dos 50 jovens líderes do século 21 (JST, 2000, p. 14). Em 2001, a prefeitura de Siero, região da Astúrias, na Espanha, outorgou para o MST o Prêmio de Direitos Humanos, organizando exposições, debates e outras atividades em casas e institutos para que a população local conhecesse as ações do Movimento.

4.3. O internacionalismo estatal: os projetos transnacionais de educação, formação