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Os conceitos de percepção e suscetibilidade aplicados ao estudo dos riscos

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 RISCO, PERIGO E VULNERABILIDADE: CONCEITOS E ABORDAGENS A PARTIR DA CIÊNCIA GEOGRÁFICA

2.1.2 Os conceitos de percepção e suscetibilidade aplicados ao estudo dos riscos

A temática dos riscos ambientais sempre foi tratada por uma perspectiva objetiva, utilizando métodos tradicionais da ciência. Porém, de acordo com Souza e Zanella (2010), diante de tantas perguntas tornou-se imprescindível a utilização de abordagens alternativas para auxiliar a compreensão da relação entre o homem e os riscos.

Tal relação não se estabelece simplesmente a partir de aspectos objetivos, mas, ao contrário, é profundamente influenciada por

questões subjetivas. Portanto, sem que se compreenda a percepção que temos dos riscos, é pouco provável que possamos chegar a conclusões razoáveis e, mais ainda, a interferir nessa relação. (SOUZA E ZANELLA, 2010, p.8)

De acordo com White (1973), os estudos sobre percepção dos riscos datam do início do século XX, nos Estados Unidos, onde foram realizadas pesquisas com o intuito de propor soluções para controlar as frequentes inundações que ocorriam tanto na área urbana quanto rural do país. Apesar destes estudos terem fornecido um bom arcabouço técnico e teórico para que os governantes pudessem gerir as áreas de risco, como análises técnicas, os resultados não levavam em consideração a percepção dos moradores sobre suas decisões e comportamentos frente às situações de risco. Somente a partir da década de 1960 foi que o geógrafo Gilbert F. White trouxe pesquisas que tinham como objetivo principal entender a relação de interdependência entre os fenômenos da sociedade e o meio natural. A expressão “risk perception” é entendida por White (1985) como o processo no qual os riscos são subjetivamente ou intuitivamente compreendidos e avaliados. Por este motivo, a percepção dos indivíduos sobre determinado fator pode ser influenciada por diversos fatores, tais como nível de instrução, o que irá nos levar a uma avaliação que considere as relações existentes entre o objetivo, ou, fato propriamente dito, operacional e o subjetivo, que é percebido pelo indivíduo. (SOUZA; ZANELLA, 2010).

É possível constatar que algumas características das situações podem influenciar a percepção do risco e a análise que cada indivíduo tem da realidade. Dentre elas destaca-se a causa do risco, as vítimas envolvidas, o possível cenário de destruição e também a intensidade das consequências. Esta última constitui o principal parâmetro de avaliação dos riscos, exatamente por estar ligada aos prejuízos. É possível encontrar autores que citam que a força do evento é o aspecto que mais exerce influência sobre a percepção, mas também percebidos pelos impactos causados.

Souza e Zanella (2010) destacam o estudo realizado por Kates (1962) que trouxe uma comparação entre a visão da sociedade e aquela dos técnicos e pesquisadores, no que dizia respeito ao risco de inundações naquele país. Foi levado em consideração o tempo de retorno destas inundações, servindo de parâmetro para que os pesquisadores pudessem avaliar a percepção dos indivíduos quanto à probabilidade da ocorrência de evento perigosos.

Uma segunda pesquisa relacionada à percepção, também de autoria de Kates (1967), investigou a percepção dos riscos ligados às tempestades tropicais, também nos Estados Unidos. Tal pesquisa mostrou que apenas uma pequena parte da população daquelas regiões tomava algum tipo de medida preventiva para reduzir o risco. A maioria das pessoas se mostrou alheias ou até contrárias às medidas de prevenção ao risco, por motivos econômicos. (SOUZA e ZANELLA, 2010).

Adentrando aos casos das áreas de risco de inundações, é possível notar que muitas vezes os riscos são facilmente ignorados quando há a necessidade de escolha, de certa forma forçada. As vantagens da moradia são imediatas, no ato da ocupação, sendo os eventos extremos meras possibilidades. Mesmo que os indivíduos estejam conscientes das possíveis perdas futuras, as medidas preventivas não são consideradas.

Em estudo realizado por Chardon (1997) na cidade de Manizales, na Colômbia, também é possível analisar essa perspectiva. Apesar de ter abordado sobre os riscos de escorregamento, Chardon cita que a população mais pobre tende a ignorar os riscos principalmente por terem preocupações mais imediatas. Aproximadamente 28% da população entrevistada reconhece que o bairro constitui uma área de risco. Porém, mais de 75% demonstrou satisfação com o local, uma vez que a questão ambiental e os riscos são fatores secundários e não imediatos.

Assim, é possível inferir que muitos dos acidentes decorrentes de eventos extremos são reflexo do aumento da vulnerabilidade da população, da maior exposição ao risco, e não necessariamente do aumento da magnitude dos mesmos, como é pensado pela maioria. Cardona (2001) ressalta o fato de que algumas leituras impregnadas de ideologia tratam os acidentes como produtos do destino ou atos divinos, falta de sorte.

Mesmo com a importância desse tipo de análise, de acordo com Souza e Zanella (2010), a nível nacional, poucos são os trabalhos que utilizam a percepção dos riscos como elemento da pesquisa. O trabalho de Paschoal (1981) foi um dos primeiros a ser noticiado. A pesquisa buscou investigar a percepção dos moradores do bairro do Cambuci, na cidade de São Paulo, onde constantes inundações ocorreram desde a década de 1960.

Em uma importante contribuição para o estudo de percepção de risco, Souza (1999) avaliou os alunos de uma escola pública de Juiz de Fora/MG. A pesquisa

concentrou-se em analisar o quanto os alunos percebiam os riscos existentes no bairro, principalmente os riscos relacionados a escorregamentos e inundações. Dentre os resultados, o principal destaque é para o fato dos riscos ambientais nunca terem sido abordados pelos professores em classe, mesmo os alunos demonstrando um conhecimento empírico sobre esses assuntos, analisando os fenômenos que acontecem ao seu redor. Neste aspecto, é importante destacar a influência que o debate sobre o tema pode causar no âmbito escolar, auxiliando na redução de risco de desastres, tendo em vista o poder multiplicador da informação através das crianças e jovens.

Oliveira (2018) destaca que a percepção/análise das transformações de determinado espaço geográfico e a localização dos grupos de indivíduos mais vulneráveis, podem contribuir para ações de redução de risco de desastres locais e micro-locais. É imprescindível analisar o conhecimento da população acerca dos fenômenos que a ameaça, independente da sua natureza. Através do entendimento da percepção dos riscos daqueles indivíduos, o profissional, especialmente o geógrafo, pode auxiliar em medidas de prevenção de acidentes, levando em consideração o conhecimento da comunidade local.

Dessa forma, infere-se que as pesquisas relacionadas aos riscos e eventos desastrosos que utilizam a percepção são de fundamental importância para os geógrafos. Ao trazerem resultados condizentes com a realidade daqueles que estão efetivamente inseridos em áreas de risco potencialmente vulneráveis, torna possível o reconhecimento das diferentes respostas das pessoas a diferentes tipos de eventos extremos. Tais pesquisas são importantes por serem capazes de fornecer recursos para o planejamento urbano, já que conseguem solucionar questões que as metodologias convencionais usadas pela ciência não conseguiriam.

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