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Os pescadores artesanais no Brasil: de servidores da pátria a fiscalizados

CAPÍTULO III COLÔNIA DE PESCADORES: INSTITUCIONALIZAÇÃO E

3.1 Os pescadores artesanais no Brasil: de servidores da pátria a fiscalizados

Antes da Constituição de 1988 já existia uma organização mais ou menos estruturada entre os pescadores artesanais do Brasil, mas na prática, mesmo com os esforços iniciais do governo do ex-presidente Getúlio Vargas, que considerava as colônias

“associações de classe”302, elas, ao que parece, serviam mais como um departamento

302BRASIL. Ministério da Agricultura. Departamento Nacional de Produção Animal. Divisão de Caça e Pesca.

Código de Pesca. Decreto-Lei nº794, 19 out.1938. (Capítulo II – Dos pescadores e suas associações de classe), p.07.

operacional para tratar as questões relativas ao setor da pesca do que uma categoria profissional.

Segundo Sérgio Cardoso de Moraes “as primeiras colônias de pescadores do

Brasil foram fundadas a partir de 1919303, e foi levado a cabo pela Marinha de Guerra”304.

Assim, em termos gramscianos, elas “nasceram” como parte da Sociedade Política305, de um

Estado-coerção que se utilizou do trabalho e do conhecimento acumulado dos trabalhadores da pesca para objetivos político-econômicos. Essa postura evidencia que o Estado é uma “relação social”, ou seja, “atravessado pelo conjunto das relações sociais existentes numa formação social determinada, incorporando, em si mesmo, os conflitos vigentes na formação

social”306. Dessa forma ele não é concebido como um ente com vida própria e que paira acima

da sociedade, mas como resultado das relações aí existentes.

Segundo Moraes307, dois fatores contribuíram para essa investida do Estado,

primeiro a necessidade de reverter a situação do início do século XX, quando o país ainda importava peixes, situação, no mínimo, incômoda, se levarmos em conta o extenso litoral brasileiro e os inúmeros rios de água doce; e, segundo, pelo interesse em defender a Costa Brasileira, após a Primeira Guerra Mundial. Dessa forma, entre a pesca e o pescador, a primeira parecia ter prioridade aos olhos do Estado, que nomeava as colônias não como Colônias de Pescadores, mas Colônias de Pesca.

303Apesar de trabalhar com essa temporalidade, sabe-se que desde o século XIX o império já se preocupava com a defesa do território nacional, sendo os pescadores de suma importância. Vários sítios da Rede Mundial de Computadores dão notícia de que a primeira colônia de pescadores do Brasil foi a Nova Ericéia, na Enseada dos Garoupas, em Santa Catarina, fundada por Dom João VI. Era administrada pela Marinha Portuguesa, na ocasião em que o Brasil era Reino Unido a Portugal. Esse significado vai mudar somente cem anos depois, quando essas colônias vão ser objeto da preocupação governamental, criando em torno delas políticas públicas de assistência ao pescador. Maria Lisieux Amado Guedes (1984), por exemplo, ressalta que já em 1889 o capitão da fragata Júlio César de Noronha, capitão dos portos do Rio de Janeiro, era apresentado ao governo o primeiro Regulamento da Pesca no Brasil, ou seja, já ao longo do século XIX, por todo o litoral, a prática pesqueira já era bastante evidente e pertencente ao cotidiano das populações aí existentes.

304MORAES, Sérgio Cardoso de. Colônias de pescadores e a luta pela cidadania. Disponível em <http://www.fase.org.br/v2/admin/anexos/acervo/10_Colonias_de_pescadores.doc.>; acesso em 16 nov.2013, p.1.

305Maria-AntoniettaMacciocchi, em A Favor de Gramsci, faz uma leitura da noção gramsciana de Sociedade Política como uma ditadura, um aparelho de coerção, que busca submeter as massas populares aos tipos de produção e à economia de um momento dado. Uma Sociedade Política que, unida à Sociedade Civil, entendida pela hegemonia de um grupo social sobre o conjunto da sociedade nacional, exercida através das organizações privadas, forma o que Gramsci entende por Estado Ampliado, ou seja, uma hegemonia protegia pela coerção. Cf. MACCIOCCHI, Maria-Antonietta. A favor de Gramsci. Tradução de Angelina Peralva. 2ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p.151-152.

