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CAPÍTULO III COLÔNIA DE PESCADORES: INSTITUCIONALIZAÇÃO E

3.3. Os Diferentes Sentidos da Colônia Z-3 para os Pescadores Artesanais de

A Colônia de Pescadores Z-3355 foi fundada em 23 de julho de 1983, segundo reza

seu estatuto356. Nesse contexto, o trabalho dos pescadores ainda era regulamentado pela

SUDEPE, na época autarquia federal com sede na cidade do Rio de Janeiro, subordinada ao

355Essa denominação das colônias pelo Brasil já era utilizada desde a década de 1930. Segundo o Código de Pesca instaurado pelo Decreto-Lei nº794, de 19 de outubro de 1938, no seu artigo 9, parágrafo único, “as colônias serão designadas pelo prefixo “Z”, seguido do número de ordem que lhes couber no seu receptivo Estado e estabelecer-se-ão em zonas limitadas pelo Serviço de Caça e Pesca”. Uma colônia de pescador, nessa época, era constituída com, no mínimo, 150 pescadores. Cf. BRASIL. Ministério da Agricultura. Departamento Nacional de Produção Animal. Divisão de Caça e Pesca. Código de Pesca. Decreto-Lei n.794, de 19 de outubro de 1938, p. 8.

356Tomei este estatuto social apenas como pista para analisar o passado da Colônia de Pescadores Z-3. O ano de 1983, por exemplo, como data de fundação da entidade é contrariada por uma nota do Jornal “SF”, de 15 de agosto de 1985, que diz ser este (1985) o da fundação da Colônia. Outra informação dessa nota é a de que numa reunião entre os pescadores ocorrida no Centro Cultural Católico de São Francisco, no dia 29 de junho de 1985, a Colônia Z-3 de São Francisco recebeu a denominação Colônia de Pesca José Generoso, numa homenagem “a um dos maiores batalhadores para a implantação da Colônia de Pescadores em São Francisco.”, como relata Dario Gomes da Mata, autor da nota jornalística.

Ministério da Agricultura e criada por meio da Lei Delegada nº 10, de 11 de outubro de

1962357. Na década de 1980, as Colônias de Pescadores eram entidades que auxiliavam o

Ministério da Agricultura na organização da categoria dos pescadores. Atualmente (2014), o órgão máximo que regulamenta o trabalho dos pescadores no Brasil é o MPA, criado no ano de 2009, no dia 29 de junho, dia do Pescador, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a partir da Lei nº 11.958. No entanto, entre a existência da SUDEPE e a criação do MPA, é importante entender que atuaram como órgãos reguladores da pesca o IBAMA (1989), o

Departamento de Pesca e Aquicultura – DPA (1998) e, por fim, a Secretaria Especial da

Aquicultura e Pesca (SEAP)(2003), mostrando, assim, uma intensa reordenação dos órgãos governamentais responsáveis pela pesca nas últimas décadas.

Segundo o Estatuto da Colônia de Pescadores Z-3, essa se constitui como numa sociedade civil sem fins lucrativos. Para todos os efeitos, e principalmente em termos legais, tal característica tem reflexos significativos sobre a ação dos membros que dela fazem parte, seja como associados ou como componentes da diretoria. De acordo com a Lei Federal nº

9790358, de 23 de março de 1999, sociedades civis sem fins lucrativos são pessoas jurídicas de

direito privado que, em hipótese alguma, distribuem aos membros que as constituem qualquer tipo de bonificação, remuneração ou benefícios afins, aplicando integralmente o seu patrimônio financeiro e material para conquistar o seu respectivo objeto social, no caso da Colônia, o de apresentar “qualquer serviço que possa contribuir para a melhoria das condições

de vida dos associados, seus familiares e da comunidade”359.

A partir desse perfil e das abordagens feitas no tópico anterior, parece-me claro que, do ponto de vista legal e burocrático, a Colônia de Pescadores Z-3 é uma entidade que se organiza e atua de acordo com normas advindas de uma estrutura hierarquicamente superior e, portanto, enquanto instituição, tem suas ações limitadas. Além disso, é importante entender

que em face de todo o aparato de órgãos federais e estaduais360 relacionados aos pescadores

357BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Lei Delegada nº 10, de 11 de outubro de 1962. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ldl/ldl10.htm>; acesso em 26 mar 2012.

