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CAPÍTULO 5: Os processos constituintes da emancipação e a relação com o

5.4. Os direitos emancipatórios na CCC: os casos T-576/14 (COLÔMBIA, 2014) e

Em termos de uma trajetória do posicionamento jurídico da Corte Constitucional Colombiana, as ações de tutela analisadas neste trabalho são contemporâneas das mudanças institucionais e constitucionais que o país e o poder judiciário passaram nos anos 90. Tais mudanças foram determinantes no processo de transformação do Estado, sendo estas moldadas sobre a égide do multiculturalismo social e político, abarcando novos padrões normativos e conceituais para compreender e valorizar a diversidade étnica colombiana.

Nesse contexto, em meio ao debate internacional e à formulação de acordos que procuraram assegurar os direitos fundamentais dos povos tribais e indígenas, a Colômbia buscou associar as suas mudanças internas com a dinâmica

internacional. É fato que o processo interno, por vezes, tenha passado por avanços e retrocessos, principalmente quando a figura central são as comunidades negras e os seus direitos, colocando em lados opostos aqueles que reconhecem esses indivíduos como parte deficitária dos direitos fundamentais no processo histórico e aqueles que não reconhecem.

O projeto emancipatório dos afro-colombianos aproxima-se, como afirma Rodriguez (2013), da radicalização do processo democrático, ou seja, é necessário incorporar o direito às novas demandas sociais como também entender qual papel nesse projeto emancipatório das instituições, nesse caso, as judiciais começam a assumir.

Tendo como objeto a defesa dos direitos fundamentais, as duas ações de tutela analisadas percorreram caminhos distintos, mas com objetivos iguais: o reconhecimento desses sujeitos ou da sua comunidade frente ao descaso por parte do Estado em questões sobre território, acesso ao ensino superior e participação política. Essas ações transcendem a ideia de que a Corte Constitucional teria como função primordial análises de declaração de inconstitucionalidade das normas ou anulação de decisões de tribunais inferiores.

Dessa forma, a Corte tem consigo uma função simbólica e positiva ao mesmo tempo, simbólica pois as decisões judiciais assumem o caráter de valorização das novas demandas das comunidades negras que lutam por reconhecimento e representatividade, e positiva pela aplicabilidade direta nos termos constitucionais dos direitos fundamentais. Assim, em ambas as funções ela permite o conteúdo emancipatório em suas decisões.

Em torno desse protagonismo que a CCC assume no processo emancipatório das comunidades negras, um outro ator político (movimento negro) aparece fortemente junto aos casos analisados, assumindo a função de articulador das propostas, protagonista junto às mudanças constitucionais como também na relação com o Estado69. Tendo sua particularidade de ação e organização diferente do movimento negro brasileiro, a estratégia de luta passa também pela legitimação dos direitos fundamentais dentro do processo constituinte, ou seja, entendem o direito,

69 O movimento negro colombiano mantém-se sob a sombra de paradigmas estruturais que evidenciam a dificuldade em articular pautas, muito em virtude da forma como foi se constituindo o seu campo de luta e a aproximação com o Estado.

em uma perspectiva de Neumann, como forma de transformação da realidade e das instituições.

A Lei n. 70, de 1993, dentre as suas particularidades, levou o Estado colombiano a fomentar estratégias de inclusão social e política às populações afro- colombianas; de acordo com Rodrigues (2012), o processo de transformação dessas estratégias em ações como via da garantia dos direitos e promoção de políticas públicas pode ser dividido em três grupos:

bloco constitucional e medidas supranacionais (composto pelo conjunto e tratados internacionais), políticas públicas setoriais (compostas pelo conjunto de ações que visam a aumentar a participação dos afro-colombianos em processos decisórios), mecanismos de ação afirmativa e/ou reparação (conjunto de propostas a níveis locais e nacionais, visando à participação igualitária de afro-colombianos). (RODRIGUES, 2012, p.79).

Em se tratando das políticas públicas para a população afro-colombiana, negra, raizal e palenquera, outras normativas e medidas constitucionais70 vão sendo aprovadas, alterando de forma gradual, mas substancial, a realidade em termos de cidadania do afro- colombiano.

Em meio a todas essas mudanças, a Corte Constitucional consolida-se como propulsora da efetividade das normas escritas, da ação prática dos mecanismos constitucionais e de uma análise da realidade social em caráter permanente das demandas sociais que marcam todo o movimento de reestruturação e reposicionamento dos afro-colombianos perante as estruturas do Estado.

No quadro constante da Corte Constitucional dos temas cuja perspectiva corrobora para o projeto de uma emancipação social, ressaltamos os elementos que giram em torno do reconhecimento da identidade étnica, como: autoidentificação, debate sobre a raça, a relação do indivíduo com o território. No entanto, quando a CCC discute esses elementos, entendemos que ela não tem como objetivo normatizar, regular ou tornar constitucional, mas, sim, aproximar a sociedade a eles, fazendo, em muitos casos, a própria comunidade negra voltar e olhar dentro do

70 Podemos citar aqui a Lei 152 de 1994 (permite a participação de representantes das comunidades negras em instâncias decisórias), a Lei 115 de 1994 (lei geral da educação, obriga a inserção dentro dos currículos escolares, o estudo da história da cultura negra), o decreto 1320 de 1998 (a necessidade de consulta prévia às comunidades negras e indígenas quando da exploração de recursos naturais dentro do seu território), a Lei 649 de 2001 (diz a respeito da concessão de dois lugares étnicos na Câmara dos deputados para a comunidade afro-colombiana) e o documento CONPES 3310 de 2004 (discute ação afirmativa para a população afro-colombiana).

momento histórico atual, os caminhos percorridos e os a percorrer, principalmente quando somos questionados a afirmar qual a relação entre essa comunidade negra e sua identidade étnica constituída cultural e historicamente.

Por meio da ação de tutela como representação do direito enquanto corpo formal, constrói-se o elo entre as instituições e a sociedade (comunidade negra), permitindo, conforme sugere Neumann, caminhos para a emancipação humana dentro das instituições e não fora delas (RODRIGUEZ, 2008).

Assim, a construção de um projeto emancipatório passa antes pela compreensão dos obstáculos a sua efetivação, e isso foi apresentado na dinâmica da própria realidade social dos integrantes das comunidades negras nos processos por nós analisados.