• Nenhum resultado encontrado

Depois de abordar os/as sujeitos/as para apreender os desafios encontrados no desenvolvimentos das ações do CECH, questionamos a eles/as, de maneira mais genérica, quais eram os desafios para trabalhar a temática LGBT no estado de Pernambuco, buscando entender quais as especificidades que caracterizam o cenário pernambucano.

Miguel enfatiza o machismo, como fenômeno cultural do estado, como elemento desafiador. “O machismo que está arraigado de uma forma tão fechado na população

que muitas vezes inviabiliza a nossa atuação” (Entrevista com Miguel, 28/05/2015). Opinião semelhante é a de Davi que acredita que nesse estado o preconceito é naturalizado: “A resistência conceitual, filosófica e a visão de mundo que a sociedade tem sobre a temática, sobre LGBT. A naturalização do preconceito. Isso que é ruim pra a gente” (Entrevista com Davi, 18/05/2015).

Artur acredita que o estado de Pernambuco é um estado homofóbico. Essa cultura homofóbica se expressaria nas práticas exercidas por diferentes setores da sociedade. Diz ele, “o boicote da mídia, das instituições, da bancada fundamentalista, tem essa dificuldade ainda que acontece no cenário nacional, mas aqui também. A gente tem uma Assembleia que é conservadora, uma Câmara Municipal que é conservadora…” (Entrevista com Artur, 28/05/2015).

Alice também acredita que o machismo, a homofobia, a religião e a moral, dominantes em Pernambuco, suscitam o conjunto de violências contra a população LGBT. Esses valores tem origem na educação promovida pelas famílias que, formadas sob matrizes homofóbicas, reproduzem tranquilamente tais violências sem que ninguém intervenha nessa formação.

Então acho que a dificuldade é realmente a questão da educação e principalmente dentro do núcleo familiar então pra você se desfazer... Pra mim, por exemplo não foi muito fácil a questão da relação com a família, não assim com minha mãe e minhas irmãs não, mas eu ainda recebo muitas críticas de tios, tias, avós, enfim... Eu tô grávida e assim pra mim foi uma dificuldade muito grande. Já chegou tia minha de colocar a mão na minha barriga e dizer "olhe, não seja sapatão não viu?" Isso tudo com a minha filha! Eu disse "gente o que é que tem, se eu não tô, não sou eu que vou definir a identidade de gênero, a orientação sexual, pra mim é a mesma coisa que ela ser lésbica ou que ela ser gorda, que ela ser magra, que ela ser alta. Pra mim vai ser apenas uma característica". Mas eu ainda enfrento muita dificuldade, isso me... Sabe? Isso me incomoda muito porque se dentro da minha família é assim que eu considero que é uma família aberta, imagina dentro de outras né? Então eu percebo que pra muitos profissionais ainda não consegue se engajar dentro dessa temática porque não querem enfrentar isso dentro da família. Eu como não tô nem aí eu falo, eu falo mesmo (Entrevista com Alice, 19/05/2015).

A advogada do Centro nos indica outro dado importante: não basta ser lésbica, gay, bissexual, travesti ou transexual para sofrer a homofobia enraizada na cultura. O simples fato de trabalhar com esse público (ou defendê-lo publicamente), ainda que heterossexual, é suficiente para sofrer os constrangimentos motivados pelas diferenças de

orientação sexual e identidade de gênero. Essa informação reforça o caráter estrutural da homofobia no Brasil e em Pernambuco.

Pedro, diferentemente dos demais, fala que os desafios no contexto pernambucano (mas que avaliamos que não é um problema exclusivamente estadual) se dão em função da ausência de legislações e da ausência da temática na educação. Por mais que o CECH desempenhe papel pedagógico, competem às escolas, faculdades e universidades a educação formal de longo prazo.

A inexistência na grade curricular […] desde a escola, até a Universidade. Não tô falando do ponto de vista da pós- graduação, não. Na graduação, mesmo. Não estou falando que não aconteça, mas eu acho que poderia sair um pouco desse lugar… dos eventos… de a gente poder discutir demanda, mesmo. Fica muito no âmbito da solenidade, eu não acho que isso seja muito positivo, não. O debate que interessa e vai pro evento, beleza, mas dentro da sala de aula não acontece (Entrevista com Pedro, 18/05/2015)

Com efeito, os eventos do CECH são muito caracterizados por uma espécie de “solenidade” que produz efeitos interessantes, como a visibilidade que ele obtém em face dos seminários e de outras atividades. Entretanto, do ponto de vista de uma intervenção mais permanente e acompanhada, o Centro não tem condições institucionais de desenvolver. Políticas educacionais, neste caso, seriam cruciais para alargar a cidadania LGBT.

Gabriel desenvolve uma avaliação pertinente sobre os desafios das políticas LGBT no contexto Pernambuco: a ausência de recursos financeiros.

Pra mim é só um: recurso. Eu acho que é grana mesmo. São políticas que não são tidas como prioritárias. Na medida em que elas não são tidas como prioritárias, ela recebe um recurso mínimo e isso influi por exemplo na possibilidade de contratar profissional, na possibilidade de infraestrutura física, no material de campanha, tudo isso e como não existe uma linha de recurso mais clara, mais específica pra essa questão tudo que tem conseguido vem... “não, um pouquinho dali, um pouquinho de acolá, um pouquinho não sei de onde” Isso compromete muito. Eu acho que a dificuldade essencial é isso: recurso financeiro (Entrevista com Gabriel, 01/06/2015).