358Ibidem., Lei nº 9790, de 23 de março de 1999. Brasília-DF. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9790.htm>; acesso em 27 mar 2012.

359ESTATUTO da Colônia dos Pescadores Z-3 de São Francisco, São Francisco, MG. Art. 3º. p.1.

360Existem outros órgãos estaduais e federais com os quais a Colônia se relaciona, tais como a Polícia Ambiental, que se faz presente nas reuniões regularmente para orientar os pescadores sobre os limites da pesca no rio São Francisco; Ligado à Polícia Ambiental está o IBAMA– Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, que cuida de questões relacionadas à conservação e proteção da biodiversidade, do uso sustentável dos recursos naturais, exercendo poder de polícia ambiental no desempenho de suas funções; há ainda o IEF – Instituto Estadual de Floresta, órgão responsável pela emissão de licenças para as categorias de pesca amadora, de subsistência, científica e despesca em Minas Gerais; O INSS – Instituto Nacional de do Seguro Social trata das questões sobre os direitos previdenciários; dentre outros órgãos.

seja na regulamentação de seu trabalho, seja na organização da própria Colônia, esta representa, na visão dos pescadores, o lugar, a entidade, a referência primeira na solução de suas demandas. Nesse sentido, para eles, significa a instituição mais próxima com a qual estabelecem uma relação seja para pedir, para reclamar, para solicitar, para perguntar ou mesmo para se fazerem presentes, sustentando seu lugar de pescadores institucionalizados.

Por outro lado, diferentes visões sobre a Colônia de Pescadores parecem coexistir no mesmo espaço. Fator que ora gera tensão entre eles mesmos, ora gera consensos, mas que está fundamentado em interesses bastante pessoais, particulares, fazendo com que cada pescador ou pescadora tenha motivações próprias (ou de grupo) para suas posturas e posições dentro e fora da entidade.

Entendo que a crescente institucionalização dos pescadores artesanais, responsável pela inclusão no campo dos direitos e deveres dessa categoria, se deu nas últimas cinco décadas em meio a um conflito vivenciado por eles no que se refere à compreensão de si mesmos, enquanto pescadores. Atuar na pesca “desde que se entende por gente”, como afirma Dona América, e, gradativamente ter que “provar” às instituições (à Polícia Ambiental, quando abordados em suas patrulhas; ao Ministério do Trabalho, quando tiver que requerer um direito; dentre outras situações) que a pesca faz parte de sua vida, sendo exercida como profissão, parece um contrassenso para muitos pescadores. Ao ser indagada sobre o que determinou seu ingresso na Colônia de Pescadores, bem como se deu esse processo, Dona América faz uma significativa elaboração:

Olha, eu entrei na colônia devido [silencia-se...] ser mais assim... porque eles sempre fala: “ó, você tem que ser sócia de alguma coisa, né, pro bem-estar da gente na idade”. Então veio a colônia. Então, o João [Presidente da entidade] foi e falou pra gente né. Tinha lá a abertura, se a gente queria fazer. Porque não fizemos antes? Por quê? Porque naquela época a gente não tinha precisão de fazer uma carteira. Pra quê, se a gente já sabia o que a gente era? Então ninguém ligava em fazer carteira de pescaria. Então veio... ó, a carteira é boa pra assegurar sua aposentadoria, então veio a ideia dessa maneira, não só.... quando eu fiz a carteira não tinha esse negócio de seguro. Então não foi interessada no seguro. Foi interessado é pra mim... então no futuro, ter uma aposentadoria porque era um seguro que a gente tinha, mas infelizmente pra mim ainda não valeu a pena361.

De todas as entrevistas realizadas, essa de Dona América, a meu ver, é a mais expressiva, principalmente por causa da reflexão emanada da própria experiência como pescadora. Dizer que “naquela época a gente não tinha precisão de fazer uma carteira” e, a partir disso indagar, “pra quê, se a gente já sabia o que a gente era?”, revela que Dona

361Entrevista realizada com América Geralda da Silva, pescadora, 49 anos, no dia 03 de janeiro de 2013, em sua residência no bairro Sagrada Família, em São Francisco-MG.