306MENDONÇA, Sônia Regina. Historiografia Brasileira em Questão: Considerações sobre Economia e Política. Dossiê. História Revista. Goiânia. V.11, n.2, 201-219. Jul-dez, 2006, p.210

307MORAES, Sérgio Cardoso de. Colônias de pescadores e a luta pela cidadania. Disponível em <http://www.fase.org.br/v2/admin/anexos/acervo/10_Colonias_de_pescadores.doc.>; acesso em 16 nov.2013.

Para Guedes, em 1919, o ministro da Marinha, Almirante Gomes Pereira, desenvolveu um programa para a Missão do Cruzador José Bonifácio, firmada na nacionalização da pesca e na organização dos seus serviços no litoral do Brasil. Essa missão consistia basicamente na noção de que “o pescador é valioso instrumento para a defesa nacional”, utilizado tanto em tempos de paz como de guerra, já que naquele contexto os pescadores e seus barcos estavam articulados ao mecanismo bélico do país. A autora, porém, mostra que cada colônia, formada por grupos ou comunidade de pescadores, seria

um ponto de apoio para a ação social, administrativa e militar do governo da República. Seria um centro de orientação técnica e profissional, mas também um núcleo de vigilância da costa e de defesa nacional, mobilizável, de instrução e de educação cívica.308

Nessa direção, a justificativa primeira para a criação das colônias de pescadores, no início do século XX, estava diretamente associada à defesa do território nacional e aos interesses econômicos ligados ao pescado, abundante no país. De tal modo, os membros

dessas colônias “eram considerados ‘reservas’ e seus integrantes eram obrigados a prestar

serviços gratuitos à Marinha”309. Essa referência à missão patriótica de defender o país está

presente, até hoje, no brasão das colônias, como na Colônia de Pescadores Vieira Lima Z-2, de Barra de São Miguel, em Alagoas, que traz acima do Cruzeiro do Sul a inscrição “Pátria e Dever”. Tal inscrição faz alusão direta ao momento histórico das colônias de pescadores, quando atuaram, ao lado da Marinha do Brasil, dentro de um forte espírito cívico e patriótico. No entanto, há que se ressaltar que esse perfil do trabalho pesqueiro era mais evidente no litoral, ou seja, o processo de organização e sistematização da pesca, enquanto trabalho e prática a serviço do Estado, se deu na direção litoral/interior. Dado bastante significativo para se pensar a lentidão e a precariedade com que essa prática foi sistematizada no interior do país, como é o caso das regiões localizadas ao longo do rio São Francisco.

No governo de Getúlio Vargas a pesca ficou sob a supervisão da Marinha do Brasil até 1933, quando o Ministério da Agricultura assumiu a regulamentação dessa prática.

Para Guedes310, no governo Vargas, dois fatores foram importantes na organização desse setor

da economia brasileira. O primeiro foi a regulamentação do decreto nº 23.134/33, através do

GUEDES, Maria de Lisieux Amado. Colônias de pescadores: organizações corporativas ou entidades

representativas da classe? Brasília: Universidade de Brasília, 1984, p. 4-5.

309BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cametá: acordos de pesca – uma alternativa econômica e

organizacional. Projetos Demonstrativos: série sistematização. Revista II. Jan 2006, p.24. Disponível em

<http://www.mma.gov.br/estruturas/pda/_publicacao/51_publicacao12012011105114.pdf>; acesso em 23 nov 2013.

310GUEDES, Maria de Lisieux Amado. Colônias de pescadores: organizações corporativas ou entidades representativas da classe? Brasília: Universidade de Brasília, 1984.

qual foi criada a Divisão de Caça e Pesca, cuja meta era gerenciar a pesca no país. O segundo foi a criação do primeiro Código de Pesca, em janeiro de 1934, que subordinou os pescadores à Divisão de Caça e Pesca, do Ministério da Agricultura. Numa conjuntura social que mostrava o fortalecimento dos primeiros sindicatos de trabalhadores, predominantemente urbanos e corporativistas, as relações entre os pescadores e o Estado assumiram diferentes configurações de quando da sua fundação, período em que a pesca ainda estava ligada à Marinha do Brasil.

Nesse momento da história do Brasil, “o Estado Corporativista criou as Colônias de Pescadores como instrumento de controle social para implementar, de forma consensual, as

suas políticas”.311 Nessa direção, segundo o autor, o apoio do Estado para o surgimento de um

grupo de empresários sem oposição por parte dos pescadores foi uma das estratégias de Getúlio.

