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Os conflitos Urbanos da Bacia do Paranoá

5. DESENVOLVIMENTO E PROCEDIMENTOS

5.3. Os conflitos Urbanos da Bacia do Paranoá

Atualmente as áreas analisadas na imagem de satélite sofrem uma pressão antrópica muito grande e estão ilhadas pelo crescimento da malha urbana. Os impactos existentes nas “áreas emblemáticas” situam-se em um delicado equilíbrio ambiental caracterizado por pequenas nascentes que alimentam pequenos cursos d’ água que irão desaguar no lago Paranoá. Diante disso, cita-se a seguir as áreas observadas e analisadas:

A Vila Estrutural está localizada às margens da DF-095 e ocupa uma área de 154 ha. Surgiu na década de 70, a partir de uma ocupação promovida por famílias envolvidas na coleta e separação de lixo no aterro sanitário, onde é depositada a maior parte do lixo do DF.

Embora a região tenha sido considerada imprópria para habitação, por se tratar de área de depósito de lixo e estar perto do Parque Nacional de Brasília, foram feitas várias tentativas de fixação dos moradores através da Câmara Legislativa. Em 1995 e em 1999, a Câmara Legislativa aprovou duas leis criando, respectivamente, a Cidade Estrutural e a Vila Operária, que foram vetadas pelo poder executivo. Finalmente, em 1º de fevereiro de 2002, é publicada a Lei Complementar nº 530 que declara a área da Estrutural como Zona Habitacional de Interesse Social e Público – ZHISP, estabelecendo uma faixa de tamponamento de 300 metros entre o assentamento e o Parque Nacional.

No entanto, a sua regularização definitiva sofreu entraves, por força de implicações ambientais, o que exigiu a elaboração de um EIA-RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental).

No dia 19 de abril de 2004, foi realizada audiência pública para divulgação do Estudo de Impacto Ambiental para a área da Vila Estrutural que, dentre as suas recomendações, fixa a população atual, desde que seja executado um plano radical de reurbanização, e sejam tomadas medidas de controle ambiental, como a desativação do Aterro Sanitário e a criação de uma zona tampão entre o assentamento e o aterro, reduzindo a pressão sobre o Parque Nacional.

De certa forma, a proteção à bacia do Paranoá norteia todas as diretrizes de planejamento territorial do Governo do Distrito Federal (Silveira, 1998) o que, em última instância, resulta na ocupação urbana esparsa e fragmentada do DF. Assim, a cidade apresenta uma estrutura sem continuidade de sua malha urbana onde os espaços que separam os seus diversos núcleos possuem, via de regra, alguma implicação de ordem ambiental.

A área fica próximo a uma Unidade de Preservação Permanente, ou seja, no limite do Parque Nacional de Brasília (PNB), que abriga nascentes que compõem o Sistema Torto/Santa Maria; local onde deve ser garantida a preservação dos serviços ambientais levando em conta que este abastece a grande Brasília; Veja as fotos a seguir e a imagem de satélite da referida malha urbana:

Figura nº 6 – Imagem de Satélite da área urbana da Invasão da Estrutural. Fonte: SICAG.

A imagem de satélite nº 6 acima destaca a área da unidade da Estrutural pontuada e evidenciada pelo nº 3 que mostra visivelmente a expansão da malha urbana nos limites do Parque Nacional de Brasília situação que já se consolidou; Fator este que comprova neste cenário o conflito social existente e, que cresce sem planejamento e sem estudo para a gestão e recuperação das áreas que se encontram impactadas devido a retirada da cobertura vegetal.

Outra área pesquisada foi a Colônia Agrícola Vicente Pires, que possui áreas extremamente sensíveis e que hoje abrigam de forma desordenada casas e mansões que cresceram de forma desordenada aos olhos das autoridades que nada fizeram para impedir a

ação deste fracionamento. Com o parcelamento as chácaras deram lugar aos ditos “condomínios” invadindo as nascentes que foram soterradas (retirou-se a mata ciliar) dando lugar a compactação do solo; Veja na imagem nº 7 a malha urbana e expansão desordenada do setor que está destacada na carta pela letra E. Fica visível na poligonal a consolidação de praticamente 95% da área que se transformou em um novo aglomerado urbano. Verifica-se também que o ambiente natural foi substituído pelo urbano sem nenhum planejamento ou a implantação da gestão ambiental tendo em vista que o meio9 deste cenário necessita de estudos, pois existe no local elementos indispensáveis para a manutenção dos serviços ambientais que se encontram em desequilíbrio e desarmonia.

9 Segundo Silva (1995) meio ambiente é assim, a interação do conjunto de elementos naturais,

artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente compreensiva dos recursos

Figura nº 7 – Imagem de Satélite da malha urbana da Colônia Agrícola Vicente Pires. Fonte: SICAG. Adaptado de “Olhares sobre o Lago Paranoá”.