América tem uma consciência bastante clara de sua própria historicidade, comparando o tempo “de antes” com o atual. Seus modos de vida e seu trabalho de outros tempos, vivenciados e construídos a partir de sua experiência na pesca, colocam-se como fatores que problematizam a necessidade de sua institucionalização.

Sobre esse assunto, penso que um diálogo entre Thomspon e Gramsci no que diz respeito à construção do consenso em torno da forma como se deu essa institucionalização é pertinente. Como já salientado, o processo de criação das leis que regulam o trabalho na pesca se deu nos bastidores políticos de modo bastante intenso no Brasil, principalmente após a Constituição Federal de 1988. A abertura legal conferida por esse texto normativo para a conquista de direitos antes inexistentes fez diversos grupos da Sociedade Civil (movimentos de pescadores, Pastorais da Igreja Católica, sindicatos, dentre outros) intensificarem, por meio de conferências e de encontros em nível estadual e nacional, os debates sobre a condição vivenciada pelos pescadores. O desafio de imprimir os interesses dos pescadores nas leis relativas à pesca artesanal seja nas questões ambientais, trabalhistas, previdenciárias, sociais, etc. estava posto, ocupando espaços no interior do que Gramsci chama de “guerra de

posições”362 que possibilita a construção de consensos. Na arena de decisões, além desses

setores da sociedade civil, outros grupos de interesses variados buscaram demarcar seu território: Ministérios que regulam o trabalho, a pesca e o meio ambiente; empresas públicas que atuam na exploração dos potenciais hídricos do rio São Francisco; empresários do setor industrial; etc.

Nesse processo, o complexo aparato legal imposto à vida e ao trabalho dos pescadores artesanais de São Francisco, a meu ver, principalmente levando em consideração a visão de muitos deles, como Dona América, chocou-se diretamente com um também complexo conjunto de valores e vivências costumeiras dessas pessoas, gerando tensão entre elas. Dessa forma, assim como Thompson compreende “boa parte da história social do século XVIII como uma série de confrontos entre uma economia de mercado inovadora e a economia

moral363 da plebe, baseada no costume”364, identifico na história social desses pescadores

362COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 147.

363A discussão que E. P. Thompson (1998, p. 21) faz no seu Costumes em Comum sobre Economia Moral traz como ponto de reflexão sua abordagem sobre o comportamento das classes trabalhadoras no século XVIII, sobre o qual o autor sugere uma necessária decodificação de suas formas de expressão simbólica. Isso porque o autor acredita que, para além do que é imposto pelos poderes constituídos ou pelas regras do mercado, as pessoas sempre trazem consigo um conjunto de “regras invisíveis” que também organizam suas vidas. A partir dessas suas colocações, compreendi que os embates entre o modo de pensar dos pescadores e as leis que foram sendo impostas em sua vida, regulando seu trabalho, se deram devido esses pescadores se entenderem enquanto tais não através de uma documentação que lhe é exigida, mas pela própria experiência acumulada ao longo de sua vida.

artesanais de São Francisco um nítido embate entre seus modos de vida (com suas “regras invisíveis”) e as imposições econômicas, políticas e ideológicas por parte de outros grupos de interesses. Atrás da clareza de que “a gente já sabia o que a gente era” há, portanto, um imperativo de desautorização feita pela pescadora dirigido àqueles que elaboraram as leis no sentido de revelar-lhes que ela se reconhecia como pertencente àquela realidade do rio. Apesar disso, as regras prevalecem, mesmo que Dona América pouco se reconheça nesse

novo tempo, buscando aprender o que ela é atualmente, como na leitura de um “livro”, cujo

“instrutor” ou “professor” é o próprio presidente da Colônia:

Então ali é bom que a gente fica conhecendo muita coisa sobre pescador. (...). [A Colônia]É tipo um livro que a gente tem, que a gente vai lá procurar alguma

coisa que a gente não sabe. Então o presidente tá lá pra ensinar pra gente o que é

pescaria, o que deva fazer, o que não deva. Eu acho que a colônia significa assim,

um livro, porque vai lá estudar e aprender mais (América Geralda da Silva,

pescadora, São Francisco – MG, 05/05/2012) (Grifo meu).