De fato, além da pouca prioridade orçamentária destinada pelo governo estadual, o Poder Legislativo, responsável pela aprovação dos orçamentos públicos, pouco se movimenta para garantir recursos em peças orçamentárias como a Lei de Diretrizes

Orçamentária, o Plano Plurianual e a Lei Orçamentária Anual. Ao contrário, há casos em que quando o Executivo envia uma peça orçamentária assegurando recursos para políticas LGBT, parlamentares conservadores retiram a previsão financeira prejudicando a sua implementação. Exemplo disso foram as emendas da vereadora do Recife Michele Collins (PP) que transferiram recursos destinados à população LGBT na LOA 2015 para outras áreas50.

Já Ana reflete que os desafios das políticas LGBT é a falta de uma política de Estado. Nessa ausência, ela critica as estruturas precárias que servem como um “cala a boca” e dá como exemplo a Assessoria Especial do Governador para Diversidade Sexual e sua fragilidade institucional. A carência de legislações que definissem uma política LGBT de Estado também são desabafadas.

Lúcia, possivelmente uma das sujeitas mais críticas ao modelo como o CECH está instituído reflete que não se trata da ausência de recursos, uma vez que o estado de Pernambuco “tem muito dinheiro” (Entrevista com Lúcia, 12/05/2015). O grande desafio é a falta de prioridade governamental que não oferece uma política LGBT robusta. A vontade política, neste caso, seria fundamental para superar estes desafios.

*

O presente capítulo buscou descrever as atividades e ações realizadas pelo Centro Estadual de Combate à Homofobia, analisando os avanços, conquistas, desafios e percalços enfrentados no desenvolvimento dessas iniciativas, na ótica dos/as sujeitos/as. Buscou-se ainda verificar como tem se dado a relação institucional do Centro com outros órgãos governamentais visando apreender o exercício da transversalidade e os entraves advindos desse método e dos distintos projetos políticos que disputam no interior do Estado, bem como as tensões e negociações envolvendo as políticas públicas. Por fim, levantou-se os desafios para desenvolver políticas públicas LGBT no estado de Pernambuco. Os resultados indicaram que as atividades do CECH giram em torno de campanhas anuais em que elencam temáticas elaboradas pela equipe. Nesse contexto, são realizados seminários, formações e atividades de caráter lúdico afinados ao tema das

50 A decisão da vereadora evangélica suscitou uma nota de repúdio assinada por grupos do Movimento LGBT de Recife que pode ser conferida na matéria “Grupos LGBT emitem nota de repúdio a Michele Collins: http://blogs.ne10.uol.com.br/jamildo/2014/10/31/grupos-lgbt-emitem-nota-de-repudio-michele- collins/. Acesso em: 21/01/2016.

campanhas. O Centro também atua quando convocado pelos movimentos sociais ou pela Secretaria que está vinculado promovendo o que chamam de Semanas e Jornadas de Direitos Humanos. Os membros e ex-membros do CECH apontam que os principais avanços foram a conquista da visibilidade do Centro e da temática LGBT, as atividades de cunho formativo, a aproximação com outros órgãos de políticas e a publicação de marcos normativos. Como principais desafios, elencam a homofobia institucional, o desconhecimento da temática pelos outros órgãos, a falta de estrutura do CECH e os altos níveis de cobrança por resultado do Governo de Pernambuco. A relação institucional é marcada pelo pouco diálogo com o Governo Federal, pelas parcerias profícuas com as Secretarias de Saúde, Assistência Social e Educação e por dificuldades com a área da Segurança Pública. Nossos achados também evidenciam que os desafios das políticas LGBT no contexto pernambucano são marcados pela cultura preconceituosa, machista e homofóbica, pela falta de legislações e de políticas educacionais, pela falta de recursos, de uma política de Estado e de prioridade na agenda governamental.

A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NAS POLÍTICAS LGBT: INTERLOCUÇÕES ENTRE O ESTADO E A SOCIEDADE

O último objetivo específico deste estudo pretendeu “analisar as relações e tensões entre o Centro Estadual de Combate à Homofobia e outros atores e atrizes sociais envolvidos na formulação da política LGBT”. Nesse sentido, compreendemos que uma das etapas da pesquisa deveria analisar a participação social considerando que se trata de um fenômeno político bastante presente no cenário brasileiro, mesmo em contextos repressivos como no caso da ditadura militar (1964-1985). Além disso, a participação social assume no Brasil um papel muitas vezes imprescindível para a criação e execução de políticas públicas.

Desta forma, distribuímos este capítulo em duas seções que visam: (i) refletir em que medida o Centro Estadual de Combate à Homofobia foi resultado de processos participativos do Movimento LGBT de Pernambuco e (ii) analisar quais as concepções de participação social circulam no CECH e as interlocuções (de cooperação e/ou conflito) estabelecidas entre o órgão e os atores da sociedade civil.

1) O Centro Estadual de Combate à Homofobia de Pernambuco: produto da