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Os desafios que nos preocupam: precipitação de ameaças e riscos 113

5. A DEFESA NACIONAL COMO RES PUBLICA 105

5.2. Os desafios que nos preocupam: precipitação de ameaças e riscos 113

O contexto de segurança dos tempos atuais caracteriza-se por um conjunto de ameaças e riscos não convencionais, ao mesmo tempo transnacionais e subestatais, que representam ameaças aos Estados. Ao nível transnacional, tomam relevo os fenómenos do terrorismo, da criminalidade organizada, dos fundamentalismos, da proliferação de armas de destruição em massa, dos problemas ambientais, das catástrofes humanitárias e das pandemias, que colocam em perigo a vida humana. No nível subestatal, a saliência reside no surgimento de Estados falhados e na propagação de conflitos violentos e guerras civis, que patenteiam, direta e indiretamente potenciais adversidades à segurança e estabilidade internacionais.

Entendendo por ameaça qualquer circunstância ou agente que represente um perigo para a segurança ou a estabilidade do país, e definindo risco como a contingência ou probabilidade de que uma ameaça chegue a materializar-se e provocar dano, estrategicamente podemos definir diferentes tipos de ameaças e riscos. Estes podem manifestar-se em vários meios: marítimo, terrestre, aéreo, espacial, ciberespaço e informativo. Quanto aos potenciadores de risco, referimo- nos a um conjunto de fenómenos globais, pela sua capacidade de suscitar ou propagar as ameaças ou riscos que antes foram apontados.

Consideramos a possibilidade de poderem constituir-se em fenómenos que podem suscitar ou propagar a conflitualidade internacional os aspetos que resultem de:

 Disfunções da globalização, provocadas pelas facilidades criadas pela globalização para gerar desequilíbrios económicos, aumentar a desigualdade de rendimentos e

acelerar o esgotamento de recursos derivado do incremento exponencial de consumidores à escala mundial;

 Desequilíbrios demográficos, como resultado do constante aumento da população mundial e do progressivo envelhecimento da população dos países desenvolvidos;  Pobreza e desigualdades extremas, como as verificadas em diversas partes do

mundo e em regiões vizinhas (região mediterrânica) ou em países que mantêm relações culturais com Portugal desde há muito tempo (Guiné, Angola);

 Alterações climáticas, que podem ajudar ao desencadeamento de conflitos pelo acesso aos recursos naturais; aumentar a fragilidade de certos Estados; ou contribuir para o aumento de “refugiados climáticos”: “Estima-se que as alterações climáticas agravem a escassez de recursos. Ainda que o impacte destas alterações varie segundo as regiões, um certo número delas sentirá os seus efeitos nocivos,

em particular a escassez de água e a diminuição da produção agrícola” (Adler,

2009: 55);

 Perigos tecnológicos, que podem originar-se na utilização incorreta ou maliciosa das inovações tecnológicas no âmbito das tecnologias da informação ou da comunicação e na indústria do armamento, mas também, no âmbito da tecnociência (nanotecnologia, inteligência artificial, genética, biotecnologia): “A difusão das tecnologias e dos conhecimentos científicos porá as armas mais

perigosas ao alcance dos grupos terroristas ativos (...)” (Adler, 2009: 57);

 Aparecimento e expansão de ideologias radicais, ou seja, ideologias que propaguem os princípios de modelos de governo autoritários e de incitamento à violência em função de razões identitárias ou religiosas: “A força da ideologia será, sem dúvida, mais marcada no mundo muçulmano, em particular no seu núcleo

árabe” (Adler, 2009: 57).