Outro cenário observado foi o Varjão, área emblemática esta que possui em sua extensão muitas nascentes e grotões sendo estes elementos não indicados em nenhuma hipótese para implantação de cidades, pois, devem ser mantidos e preservados a fim de se evitar desequilíbrios ambientais e esgotamento das nascentes e desaparecimento dos pequenos córregos. No entanto, recentemente foi concedido pelo IBAMA, órgão responsável pela liberação da licença ambiental, a autorização para que se fixem as pessoas ali instaladas desde que sejam respeitadas algumas medidas estabelecidas pelo órgão responsável. A fixação do Varjão desconsidera o EIA/RIMA, acarreta vários problemas no

sentido legal, pois poderá provocar erosões, inundações, poluição do solo e o rebaixamento do lençol freático. Conforme ilustra a imagem de satélite nº 8 e a foto da malha urbana da cidade que fica situada em uma região de encosta da bacia do Paranoá contrariando o Código Florestal (artigos 10 e 20), assim como os loteamentos em áreas de recarga de aqüíferos (quartzitos) bem como em áreas de ardósia – rocha propensa à erosão.

Figura nº 8 – Imagem de Satélite da Área Urbana ocupada pelo Varjão. Fonte: SICAG.

Foto 09 – Vista panorâmica da área do Varjão na região da Bacia do Paranoá

Um aspecto relevante e que ocorre com freqüência na área da bacia são os parcelamentos que surgem de forma singela e sutil e aos poucos ganha força e posteriormente ocorrerá a implantação de serviços essenciais tais como: energia elétrica, coleta seletiva, telefone e outros. Para ilustrar este ponto citam-se os condomínios do Lago Oeste, que estão crescendo de maneira desordenada e preocupante, pois o eixo de crescimento em direção a bacia do São Bartolomeu cresceu muito rápido e a especulação imobiliária destas áreas aumentou consideravelmente. Observe a foto indicativa do início de uma Rua com a nomenclatura – 00:

Foto 10- Vista próximo ao Lago Oeste com placas indicativas de novas ruas irregulares.

Outra área em processo de descaracterização são as chácaras do Núcleo Rural Remanescente Córrego do Gerivá, teve sua poligonal redefinida pelo Decreto nº 19.593, passando a denominar-se Área Rural Remanescente Jerivá que define tal área dentro do que tangue a lei10. A comunidade instalou-se no local em 1958, por ocasião da construção da nova Capital fator este que, ao longo do tempo foi se descaracterizando e atualmente está pressionada pela expansão da cidade e por estar próximo ao Plano Piloto com um acesso fácil e rápido ao centro urbano. Segundo mostra as fotos abaixo e imagem de satélite nº11 da área emblemática:

10 Lei nº 017/97 Art. 31 que define as áreas rurais remanescentes como sendo aquelas destinadas a abrigar

usos compatíveis com a dinâmica rural, resguardando o uso agropecuário e agroindustrial, visando à preservação dos recursos naturais existentes.

Figura nº 11 – Imagem de Satélite das Áreas Rurais do Gerivá e do Urubu. Fonte: SICAG.

Foto 12 – Retirada da vegetação próxima ao leito do córrego Gerivá.

A QPILS (Quadras de Parcelamentos Individuais no Lago Sul) surgiu, próximo a margem do lago com mansões luxuosas e se consolidou de maneira muito rápida; as autoridades locais não se preocuparam em remover ou derrubar tais construções; Outro ponto é o total desrespeito com a legislação ambiental em vigor que determina o mínimo para que seja feito edificações às margens do lago. Conforme a imagem abaixo de satélite nº 14 e a figura nº 15 que ilustra o cenário dos parcelamentos cada vez mais evidentes em regiões com ecossistemas extremamente sensíveis.

Figura nº 14 – Imagem de Satélite da Área Ocupada pela QPILS . Fonte: SICAC.

Foto 15– Vista da QPILS e o início de novos parcelamentos.

Outra área estudada foi à região do Areal, Arniqueira e Riacho Fundo I e II conforme imagem nº 16 que mostra o crescimento da cidade. Está localizada ao Sul da região da bacia; no início da construção da Capital foi instalada uma granja modelo pelos japoneses para abastecer a nova cidade com hortaliças e legumes. O projeto do setor habitacional surgiu em 1990 para moradores da classe média. Porém, somente em 1993 foi totalmente aprovado. Fica numa área de grande interesse ecológico e abriga a nascente de vários córregos em especial o próprio Riacho Fundo.

Figura nº 16 – Imagem de Satélite da Áreas ocupadas pelo Areal, Arniqueira e Riacho Fundo: I e II. Fonte:SICAG. Adaptado de: “Olhares sobre o Lago Paranoá”.