Tanto a analogia apresentada por Dona América, quanto o incômodo que sente em

relação à necessidade de provar que é pescadora, mesmo já sendo “desde que se entende por

gente”, me instigaram a compreender os sentidos que os pescadores artesanais de São Francisco dão à Colônia. Nessa empreitada, constatei, entre os pescadores, pelo menos três noções diferentes sobre o que a Colônia significa em suas vidas: primeiro, é um espaço onde obtêm benefícios do Governo Federal, como uma forma de assegurar sua aposentadoria, dentre outros recursos; segundo, é uma entidade que em suas ações exploram o pescador,

cobrando-lhe mensalidades365 (ou anuidade) sem proporcionar-lhes uma real melhoria de

condições de trabalho e de vida, visão bastante crítica contra o gestor da Colônia; e, por fim, mesmo vivenciando divergências internas, por ser uma entidade representativa da categoria, apresenta interesses diferentes e até antagônicos em relação a órgãos governamentais ou ao grupo dos pescadores amadores.

Sobre a primeira visão, nota-se que, atualmente, a Colônia de Pescadores Z-3 é regida pela Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) e por diretrizes estatutárias que a colocam como referência classista, local onde se pode pleitear direitos sociais e trabalhistas do governo tais como aposentadoria, seguro desemprego, etc..

364THOMPSON, E.P. Introdução: costume e cultura. In: ____. Costumes em comum: estudos sobre a cultura

popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p.19.

365Neste ano de 2014 o valor da mensalidade, referente a uma contribuição social prevista no Estatuto da Entidade, é de R$15,00, sendo R$180 por ano.

Questionado sobre a importância da Colônia para os pescadores, o senhor Higino de Freitas Silva, pescador desde os oito anos de idade e hoje com sessenta e seis, aponta benefícios que fundamentam essa visão:

A importância da Colônia é que ocê é segurado. O pescador profissional, se ele tá pescando no rio e ele leva um acidente, ele encosta [ou seja, afasta-se das atividades, recebendo o auxílio-doença]. O INSS tem que encostar ele. Aí é como eu digo ocê, a gente é segurado, por isso quer dizer que se ocê leva uma acidente: quebrou um pé, um braço. O que ele vai fazer, o INSS vai te encostar. A mesma coisa da firma, a mesma coisinha ele vai te encostar lá. Ele vai te dar uma sugestão de quinze, vinte dias pra vê se ocê melhorou, chama a perícia, todas as pericias. Conheço pescador aqui que vai na perícia direto. Todo ano chegou [o benefício], mas num corta. Só corta se o cara num for na perícia a não ser... Talvez tem gente que num pode ir lá no rio mais, aí fica recebendo direto. Num é aposentadoria não, chama é validez [entenda-se invalidez]. Então eu te digo assim. Então é muito importante a colônia. A colônia pro pescador é importante. É como ocê falou na parte do gancheiro366, que diz “eu num vou tirar a carteira não, eu mesmo pesco e pego”, mais num adianta. Ele só tem aquilo que ele pega. Num pegou... A segurança dele num tem segurança367.

No relato do senhor Higino, é possível perceber uma noção clara de como ele entende a Colônia de Pescadores em sua vida: segurança. A entidade em si se traduz para ele, principalmente levando em consideração sua idade, 66 anos, como uma proteção aos eventuais riscos no exercício da atividade pesqueira, recebendo, a partir dessa situação, benefícios do governo ou por uma invalidez ou ainda pela aposentadoria. Num contexto em que as dificuldades de emprego são perceptíveis para todos os moradores dessa região do Brasil, e num tempo em que a estabilidade no emprego é vista como um valor em si, pois viver na informalidade significa trabalhar sob o peso da incerteza, sem garantias trabalhistas e previdenciárias; estar associado, filiado ou acobertado pelos direitos oriundos do Governo Federal, concedidos através da Colônia de Pescadores, parece ter um significado bastante relevante.