Em função dos aspetos focados, parece-nos que se podem constituir como diferentes tipos de ameaças e/ou riscos e, por isso, influenciar e condicionar o ambiente internacional as circunstâncias relacionadas com:

 Conflitos armados. Grande parte dos conflitos, atualmente, são assimétricos, confrontando-se atores estatais e não estatais e surgem frequentemente relacionados com a fragilidade dos Estados, atividades ilegais, tensões interétnicas e culturais e competição pelos recursos naturais. As razões que podem conduzir o país a estar ou vir a estar implicado na prevenção e gestão dos conflitos, são diversas: estes conflitos afetam negativa e diretamente a segurança do território nacional, a cidadania, ou os interesses nacionais, europeus ou ocidentais; como resultado dos interesses e obrigações da mutualidade defensiva que o país partilha com os parceiros e aliados na União Europeia e na NATO; através do cumprimento

dos compromissos com a ONU, para apoiar as operações de manutenção de paz:

“O terrorismo transnacional apresenta-se, pois, como uma ameaça externa e,

quando concretizado, como uma agressão externa, pelo que a sua prevenção e

combate se inserem claramente na missão das FA”; (CEDN, 2003: Introdução)

Internacionalismo financeiro. O mau funcionamento da economia pode ser uma fonte de insegurança. Desde logo, por dois motivos: um, relacionado com as carências e os desequilíbrios económicos pelo descontentamento e instabilidade social que podem gerar. Outro, porque a segurança requer recursos e estes obrigam a despesas. As conjunturas de insegurança económica podem ter origens diversas: interdependência do sistema económico mundial, desequilíbrios macroeconómicos, volatilidade dos mercados, ações desestabilizadoras ou ilegais protagonizadas por agentes económicos ou especuladores financeiros, deficiências no funcionamento dos organismos supervisores e reguladores, e crises financeiras sistémicas;

Crime organizado. Talvez seja uma das ameaças mais graves para a segurança das sociedades e uma das mais subestimadas pela opinião pública. Considera-se, neste caso, a criminalidade organizada que alcançou dimensão internacional. Fazemos referência às principais vertentes desta atividade: tráfico de drogas, armas e seres humanos; branqueamento de capitais e crimes económicos; contrabando de bens lícitos e ilícitos; crimes tecnológicos; falsificação de moeda. Não é despicienda, também, a respetiva capacidade para fomentar outras ameaças, como o terrorismo, os grupos violentos e a delinquência local. Pode-se, ainda, associar o crime organizado ao risco de proliferação de armas de destruição em massa; (CUE, 2009)29

Crescimento de fluxos migratórios, o caráter multicultural das sociedades e zonas de não integração das novas comunidades. O controlo deficiente sobre os fluxos migratórios pode gerar um incremento da população migrante e este aspeto, por si, pode provocar problemas de segurança, como conflitualidade social crescente aproveitada por grupos racistas e xenófobos, aparecimento de guetos e espaços de marginalização, tal como focos de radicalização extremista, exploração económica dos emigrantes e desestabilização de sectores produtivos da economia nacional, e infiltração de indivíduos não identificados que podem levar a cabo atividades ilegais ou que coloquem em risco a segurança nacional (membros de grupos terroristas estrangeiros);

29 A estratégia Europeia de Segurança foi aprovada em 2003. Nela, estabeleceram-se princípios e

objectivos europeus no âmbito da segurança, baseados nos valores europeus fundamentais. A abordagem é global e relevante nos tempos actuais. Este Relatório pretende reforçar a estratégia definida, analisando o respetivo funcionamento prático e os meios para melhorar a sua execução.

A utilização criminosa do ciberespaço. O ciberespaço e as redes de informação e comunicação constituem-se num fenómeno de vantagens e desvantagens. Estas últimas resultam das condições de anonimato que facilitam a atuação dos respetivos usuários e da dificuldade em rastrear possíveis ciberataques. As opções neste sentido são múltiplas, visto a absoluta interpenetração dos sistemas informáticos na vida das instituições, na vida social e económica; (CUE, 2009)  A proliferação de armas de destruição massiva, nucleares, biológicas, químicas e

radiológicas (CUE, 2009). Os programas nucleares de vários países são causa de preocupação para diversos outros países e organizações internacionais. Outra ameaça incluída na proliferação deste tipo de armas é a constante intenção de organizações terroristas na afirmação do uso de materiais nucleares e, além disso, na construção de armamento radiológico, biológico e químico: “O novo terrorismo é geopolítico, uma criação da globalização e dos meios de comunicação em massa (...) Dificilmente será uma força invasora (a Al-Qaeda), mas é, juntamente com outros grupos radicais, uma fonte principal de risco para muitos países –

sobretudo se o terrorismo nuclear se tornar uma possibilidade real” (Giddens,

2007: 244);