No entanto, quando a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) se tornou a tônica das preocupações do mundo, o governo brasileiro, através do Decreto-Lei nº 4.890 de outubro de 1942, transferiu novamente a subordinação dos pescadores do Ministério da Agricultura para o Ministério da Marinha. Este, por sua vez, direcionou a vida organizacional das Colônias, criou cooperativas e “elaborou novos estatutos para as Federações e Colônias, documentos que regeram a vida política da categoria até 1988, quando da criação da

Constituição da República”312. Ainda conforme Ramalho, sob esse controle da Marinha, as

Colônias quase desaparecem, situação que perdurou até o surgimento da SUDEPE, em 1962, quando a pesca retorna ao comando do Ministério da Agricultura.

Nesse sentido, é possível perceber que na primeira metade do século XX os pescadores estiveram organizados sob a tutela direta ora dos militares, ora de órgãos do governo, ou seja, da classe política, com objetivos específicos, geralmente, justificados como de interesses nacionais. Isso porque “segundo a concepção dominante entre os governantes à época, melhor que ninguém os pescadores conheciam o mar, os rios, os lagos e seus perigos,

portanto, podiam ser chamados a integrar a política de segurança nacional”313.

311RAMALHO, Cristiano Wellington Norberto. Pescadores, Estado e Desenvolvimento Nacional: da reserva naval à aquícola. In: Mesa-Redonda: Os Desafios da Pesca Tradicional: Continuidades e Mudanças. XVI Encontro Norte e Nordeste de Ciências Sociais Pré-Alas do Brasil. Universidade Federal do Piauí, 04 a 07 Set, 2012. Disponível em <http://www.sinteseeventos.com.br/ciso/anaisxvciso/resumos/MR06.pdf>; acesso em 07 nov. 2013, p. 8.

312Ibidem.,p.9.

313SILVA, Antônio Esmerahdson de Pinho da. A organização social da Colônia de Pescadores de Imperatriz

Zona 29 (CPI Z-29), estado do Maranhão. (Dissertação) Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento.

A presença reguladora da Marinha do Brasil na vida dos pescadores persiste ainda hoje através da sistematização de suas embarcações pelas Capitanias dos Portos. Mesmo que

em alguns momentos houvesse alternância entre os “órgãos responsáveis pela pesca no

Brasil”, a organização desses trabalhadores da pesca esteve pautada pelo controle

verticalizado desses órgãos estatais314.

Segundo Hijem e Ferreira, citados por Delmar Afonso Dietz315, na organização

dos pescadores do Brasil foi criado um modelo confederativo (Confederação – Federação –

Colônias) pelo qual a Marinha brasileira, ainda em 1920, procurava saber onde os pescadores estavam e quantos eram. Para os autores, mesmo em tempos de paz internacional, quando a gestão da pesca estava sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura, esse modelo manteve o mesmo rigor no controle das colônias. Guedes fez duras críticas a essa intervenção do governo sobre a organização dos pescadores no Brasil, um governo que tutela, interfere, ordena e cria normas para serem obedecidas em todo o território nacional. A leitura que a

autora fazia daquele período era que “as colônias, Federações e Confederações são

organizações burocráticas que não podem funcionar sem aprovação do Governo, com o

direito de intervir em todas as suas atividades”316. Ela ainda ressalta que existia no interior das

colônias e Federações um grande número de “pelegos”, vestindo uma falsa capa de protetor dos pescadores, mas sempre subservientes ao Estado.

José Ubirajara Coelho de Souza Timm, superintendente da SUDEPE, em fins da década de 1970, citado por Guedes, criticou essa articulação verticalizada na qual os pescadores artesanais estavam inseridos. Para ele,

A colônia de pescador deveria ser o órgão de coalizão do pescador com seus companheiros, tanto para neutralizar as pressões seletivas que sobre eles recaem, como também para neutralizar aquelas de tipo individual, especialmente se emanam

314 Em diferentes momentos da história do Brasil, diferentes órgãos governamentais estiveram no controle da sistematização do trabalho pesqueiro, tais como: 1919 – Marinha do Brasil; 1933 – Ministério da Agricultura; 1942 – Marinha do Brasil; 1962 - Superintendência do Desenvolvimento da Pesca – SUDEPE; 1989 – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA; 2003 - Secretaria Especial da Aquicultura e Pesca - SEAP/PR; 2009 – Ministério da Pesca e Aqüicultura-MPA.

