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CAPÍTULO 3 – OS CONSELHOS ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO NO BRASIL

3.3 Os Conselhos de Educação: mecanismos institucionais de democratização

O Estado é construído historicamente e condicionado pelo contexto de cada época. Atualmente, as análises que focalizam o Estado evidenciam a existência de diversos processos de regulação/desregulamentação. Lições, normas e prescrições vêm de fora, anunciando a possibilidade de suprir necessidades internas impondo-se como verdades.

Por exemplo:

(...) contaminação, hibridismo e mestiçagem. Contaminação indica um movimento de internacionalização, empréstimo de políticas educativas impostas por agências internacionais; hibridismo denota o caráter compósito, de sobreposição entre tais políticas e, mestiçagem é a forma que as políticas adquirem, apresentando-se como um mosaico em que prevalecem iniciativas avulsas de mudança (...) (WERLE, 2006, p. 1).

O Estado moderno apresenta-se como fonte regulatória. Apesar de alguns afirmarem que há uma multi-regulação, seja pelo ajustamento aos interesses dos diferentes atores, seja por um processo consciente de afastamento e redução de normas de parte do poder público, no âmbito da educação e, em especial, com referência à educação pública. (WERLE, 2006, p. 1).

Todavia, mesmo que instituam uma múltipla regulação, proporciona, ao mesmo tempo, o espaço do compartilhamento com vários atores educacionais que passam a ser considerados como agentes de decisão, especialmente no atual contexto histórico em que a autonomia é reforçada através da atuação dos mecanismos institucionais de gestão democrática, como os Conselhos de Educação.

Segundo Cury (2000, p. 53):

Por mais que uma cultura de Conselhos de Educação ainda impregne seus atos, a expectativa hoje é de que eles devem conter, em alto grau, a dinâmica da participação, da abertura e do diálogo. Parece haver aqui algo homólogo com a análise da consciência do trabalhador feita por Antonio Gramsci. Este pensador indagava se havia uma duplicidade de consciências ou se, a rigor, não era uma só à qual era inerente a contradição. Duas consciências ou consciência contraditória? Tal era sua pergunta. Sem ter uma resposta definida, cumpre trazer à memória que a presença desta expectativa não é casual. Ela se nutre de pelo menos três vertentes contaminadas por este espírito mais aberto, dialógico e democrático, e que tem, como causa próximas, as grandes movimentações sociais em torno da Constituinte que conduziu ao texto constitucional de 1988.

Em muitos países, inclusive no Brasil, a tendência das reformas educacionais em desenvolvimento nos últimos decênios tem, na gestão da educação e da escola, um de seus pontos essenciais de transformação. A posição hegemônica nessas reformas, no geral, defende a implementação de uma mudança, senão radical e avançada, em relação ao status quo na maneira de pensar e levar à prática a gestão dos sistemas educativos, focada na instituição escolar e sua autonomia.

Nessa perspectiva, uma das principais políticas no campo educacional no país é a descentralização da educação e, conseqüentemente, da instituição escolar, promovendo, essa última, a autogestão institucional (KRAWCZYK, 1997, p.2).

A gestão educacional, nesse âmbito, configura-se como inerente ao processo de conduzir à dinâmica do sistema de ensino como um todo, e de coordenação das escolas, especificamente, em comum com as diretrizes e políticas educacionais públicas

“(...) para implementação de políticas educacionais e projetos pedagógicos das escolas compromissados com os princípios de democracia e com métodos que organizem e criem condições para um ambiente educacional autônomo (...)” (LÜCK, 2006, p.36).

Em síntese, a lógica da gestão educacional orienta-se pelos princípios democráticos e distingue-se de outras ao adotar a importância da participação consciente das pessoas no seu trabalho e dos diversos desdobramentos do seu processo de implementação.

Nesse aspecto, observem-se, notadamente, instrumentos como estatutos e regimentos, os institutos normativos que são padrões como amostra do universo destes mecanismos institucionais de gestão democrática.

A análise dos documentos relativos aos Conselhos de Educação – federais, estaduais e municipais - permite identificar a convergência de todos para os princípios da democracia participativa e representativa, porquanto assegura, legalmente, a participação da sociedade, tanto no que diz respeito às suas finalidades quanto à sua composição, visando ao aperfeiçoamento do ensino, da educação e do sistema a que pertencem.