As emergências e as catástrofes naturais (CUE, 2009). Inundações, incêndios florestais, terramotos e erupções vulcânicas, tempestades, ondas de calor ou de frio, deslizamentos de terras ou outros desastres provenientes da degradação ambiental e de possíveis alterações meteorológicas, acidentes causados por erros humanos, negligências e falhas técnicas, e pandemias. O potencial de qualquer destas contingências pode causar perdas humanas e/ou danos de qualquer outra ordem, além de se repercutir em elevados custos económicos, sociais e ambientais, o que justifica deste modo a sua inclusão entre as fontes de insegurança que o país deve estar preparado para enfrentar e debelar;

 A vulnerabilidade energética (CUE, 2009). O atual modelo energético, insuficientemente diversificado, talvez seja dificilmente sustentável num tempo alargado. No caso particular de Portugal, que tem reforçado o consumo de gás natural em desfavor do petróleo, a dependência do fornecimento de gás prevê-se que aumente com a construção do gasoduto Medgaz, o que quer dizer que, “(...) atualmente, não é possível para Portugal (...) substituir a importação do gás argelino, e uma eventual interrupção de fornecimento é um risco para a segurança

energética (nacional)” (Santamaría, 2011: 161). Garantir o acesso a recursos

energéticos como os combustíveis fósseis é complicado e exige custos, dada a sua localização em zonas de conflito e ao aumento da procura mundial, designadamente, pela parte das “potências emergentes”: “(...) as maiores probabilidades de uma transição (energética) relativamente rápida e pouco

onerosa residem em melhores fontes de energias renováveis – fotovoltaica e

eólica – e na melhoria da tecnologia das pilhas (...) os programas de conversão

energética, como os projetos de produção de hidrogénio para veículos a partir da eletricidade, poderiam evitar que se tivesse de desenvolver infraestruturas

complexas de transporte de hidrogénio” (Adler, 2009: 56);

Neste quadro, e como forma de otimizar a resposta dos atores internacionais, têm vindo a impor-se os conceitos de segurança partilhada e defesa coletiva entre os Estados que partilham valores e interesses comuns, que no caso dos países do nosso contexto cultural podem ser sintetizados na defesa de uma ordem assente no respeito da legalidade internacional, nos valores democráticos, nos direitos humanos e na liberdade: “El concepto de seguridad que se utiliza es el que se refiere a aquella situación en la cual es posible salvaguardar la soberanía e integridad del territorio nacional y sus habitantes permitiendo el desarrollo de su libertad, de su actividad personal, económica y social que, a su vez, limita sustancialmente o evita, los efectos de riesgos internos y externos. Además, supone participar en la generación y el sostenimiento de un sistema internacional cooperativo de esfuerzos encaminados al mantenimiento y la construcción de la paz, el desarrollo humano de las sociedades, la democracia y la libertad. Dichos esfuerzos deben desplegarse en los diversos ámbitos posibles y recurriendo a los instrumentos y capacidades de los

que disponen la Sociedad y el Estado.” (Ministerio de Defensa, 2009:6)

É na constatação e assunção destes preceitos que o CEDN refere30: “A Organização das

Nações Unidas (ONU) vem assumindo um papel mais interventivo na área da segurança internacional, enquadrando um conjunto crescente de ações no domínio das operações humanitárias e de paz nos mais diversos pontos do globo.

A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) continua a orientar a sua atenção para os aspetos relacionados com a defesa dos direitos humanos, a resolução pacífica e a prevenção de conflitos, a gestão política de crises e a participação em atividades de manutenção de paz, tendo reforçado a sua capacidade política, em particular no domínio da diplomacia preventiva.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) tem vindo a cumprir um papel de adaptação ao novo ambiente internacional.

No espaço da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), deve salientar-se uma

evolução que é globalmente positiva” (CEDN, 2003: Título 2).

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