315DIETZ, Delmar Afonso. Influência das organizações sociais no modelo de desenvolvimento local: o

desenvolvimento a partir da comunidade de pescadores profissionais artesanais de Tramandaí-RS.

(Monografia) Curso de Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural PLAGEDER. Faculdade de Ciências Econômicas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Balneário Pinhal, 2011.

316GUEDES, Maria de Lisieux Amado. Colônias de pescadores: organizações corporativas ou entidades

representativas da classe? (Pós-Graduação Lato Sensu). Curso de Política Social. Universidade de Brasília,

de indivíduos de posição elevada, de pessoas com mais poder militar, político ou econômico do que eles317.

Sobre essa filiação obrigatória, compartilhamos a visão de Guedes de que tal característica se mostra como um obstáculo para a formação de uma consciência de classe entre os pescadores em torno da própria Colônia, visto que cada um acaba ingressando no grupo sem muita liberdade de escolha e com interesses difusos, seja com o objetivo de se aposentar, seja para ter direito ao Seguro Defeso ou ainda para ser assistido por outros benefícios do Governo Federal.

Sobre o tempo em que a Marinha Brasileira sistematizava não só as embarcações, mas também os pescadores, o senhor Paulo Sérgio, um dos primeiros a ter carteira de pescador em São Francisco, relata como era a condição desses trabalhadores no interior do país, sem qualquer benefício ou assistência do governo, mostrando, inclusive como se deu o processo de sua institucionalização:

Naquele tempo não existia carteira de pescador. Pescava era aí na raça, sem ter carteira, sem ter nada. Não existia um documento pra pescar não. Eu estava morando em Januária, pescando. Depois, o capitão da Marinha de Januária falou com o dono da rede que eu pescava mais ele para arranjar uns moço pra pescar, pertinho da Colônia da capitania dos portos. Depois ele falou com nós: ó meninos, eu acho bom vocês tirar carteira de pescador de vocês, porque agora não depende de carteira, mas dali em frente, se você não tiver carteira, não pesca. Aí nós tiremo. É tanto que nesse tempo não existia aqui outros órgãos da SUDEPE, IBAMA, Agricultura, não existia isso. Era a Marinha. Tiremos mesmo na Marinha (entenda-se na Capitania dos Portos, na cidade de Januária-MG). Minha carteira tem, eu acho, 50 anos já. Mas é a primeira carteira foi da Marinha318.

O depoimento do senhor Paulo Sérgio remete ao início da institucionalização da pesca nessa região do Médio São Francisco mineiro, quando os pescadores começam a ser registrados como trabalhadores da pesca, portadores, a partir daquele momento, de uma licença para exercerem o ofício. É bom lembrar que naquele mesmo período, meados do século XX, os governos brasileiros, mais especificamente Juscelino Kubitschek(1956-1961), implantavam políticas desenvolvimentistas para usufruir de todo o potencial que o país oferecia, inclusive o energético obtido através das hidrelétricas. Nesse sentido, nota-se que, desde a Era Vargas, a regulamentação que vinha acontecendo sobre os bens comuns, como a

317CF. TIMM, José Ubirajara Coelho. op cit. GUEDES, Maria de Lisieux Amado. Colônias de pescadores:

organizações corporativas ou entidades representativas da classe? (Monografia de especialização). Curso de

especialização em política social. Universidade de Brasília, 1984, p. 10.

318Entrevista realizada com o Sr. Paulo Sérgio de Almeida Bastos, pescador, 74 anos, no dia 04 de janeiro de 2013, em sua residência no bairro Quebra em São Francisco-MG.

água dos rios e mares, chegava também aos trabalhadores que deles faziam uso, no caso desta pesquisa, sobre os pescadores.

Em todo Regime civil-militar, como reflexo da lógica econômica implementada nos governos anteriores, especificamente no período JK, o foco desenvolvimentista foi mantido na política econômica do país. Azevedo e Pierri, pesquisadoras da Universidade Federal do Paraná, defendem a tese de que desde esse período o Brasil visava o crescimento produtivo e industrial no setor pesqueiro em detrimento da pesca artesanal. Para elas, já na

década de 1960, quando se teve no país um “desenvolvimentismo modernizante e

ambientalmente irresponsável”, iniciou-se um período em que ocorreu “o maior crescimento histórico contínuo da pesca extrativa, mas, do ponto de vista ambiental, gerou a sobrepesca dos principais recursos, com destaque para o colapso da pesca da sardinha verdadeira

(Sardinella Brasiliensis)”319.

