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Os conceitos jurídicos indeterminados

1. DO CONCEITO DE ATO ADMINISTRATIVO E O REGIME JURÍDICO DE

2.2 Limites à discricionariedade e a controvérsia acerca dos conceitos

2.2.1 Os conceitos jurídicos indeterminados

Os conceitos jurídicos indeterminados, conforme assevera José dos Santos Carvalho Filho “são termos ou expressões contidos em normas jurídicas, que, por não terem exatidão em seu sentido, permitem que o intérprete ou aplicados possam atribuir certo significado, mutável em função da valoração que se proceda diante os pressupostos da norma.”

Conceitos indeterminados, portanto, seriam expressões ou termos passíveis de interpretação pelo agente público, uma vez que não vinculavam exata precisão de sentido ou alcance. O administrador, portanto, poderia aplicar tais conceitos de acordo com seu juízo de conveniência e oportunidade.

Desse modo, a discricionariedade seria constatada não apenas quando a lei assim o dispusesse, mas também quando, em razão dos conceitos jurídicos indeterminados, competisse ao administrador a escolha no que tange a sua interpretação e aplicação.

Ocorre que parcela considerável da doutrina discorda dessa posição, defendendo que somente se poderia falar em discricionariedade quando o legislador expressamente a conferisse à Administração, afastando a possibilidade de livre interpretação e aplicação pelo agente público dos chamados conceitos jurídicos indeterminados.

Nesse sentido é o entendimento do Ministro Eros Grau, no Recurso em Mandado de Segurança 24.699, considerado paradigma no assunto. Merece transcrição trecho do seu voto, senão vejamos:

Cumpre deitarmos atenção, nesse passo, sobre o tema dos limites de atuação do Judiciário nos casos que envolvem o exercício do poder disciplinar por parte da Administração. Impõe-se para tanto apartamentos a pura discricionariedade, em cuja seara não caberia ao Judiciário interferir, e o domínio da legalidade.

A doutrina moderna tem convergido no entendimento de que é necessária e salutar a ampliação da área de atuação do Judiciário, tanto para coibir arbitrariedades – em regra praticadas sob o escudo da assim chamada discricionariedade -, quanto para conferir-se plena aplicação ao preceito constitucional segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV, CF/88).

O sistema que o direito é compreende princípios e regras. A vigente Constituição do Brasil consagrou, em seu art. 37, princípios que conformam a interpretação/aplicação das regras do sistema e, no campo das práticas encetadas pela Administração, garantem venha a ser efetivamente exercido pelo Poder Judiciário o seu controle.

De mais a mais, como tenho observado (Meu ‘O direito posto e o direito pressuposto, 5ª edição, Malheiros Editores, São Paulo, págs. 191 e ss.), a discricionariedade, bem ao contrário do que sustenta a doutrina mais antiga, não é consequência da utilização, nos textos normativos, de ‘conceitos indeterminados’. Só há efetivamente discricionariedade quando expressamente atribuída, pela norma jurídica válida, à autoridade administrativa, essa margem de decisão à margem da lei. Em outros termos: a autoridade administrativa está autorizada a atuar discricionariamente apenas, única e exclusivamente, quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Insisto em que a discricionariedade resulta de

expressa atribuição normativa à autoridade administrativa, e não da circunstancia de serem ambíguos, equívocos ou suscetíveis de receberem especificações diversas dos vocábulos usados nos textos normativos, dos quais resultam, por obra da interpretação, as normas jurídicas. Comete erro quem confunde discricionariedade e interpretação do direito (grifo nosso). (STF, RMS 24.699/DF, Rel. Min. Eros Graus, DJ 01/07/2005)

Nesse diapasão, apesar da existência de doutrina contrária, o entendimento predominante é no sentido de que não se pode permitir discricionariedade na interpretação dos conceitos jurídicos indeterminados, ficando a atuação discricionária da Administração Pública restrita às hipóteses expressamente previstas em lei.

Essa posição tem forte influência do pensamento europeu, dando destaque para nomes como Laband, Tezner e Büher, que construíram suas reflexões sobre o tema tendo como base principal a proteção dos direitos subjetivos dos indivíduos. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2001, p. 101), então, preceitua:

Dentro dessas concepções que colocam a lei como limite à atividade administrativa, sempre com o objetivo de proteger os direitos individuais, considera-se que a utilização de conceitos vagos, como tranqüilidade, ordem, segurança, não significa a outorga de discricionariedade ou arbítrio para a Administração, uma vez que a ela cabe encontrar a solução correta, podendo o Judiciário apreciá-la e corrigi-la quando contrária aos fins públicos objetivados pelo legislador.

A doutrina germânica, notadamente, foi a responsável pela evolução do pensamento dos conceitos jurídicos indeterminados. Tezner acreditava que a discricionariedade na interpretação de tais conceitos era contrária ao Estado de Direito. Pai da Teoria da Univocidade, que estabelece que a interpretação dos conceitos legais indeterminados somente pode gerar uma única solução correta, o que os encaixaria no âmbito da vinculação, sendo cabível o controle jurisdicional. Nesse sentido, Germana Oliveira de Moraes (2004, p. 72):

A evolução da doutrina dos conceitos indeterminados ocorreu na Alemanha, onde predominou, a princípio de modo quase unânime, a teoria da univocidade: os conceitos legais indeterminados, amputados do âmbito da discricionariedade, migraram para o domínio da vinculação legal. Como consequência, a interpretação e aplicação das normas que contêm conceitos indeterminados, durante o processo de preenchimento se seu conteúdo, conduz a uma única solução correta e, desse modo, o controle jurisdicional é pleno.

Pode-se notar, portanto, que, já em tempos longínquos, a doutrina alienígena prelecionava no sentido de que os conceitos vagos não geram à Administração Pública a outorga de discricionariedade, sendo possível e até obrigatório, o controle jurisdicional de tal atividade. Reiterando o citado, acrescenta Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2001, p. 101):

Tezner parte da idéia de que todos os conceitos utilizados pela lei, ao limitar, de um lado, as esferas de liberdade e propriedade dos cidadãos e, de outro, os poderes da Administração, são conceitos jurídicos; por isso mesmo, ainda que se refiram a dados da experiência ou a elementos fornecidos por outras ciências, sua interpretação é sempre de ordem estritamente jurídica. Assim, cabe ao Judiciário fiscalizar a correta aplicação, pela Administração, dos conceitos jurídicos vagos. É precisamente quando a lei emprega conceitos dessa ordem [...] que a atuação do juiz é mais importante para proteger os direitos individuais contra os abusos da Administração (grifo original).

Percebe-se, portanto, que os conceitos indeterminados não se baseiam em discricionariedade administrativa. Somente se pode falar em discricionariedade administrativa naquelas situações expressamente delineadas e autorizadas por lei. Os conceitos vagos estão simplesmente descritos na norma, de forma inexata, pendentes de interpretação. Tal interpretação deve se dar, em última análise, pelo juiz, possuidor de conhecimento técnicos e munido de imparcialidade necessário para o alcance da solução adequada.

2.3 O princípio da proporcionalidade como limite à discricionariedade da