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III. LITERATURA DE TRANSMISSÃO ORAL

3.2. OS CONTOS

“O universo do conto se espalha em uma multidão de tradições heterogêneas”

(MOISÉS, 1967,p. 32).

De acordo com a literatura consultada, existem várias formas de narrativas de transmissão oral. Entre os tipos mais freqüentemente encontrados estão os contos fantásticos, os maravilhosos, os mitos, as fábulas, as lendas, as alegorias, os contos jocosos e os Contos de Fadas. Cada uma dessas manifestações conta com atribuições e estilo próprio, entretanto, todas elas oferecem uma reflexão sobre o ser humano, sua vida e suas necessidades. Segundo Amarilha (1997), “o conto focaliza um momento crucial na vida da personagem” e a seqüência de fatos conexos resulta em conseqüências e enredos comuns ao destino humano constituindo-se assim sua função organizadora dos sentidos.

Segundo Moisés (1978), a origem mais provável da palavra conto seria o verbo contar, que na Idade Média significou enumerar objetos, depois resenha ou descrição de acontecimentos, relato de fatos reais e narrativa. Posteriormente os contos passaram a constituir um gênero literário e atualmente é difícil especificar com certeza suas raízes, sabe-se, porém que “o universo dos contos se espalha em uma multidão de tradições heterogêneas” (MOISÉS, 1978, p.32). Conforme esta fonte, nas narrativas serão encontrados principalmente relatos de fatos ou acontecimentos, envolvendo ação, movimento e evolução no tempo.

Continuando a leitura deste autor, pode ser observada a diferença entre os tipos de discurso de maior ocorrência nos contos. São eles: o discurso direto, quando os personagens falam diretamente, usando-se na fala diferentes tons de voz e na escrita travessão ou aspas; o discurso indireto, quando o narrador assume a fala dos personagens; o discurso indireto livre, quando há fusão entre a primeira e a terceira pessoa narrativa, ou seja, entre autor e personagem e, finalmente, o monólogo, que se passa dentro da cabeça do narrador. De acordo com Cunha (1992), “o discurso direto reproduz textualmente a fala do outro ou de si mesmo em outro momento e o discurso indireto é o resultado da análise do

sentido do enunciado no seu contexto de enunciação e a tomada de posição sobre um ato de fala”.

O conto fantástico mistura o real com o inexplicável, provocando “a ruptura da ordem estabelecida, irrupção do inadmissível no seio da inalterável legalidade cotidiana” (CAILLOIS. apud TODOROV. 2004b, p.32). Segundo Todorov (2004), são três as características de maior ocorrência neste gênero: a ambigüidade, as reações das personagens à trama e uma semântica capaz de várias interpretações. Conforme Held (1980, p.30), “toda literatura é fantástica pois o real nos atinge já penetrado de sonho”. Esta autora indica como gênero fantástico as obras cuja temática e a linguagem introduzem o leitor/ouvinte em um mundo diferente daquele com o qual convive.

Os contos maravilhosos são um gênero de origem indo-européia e costumam abordar questões referentes à problemática de valores materiais, da realização pessoal e da ascensão social. Provenientes das camadas populares, as aventuras freqüentemente se desdobram no oriente médio (Índia, Egito, Palestina, Pérsia, Irã, Turquia), quando o homem do povo dá vazão a “suas necessidades básicas, ou seja, estômago, sexo e vontade de poder” (COELHO, 1987, p.14). Diante da possibilidade de realização, ele busca conforto na fantasia e na real opulência dos palácios. As referências mais antigas dão conta de manuscritos cuja idade foi calculada em torno de 3200 anos, encontrados pela egiptóloga Mrs. D’Orbeney, segundo Coelho (1987). Podem ser citados como exemplos, os contos de Calila e Dimna, Sendebar e os célebres contos das Mil e Uma Noites.

Os mitos são outro gênero muito antigo de narrativa fantástica. Construídos pela imaginação humana, estão “sempre ligados a fenômenos inaugurais: à genealogia dos deuses, à criação do mundo e do homem, à explicação mágica das forças da natureza, etc” (COELHO, 1997, p.150). Dessa forma, os mitos são narrativas vinculadas aos impérios grego e romano, numa tentativa de responder à necessidade humana de explicar a vida, o mundo e as grandes forças da natureza.

As fábulas são contos tidos como admonitórios que narram situações vividas por animais, por seres inanimados ou trans-reais, com o objetivo de transmitir preceitos da moralidade. Suas personagens são sempre símbolos e representam algo em um contexto universal, tentando expressar as relações do indivíduo com seu espaço e com sua capacidade de compreensão. De origem oriental, este gênero foi trazido para o ocidente pelo grego Esopo e introduzido na literatura ocidental por La Fontaine, no século XVII, segundo Coelho (1997).

As lendas são narrativas antiqüíssimas, em verso ou em prosa, que relatam tradições folclóricas misturando o maravilhoso e o imaginário, superando o histórico e o verdadeiro e mantendo uma ligação com o tempo e o espaço geográfico, de acordo com Coelho (1997). Algumas vezes este termo é usado para aludir a relatos que misturam ficção e realidade e, em outros, são generalizações acerca de gêneros fantásticos.

As alegorias são espécies literárias que expressam idéias através de imagens de entes sobrenaturais, mitológicos ou lendários em um tom elevado ou sério. De acordo com Todorov (2004b), alegoria tem o sentido próprio apagado e não pode ser literalmente entendida, precisa-se estar atento ao sentido figurado. A alegoria, portanto, não é um gênero narrativo, mas sim um elemento básico na construção de alguns dos gêneros acima citados, sejam eles as fábulas, os mitos e as lendas.

Os contos jocosos, de natureza próxima aos contos exemplares, são narrativas breves e cotidianas, porém diferenciam-se destes por seu tom cômico e obsceno, explorando situações, gestos e palavras vulgares. Estas narrativas originárias dos fabliaux que fizeram muito sucesso na França medieval, tem como um de seus maiores autores o italiano Boccaccio. Este autor criou “um esquema de dez contos independentes que se organizam em função de um eixo espacial-temporal” (COELHO, 1991, p. 47). A novelle, de Boccaccio, o Decameron, tratava de “aventuras amorosas exaltantes ou ridículas, fantasiosas ou realistas, ternas ou violentas entremeadas pelos vícios, vaidades, misérias e grandezas” (COELHO, 1991, p. 47), que permeiam as relações humanas.

Os Contos de Fadas, gênero narrativo de fundamental importância para esse estudo, serão tratados a seguir de maneira mais aprofundada, comentando suas origens, como se tornaram literatura infantil, a pertinência de seus conteúdos aos conflitos próprios das fases iniciais da vida e sobre sua longevidade.

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