Figura nº 17- Imagem de Satélite da Área ocupada pela Vila Planalto. Fonte: SICAG. Adaptado de: “Olhares sobre o Lago Paranoá”.

A imagem nº 17 mostra a Vila Planalto que teve início em 1957, antes da inauguração da Capital, com o objetivo primeiro de abrigar os operários da Construtora Rabello11, contava na época com equipamentos comunitários como: cinema, farmácia, padaria e

11 Teve como resultado o conjunto de acampamentos de várias construtoras, chegando a totalizar 22 firmas na

supermercados. Com a inauguração da cidade de Brasília e a entrega das obras, as empresas desativaram seus escritórios e a maioria dos equipamentos urbanos foi desativada, porém, não foi o que aconteceu com a Vila, os seus habitantes permaneceram no local com o intuito de fazer a preservação do local que tinha sido um importante cenário da construção. Com o passar dos anos ela foi se tornou uma referência histórica e em 1988 ela foi tombada pelo Decreto 11079/88 que lhe conferia um caráter peculiar e único: preservar a sua escala bucólica entendida como:

• a preservação da sua densa vegetação que mimetiza os espaços construídos na paisagem;

• a preservação da cobertura do cerrado nativo da sua área de entorno;

• a preservação do traçado urbano original, caracterizado por ruas, largos e praças; • a preservação da identidade, pontos de encontro e relações de vizinhança próximas; • e a preservação dos espaços de valor simbólico e referencial para a população e

história do conjunto.

No entanto, o que visualiza nos dias de hoje é uma completa descaracterização do ambiente natural e urbano. As casas históricas deram lugar às mansões de até dois andares e um desrespeito com a vegetação nativa que foi praticamente retirada para dar lugar a especulação imobiliária. O Governo local se omite e não aplica efetivamente a legislação. Desta forma, o ambiente histórico vai se exaurindo e a vila toma um rumo de crescimento desordenado.

Todos estes locais acima citados caracterizam áreas de conflitos urbanos decorrentes do crescimento desordenado e vem se consolidando a cada ano provocando uma instabilidade na manutenção dos serviços ambientais.

Sabe-se que o equilíbrio legal e jurídico deve ser mantido de forma a evitar a escassez ou o excesso normativo de forma a reduzir os riscos de conflitos por falta de regras claras ou então pelo processo moroso do desenvolvimento.

Lamentavelmente o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), se apóia na caracterização dos elementos constituintes do meio físico e na leitura dos fenômenos que ocorrem por ação antrópica que somente terá valor quando da realização do Zoneamento Ecológico-econômico do Distrito Federal (ZEE/DF). Até que isto ocorra se convive como os fatos decorrentes do uso e ocupação desordenada do solo no DF e as conseqüências dessa ocupação. CARNEIRO (1999) avalia os aspectos da exploração dos materiais naturais para construção, na região do Distrito Federal, e se mostra preocupado com a não recuperação dessas áreas, que jazem abandonadas, esperando por uma redefinição do seu uso.

Em outro estudo CARNEIRO (2003), adota como plano de análise o conflito do limite Urbano/Rural do entorno de Brasília e avalia as características associadas à harmonia, estética e estabilidade daquelas paisagens, tendo em conta a reação dos seus elementos constituintes aos processos desorientados de ocupação. A visão de ruptura com a harmonia e estética das paisagens é contemplada na leitura que Lucio Costa fez de Brasília Revisitada, onde as tendências ignoram as características do ambiente urbano que foi planejado para um determinado limite de ocupação que já teria sido ultrapassado.

A leitura da paisagem deveria ser um exercício constante dos planejadores e gestores para identificar a incidência de vetores de transformação no âmbito das tendências que

abordam os níveis de permanência e degradação dos meios associados aos aspectos sócio- econômicos e culturais das populações. Vale ressaltar que foi dentro desta perspectiva de análise dos aspectos de harmonia, estética e estabilidade, que formam o cenário de cidade planejada e organizada e projetada, levados em conta no processo de Tombamento dado pela UNESCO para Brasília e que deveria ser respeitado.

No entanto, o que ocorre é uma ‘permissividade’ pelo sistema vigente realizando uma prática abusiva que concorre com a lei maior no sentido de ser especulativa e eleitoreira. Deixando em plano inferior a preservação e manutenção dos serviços ambientais. Tais ações concorrem para uma dualidade que constitui o planejamento incremental numa visão de sistema capitalista. A sustentabilidade da bacia passa pela perspectiva de uma mudança na direção de interesses que Queiroz (2002) chama da ‘utopia como a realização do desejo’ objetivando um crescimento que assegure sua própria preservação.

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