Em Política Nacional para o Setor Pesqueiro320, Azevedo avalia que se por um

lado o país priorizou a pesca industrial, por outro, tratou a pesca artesanal, focando na difusão tecnológica com o objetivo de modernização do setor. Para tanto, criou a Lei da Pesca em 1967, abriu linhas de financiamentos para o setor, bem como estimulou pesquisas sobre as espécies e processos produtivos. Nessa direção, a criação do Plano de Assistência à Pesca Artesanal (PESCART), em 1973, representou um desdobramento desse processo, uma vez que sua finalidade era:

prover a pesca artesanal de novos conhecimentos técnicos, recursos materiais e humanos e suporte institucional, suficientes para conduzir a pesca artesanal a processos de trabalho que resultem em maior eficiência produtiva e níveis de renda mais elevados e mais regulares, seja para as comunidades envolvidas, seja para as diferentes camadas de indivíduos que as compõem321.

Assim, em razão de metas estritamente focadas na produção e na elevação dos lucros no setor pesqueiro, os aspectos ambientais e sociais relativos à prática da pesca como meio de sobrevivência pouco apareciam na pauta das prioridades do governo. Vale salientar ainda que, naquele momento, a organização dos pescadores artesanais estava submetida tanto

319AZEVEDO, Natália Tavares de; PIERRI, Naína. A política pesqueira atual no Brasil: a escolha pelo

crescimento produtivo em detrimento da pesca artesanal. Disponível em <http://www.cppnac.org.br/wp-

content/uploads/2013/08/A-pol%C3%ADtica-pesqueira-atual-no-Brasil.pdf>; acesso 22 ago. 2014.

320AZEVEDO, Natália Tavares de. Política Nacional para o Setor Pesqueiro (2003-2011). Tese (doutorado) Programa de Pós Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Universidade Federal do Paraná: Curitiba, 2012.

321BRASIL. Ministério da Agricultura. Superintendência do Desenvolvimento da Pesca. Documento básico do

à SUDEPE quanto à Marinha, não abrindo nenhum espaço para contestações ou mobilizações de qualquer ordem.

Apesar de a autora ressaltar que a preocupação do governo era difundir tecnologia e modernizar o setor da pesca no Brasil e também que a própria SUDEPE tinha entre suas

competências “assistir aos pescadores na solução de seus problemas econômico-sociais”

(art.2, VII), em relação aos pescadores da região do Médio São Francisco isso nem sempre acontecia. No mesmo ano em que a SUDEPE foi instituída, 1962, ocorreu a fundação da Colônia de Pescadores Z-2, em Januária, cuja jurisdição englobava grande parte dos municípios ribeirinhos do Norte de Minas, inclusive a cidade de São Francisco. Os poucos pescadores artesanais de São Francisco que tinham licença para pescar (a carteira de pescador) ficaram ligados a essa entidade até o ano de 1983, quando a Colônia Z-3 foi fundada. Durante todo esse tempo, sempre que fosse preciso ir à Januária para tratar de questões burocráticas na Colônia, em razão das dificuldades de transporte terrestre, muitos iam pelo rio, com seus barcos a remo, perfazendo uma distância de 84 km entre as duas cidades, “A gente tinha que ir pra lá. Todo ano cê tinha que dar visto na carteira e ir pra lá, todo ano, todo ano”, reclama o senhor Higino. O cansaço físico e as difíceis condições vivenciadas por esses pescadores mostram uma dura realidade, resultante do modelo de produção pesqueira no período, quando os recursos não chegavam efetivamente na vida desses pescadores artesanais.

Após os anos 1980, houve uma mudança de tratamento em relação à pesca e ao pescador. Assim, se antes o pescador artesanal, aos olhos do Estado, cumpria uma função patriótica bastante visível na defesa do território nacional, ao final desse período esse quadro sofrerá significativas alterações.

As contradições de um modelo de desenvolvimento, que priorizava o crescimento industrial em detrimento da preservação dos recursos naturais, levam os governos a mudarem sua postura em relação ao modelo hegemônico que, até então, vigorava. Portanto, com o objetivo de minimizar essa exploração, muito em razão de atender as exigências ambientais