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III. LITERATURA DE TRANSMISSÃO ORAL

3.3. OS CONTOS DE FADAS

“Tudo que os homens precisam é de Contos de Fadas”. (ARIÈS 1978, p.20)

Os Contos de Fadas, diferentes de tudo que já se comentou até então, são narrativas nascidas entre os celtas, um povo pacífico, produto da evolução e da migração da agricultura que, com sua espiritualidade, contribuiu para a formação da cultura ocidental.

Amantes de uma arte inconclusa e interativa conforme acena Kruta (2004), os celtas apreciavam o maravilhoso e a potência mágica do verbo, a qual usavam para apagar o limite entre o real e o imaginário. Sua religiosidade em torno de uma deusa que governa tudo e todos, fez nascerem as fadas, belas figuras femininas, “dotadas de virtudes e poderes sobrenaturais, que interferem na vida dos homens para auxiliá-los em situações-limite, quando já nenhuma situação natural seria possível” (COELHO, 1987, p.31). O termo fada vem do latim fatum e significa destino, fatalidade. As fadas podem também encarnar o mal, apresentando-se na figura de uma bruxa para, dessa forma, compor a eterna dualidade da condição feminina, ou ainda se transformam em animais ferozes que ameaçam a vida do herói.

Este gênero narrativo herdou a fantasia, a imaginação e o encantamento das novelas de cavalaria, como as do ciclo arturiano dos Cavaleiros da Távola Redonda, e os incorporou a suas histórias de teor espiritual, ético e existencial, que representam a realização de sonhos ou ideais, tendo como mediadores a magia e como opositores seres de diversas naturezas. As narrativas de Contos de Fadas encontraram terreno fértil no sistema feudal da Idade Média e continuam, muito tempo depois, influenciando a atmosfera das produções de

autores como Shakespeare, em Sonho de Uma Noite de Verão, e Camões, com Os lusíadas, e a sua Ilha dos Amores, versão lusitana da Ilha de Avalon, habitat das fadas.

Em 1634, o soldado e poeta italiano Giambattista Basile publica suas cinco histórias, o Pentameron, dentro do que se pode chamar de gênero maravilhoso, aludindo ao Decameron de Boccaccio e tornando-se o primeiro autor a levar sua personagem principal, a menina Zezolla, a refletir sobre suas responsabilidades acerca do próprio destino. A coleção de histórias de Basile serviu de fonte inspiradora para outros escritores, entre eles Staparolla (O Gato de Botas e A Bela e a Fera) e reacendeu a chama mágica dos contos populares.

Com o fim da Idade Média, começa na França o reinado de Luís XIV, o rei sol, e com ele abrem-se os nobres salões e surge uma moda irresistível: narrar e ouvir contos da tradição popular. As tais histórias surgiam muitas vezes nas salas de fiar, dirigiam-se aos adultos e chegavam nos pomposos salões da corte depois de refinados, onde eram também conhecidas como “mimos das damas de Versalhes” (ARIÈS, 1978). Com o passar do tempo, as recitações orais foram consideradas tradicionais e ingênuas. Em 1691, Charles Perrault, erudito e acadêmico francês envolvido na Querela, movimento em que os antigos defendiam a autoridade do latim e os modernos, grupo de Perrault, atestavam a superioridade do francês para a produção literária, e freqüentador assíduo dos ambientes aristocráticos, publica sua primeira obra, A paciência de Grisélidis, inspirado pela causa feminina, da qual uma das líderes era sua sobrinha, Mlle. Héritier, conforme relato de Coelho (1987).

Em sua segunda obra, Os desejos ridículos, Perrault recria um conto antigo na tentativa de mostrar que “a Ilíada não foi obra de um só escritor, mas resultante de vários contos populares tradicionais encaixados uns nos outros, seguindo um certo fio narrativo” (COELHO, 1987, p.67). Depois dessa criação, ele escreveu os Contos da Mãe Gansa, coleção que incluía as seguintes histórias: A Bela Adormecida no Bosque, Chapeuzinho Vermelho, O Barba Azul, As Fadas, A Gata Borralheira, Henrique do Topete, O Gato de Botas, e O Pequeno Polegar, sendo as seis primeiras Contos de Fadas e as duas últimas,

contos maravilhosos. Como se pode perceber, nas narrativas de Contos de Fadas não é imprescindível a figura da fada, mas, enquanto gênero, as histórias precisam ser originárias da cultura popular e contar com eventos mágicos. “A magia não está no fato de haver uma fada, mas na sua forma de ação, de aparição, de comportamento, de abertura de portas” (ABRAMOVICH, 1997, p.121).

Em suas versões, Perrault combinou informações de várias fontes e buscou um certo refinamento, excluindo tudo que considerasse vulgar, numa tentativa de agradar à nobreza, seu público mais constante. Por esse motivo, muitas das características originais se perderam, devido ao fato de não terem sido registradas e outras tantas foram criadas, em versões diferentes, para agradar públicos distintos.

Antes de se tornar a atividade da moda nos salões parisienses, no período que antecedeu e se estendeu pela Idade Média, as narrativas de Contos de Fadas já eram uma prática popular por toda Europa, contudo devido ao modismo, se expandiram e se fortificaram. Assim como a Querela que agitou os intelectuais franceses da época, nos demais países, também houve reações semelhantes de proteção aos valores pátrios. Na Alemanha, instigado pela força do latim e pela afirmação do francês como língua artística, o nacionalismo germânico, no afã de proteger sua cultura popular, motivou pesquisadores importantes, como os já naquela época mundialmente conhecidos, irmãos lingüistas Jacob e Wilhelm Grimm. Nesta época Guttemberg já havia inventado a imprensa e a burguesia já se posicionava como público consumidor, segundo Zilberman (2003). Fica aqui bem claro, portanto, que as narrativas surgiram como manifestações populares, foram transformadas em lazer e direcionadas a um público adulto. Os adultos da corte passaram a se interessar pelas publicações editadas, deixando as narrativas orais para crianças, segundo Ariès (1978, p.71).

Em 1800, os irmãos Grimm viajaram por todo o país, entrevistando camponeses e colhendo um vasto material, “interessados em construir um monumento vivo à língua alemã” (RODARI, 1982, p.49). Ao retornar, eles editaram a antologia mais abrangente que já se havia visto, baseada nas

histórias e lendas alemãs, onde “se voltaram para o fantástico de uma narração envolvida pela atmosfera poética” (ABRAMOVICH, 1997, p.123). Esta iniciativa é indicada pela literatura específica como a primeira produção literária destinada ao público infantil.

Considerando o recorte metodológico desta pesquisa que elegeu como objeto de investigação a relação entre o desenvolvimento do discurso narrativo e os Contos de Fadas, passaremos a apresentar alguns pontos importantes sobre a relação vincada que existe entre o período que chamamos de Infância e o gênero textual/discursivo que mais presente está nas interações de natureza lúdica entre adultos e crianças em idade pré-escolar.

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