O senhor Higino analisando a situação daqueles que não têm o Registro Geral de

Pesca, denominados pejorativamente pelos pescadores artesanais de “gancheiros”, mostra a

situação de vulnerabilidade em que vivem, sem garantia alguma em caso de acidentes ou invalidez. Ele chega a apontar outras razões das dificuldades desse grupo:

O gancheiro não é representado. Pra ele, é ruim de duas partes, porque a lei pega ele, e toma, né? [referindo-se ao seu material de pesca]. Não multa, mas toma, porque

366Gancheiro” é a denominação dada pelos próprios pescadores da Colônia referindo-se àqueles pescadores que não são associados e que, portanto, não possuem o Registro de Pesca.

ele não vai dar o nome certo. E ele não segue direito na lei, na colônia, porque colônia é o sindicato do pescador, né?”368.

Essa visão de que a Colônia auxilia na segurança do pescador é confirmada pela pescadora Betânia de Almeida Bastos mais conhecida como Dona Bete. Para ela, que também é esposa de pescador, a entidade é a via necessária para uma aposentadoria ou para o recebimento de algum benefício do governo, bastando apenas estar presente nas reuniões. Sobre a relevância dessa instituição na sua trajetória de trabalhadora, ela afirma:

Bom demais, a gente tem uma segurança. Que a gente é pescador, nós vamos as reunião, assiste as reunião, assina a ata, quando você precisa da ata pra, às vezes o INSS, aí vai lá e tira o xerox daquele lugar que você estava assinado, aí pra gente aposentar, coisa de saúde assim pra gente encostar. Qualquer coisa que depender da colônia, a gente vai lá e tem ajuda pra ajudar a gente. Graças a Deus, nós é ela. Tem onde vende o peixe, agora eles estão querendo que escama o peixe pra poder vender as escamas, só que gente não vai fazer isso porque é difícil. Quando chega o final do ano, a gente tem o seguro, os quatro meses. Se você trabalha, você tem, se você não trabalha, você tem369.

Nas palavras da pescadora, assim como nas do senhor Higino, o sentido construído por esses trabalhadores é bastante próprio de quem busca um meio de sobrevivência para si. Não traz consigo, por exemplo, um sentido de transformação social da vida dos profissionais da pesca, ou uma melhoria das condições de trabalho da categoria. A Colônia aparece, assim, como um espaço onde se pode conseguir a aposentadoria, alcançar um seguro por invalidez, vender o peixe capturado no rio São Francisco ou ainda uma certeza de que se vai receber o seguro-defeso, no tempo da piracema.

Apesar de a Colônia significar um lugar certo para a comercialização do pescado e ainda de o próprio Estatuto da Colônia prever essa venda direta dos associados à entidade, muitos preferem vender para compradores externos: moradores, turistas, peixarias ou restaurantes que encomendam o produto previamente. Isso em função desses pagarem um preço mais atrativo que o da Colônia. Vale dizer que o próprio presidente da Colônia e seus parentes são donos das principais peixarias da cidade. Assim, o sentido cooperativo da colônia fica em segundo plano. Apesar de comercializarem o produto para outros segmentos, isso não traz danos financeiros à Colônia, visto que as mensalidades dos pescadores são uma fonte certa para a manutenção da entidade. Porém, em entrevista com o pescador Paulo Sérgio, que já ocupou o cargo de presidente, na década de 1990, observamos que em outros tempos a

368Entrevista realizada por Roberto Mendes Ramos Pereira com o senhor Higino de Freitas Silva, pescador aposentado, no dia 19 de janeiro de 2012.

condição da Colônia de Pescadores Z-3 era totalmente diferente do que é hoje. O senhor Paulo Sérgio reclama:

Nesse tempo que eu fui presidente, não tinha digitório (entenda-se “ajuda”, “auxílio”) à Colônia de jeito nenhum. Não vinha digitório de dentro, de fora de jeito nenhum. Quem comprasse o peixe e vendesse e tivesse o lucro do peixe era o que mantinha a Colônia, porque o sobre digitório de fora, não tinha370.

O sentido da Colônia como sinônimo de melhoria para esses trabalhadores é percebido também quando se compara a situação atual com a de outros tempos. A própria Dona Bete argumenta que: “era difícil demais. Quando era final de ano não tinha seguro, ocê