A propósito, o Conselho Nacional de Educação (CNE), criado pela Lei n°. 9.131, de 24/11/95, insere-se nesse contexto. Veja-se:

Art. 7º - O Conselho Nacional de Educação, composto pelas Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior, terá atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de Estado da Educação e do Desporto, de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional (grifo nosso).

Pela primeira vez, introduz a participação da sociedade na constituição desse órgão colegiado - ainda que o governo não aceite que essa representação seja maioria e reserve-se o direito de fazer a indicação dos nomes para compô-lo. No entanto, essa inovação, como dispositivo legal, foi adotada pelas leis internas dos órgãos colegiados do Distrito Federal, dos estados e municípios, e por outros órgãos/instituições/entidades da área.

Quanto a sua composição, ela se faz com representação de governo, instituições, entidades, organizações civis, associações de classe, organizações sindicais, etc.

Naquele mesmo dispositivo, observa-se que uma das suas atribuições é a de “subsidiar a elaboração e acompanhar a execução do Plano Nacional de Educação (PNE)”. O PNE, plurianual (periodicidade de dez anos) transformado na Lei nº. 10.172, de 09/01/2001, apresenta mecanismo (artigo 3º) em que o seu “gerenciamento” far-se-á de forma democrática ao preceituar que “A União, em articulação com os Estados, o Distrito Federal, os municípios e a sociedade civil (grifo nosso), procederá a avaliações periódicas da implementação do Plano” (DAVIES, 2004, p.181).

Constata-se, portanto, na natureza e nas finalidades do CNE, primeiro o seu caráter democrático representativo que está claro na sua composição e, segundo, a sua manifesta autonomia participativa de gestão, da qual é detentor.

Em nível estadual, tome-se, como exemplo, o colegiado objeto desta pesquisa, o Conselho Estadual de Educação da Paraíba, cujo Regimento em seu artigo 1º reza:

(...) é um órgão colegiado, integrante da Secretaria da Educação e Cultura, responsável, nos termos da Lei, pela política estadual de educação, com atribuição normativa, deliberativa e consultiva, de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação (...) (grifo nosso) (CEE/PB, 1996, p. 3).

Como na legislação relativa ao CNE, assegura-se a participação da sociedade civil nas formulações das políticas públicas de educação para o sistema estadual de ensino, mesmo que condicionada ao seu aperfeiçoamento.

No que concerne às suas atribuições (art. 1º, inciso VI), uma delas é a de, “(...) estabelecer as diretrizes de participação da comunidade escolar e da sociedade na elaboração das propostas pedagógicas das escolas” (grifo nosso) (CEE/PB, 1996, p. 3).

Desta forma, garante-se, do ponto de vista legal, a existência do espaço para o exercício da gestão democrática, no sentido participativo, e que faz a sua complementaridade ou interdependência com o caráter representativo ao se salientar a sua composição, conforme exemplifica o Regimento Interno do Conselho Estadual de Educação da Paraíba:

(...)”.

Art. 3º - O Conselho Estadual de Educação é constituído por dezenove membros, nomeados pelo Governador do Estado, com mandato de seis anos, dentre pessoas de notório saber e experiência em matéria de educação, incluindo representantes de todos os graus de ensino e do magistério oficial e particular e farão jus a jetons específicos, nos termos do art. 111 deste Regimento.

§1º - Na composição do Conselho, serão contempladas as seguintes representações: I - do Poder Público, indicada pelo Poder Executivo; II-das instituições educativas em todos os níveis de ensino, indicada através de suas entidades de representação; III - dos sindicatos e associações de profissionais da educação, indicada por seus órgãos de representação; IV - da sociedade civil e comunitária que envolva atividades educativas; V - do corpo discente, indicada, através das suas entidades de representação, dentre alunos maiores de dezoito anos. (...) (CEE/PB, 1996, p. 3).

Como se pode observar, a constituição do órgão colegiado normativo do Sistema Estadual de Ensino da Paraíba possui uma estrutura mista que conta, também, com a participação da sociedade civil. Essa composição possibilita dar origem a uma articulação mais integrada e ampla das instituições/entidades proporcionando uma ação política sobre as esferas de decisão do poder público estadual como mecanismo institucional de gestão colegiada.

Segundo Peres (2000, p. 30/31) também os regimentos internos, mecanismos institucionais desses conselhos, configuram para a gestão democrática a partir das suas finalidades até a sua composição. Vejam-se a estrutura e organização de um Conselho Municipal de Educação:

“Art.” 1º - O Conselho Municipal de Educação (...) é um órgão colegiado, integrante da Secretaria da Educação e Cultura, responsável, nos termos da Lei, pela política municipal de educação, com atribuição normativa, deliberativa e consultiva, de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação e, especificamente (grifo nosso): I – (...); VI – estabelecer as diretrizes de participação da comunidade escolar e da sociedade na elaboração das propostas pedagógicas das escolas (grifo nosso):

Art. 3º. (...); § 1º - Na composição do Conselho, serão contempladas as seguintes representações: I - do Poder Público, indicada pelo Poder Executivo; II – das instituições educacionais em todos os níveis de ensino, indicada através de suas entidades de representação; III - dos sindicatos e associações de profissionais da educação, indicada por seus órgãos de representação (grifo nosso); IV - “da sociedade civil e comunitária que envolva atividades educativas (grifo nosso).

A importância desses dispositivos na sua legislação interna, normativa de funcionamento desses órgãos colegiados, reside, essencialmente, na questão da participação política da sociedade civil, no âmbito da educação local, considerando que:

A "participação cidadã", (...) caracteriza-se pela busca de consensos, pela construção de identidades, pela tentativa de controle da aplicação dos recursos públicos, pela interferência na elaboração de orçamentos, pela criação e efetivação de direitos e pelo enfrentamento de problemas cotidianos. Esse tipo de participação constitui um processo complexo e contraditório, que envolve a sociedade civil, o Estado e o mercado. Não nega o sistema, busca antes aperfeiçoá-lo pela utilização de mecanismos institucionais disponíveis. Nele, os papéis definem-se mediante a atuação organizada dos indivíduos, grupos e associações, fortalecendo a sociedade civil quer pela assunção de deveres e responsabilidades, quer pela criação e o exercício de direitos (TEIXEIRA, E. 2001, apud TEIXEIRA, L. 2004, p.701-702).

Também BORDIGNON (2000, p.34) reafirma essa relevância, particularmente quanto aos Conselhos Municipais de Educação. Diz esse autor:

A consolidação da experiência desses conselhos municipais de educação insere-se no processo de gestão democrática da educação e descentralização das funções do Estado, preconizados pela Constituição. Processo de afirmação da cidadania a partir do locus onde o cidadão vive e atua. Afirmação que se dá pela gradativa conquista da autonomia pelas

comunidades locais na gestão de seus serviços educacionais. Autonomia que facilita a existência de escolas cidadãs exercitando a cidadania.

Sobre os Conselhos Municipais de Educação, ainda se faz necessário dizer que, depois da promulgação da Lei nº 9.394/96 – LDB, sem perder de vista os preceitos da Constituição de 1988 sobre a matéria, verifica-se que há uma maior incidência da criação destes colegiados e dos seus respectivos sistemas de ensino.

A existência dos Conselhos Municipais de Educação (CMEs) é a afirmação destas leis quanto à descentralização da gestão educacional em todos os seus níveis e, particularmente, daqueles na esfera das competências do município – a Educação Infantil e o Ensino Fundamental.

Os CMEs, portanto, como mecanismos institucionais, concretizam o princípio da gestão democrática da educação, em nível municipal, na medida em que, integrados por professores, técnicos e pessoas das comunidades locais, representam a sociedade civil na administração pública de onde esteve afastada da participação nos Sistemas Educacionais.

Há, ainda, a considerar a importância do fator conhecimento no que diz respeito a estes novos espaços públicos. Portanto, serão através deles que se trilharão caminhos propícios para a democratização do processo educativo dos Sistemas de Ensino e das políticas públicas educacionais e, como mecanismos institucionais de gestão democrática, firmar-se-ão como órgãos de Estado.