• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2: O papel do direito estatal, do movimento negro e das instituições

2.1. Brasil

2.1.1. O Supremo Tribunal Federal

A história do Supremo Tribunal Federal conflui com as mudanças políticas nas quais o Brasil estava imerso. Desde o império até o início da república, a ideia da constituição de um poder judiciário independente de outras instituições políticas fez parte de todo movimento institucionalizado, e da consequente formulação e implantação de diversos textos constitucionais. Se pegarmos já pela Constituição de 1824, veremos um exercício em estabelecer a denominação e formação dessa instituição que, por aquele momento, foi chamada de Superior Tribunal de Justiça.

Em termos de marco temporal, o Supremo Tribunal Federal na República teve a sua fundação em 28 de fevereiro de 1891, juntamente com a Constituição de 1891, e tendo como abordagem o controle da constitucionalidade das leis, de acordo com os artigos 55 a 59 do novo texto constitucional. Esse movimento aconteceu dois anos após a proclamação da República, ainda sob governo provisório, com o novo tribunal constituído por quinze membros nomeados pelo Presidente da República com posterior aprovação do Senado (BRASIL, 2018).

No decorrer da história das constituições e dos regimes políticos brasileiros, o padrão de funcionamento do Supremo Tribunal Federal foi também se reconfigurando, seja na sua composição, seja na sua capacidade institucional.

Em termos de jurisdição constitucional, diversos pesquisadores das Cortes Constitucionais latino-americanas entendem, dentro da perspectiva histórica, os modelos europeus (concentrado) e difuso (norte-americano) como norteadores do controle da constitucionalidade.

De forma objetiva, o sistema americano tem um modelo próprio que implica na permissão dos juízes que fazem parte do Poder Judiciário para revisar atos de constitucionalidade de leis quando referenciados a casos concretos, e o objeto das suas decisões não são de caráter geral, incidem apenas sobre as partes do processo. Quando do conflito entre a lei e a Constituição, a Suprema Corte norte-americana não age diretamente em ações de inconstitucionalidade, todo o processo questionado nasce dos questionamentos oriundos das instâncias inferiores, ou seja, ela não tem o monopólio de interpretação constitucional das leis (ARANTES, 1997).

Por outro lado, o modelo europeu encaminhou-se para o modelo do controle das leis, nesse sentido o monopólio do controle constitucional é de responsabilidade da Corte Constitucional e por isso é denominado de concentrado. Diferentemente do modelo norte-americano, esse modelo autoriza a Corte Europeia a julgar as leis pelo instrumento da ação direta de inconstitucionalidade e o efeito da decisão tem o caráter geral10.

No caso brasileiro, como afirma Arantes (1997), a Constituição Federal de 1988 nos permitiu combinar os modelos, revisão judicial e controle constitucional, podendo ser considerado como um sistema híbrido (ARANTES, 1997). Em linhas gerais, esse sistema híbrido vincula-se à Constituição Federal (CF) de 1988, ao permitir os mecanismos de ação direta perante o Supremo Tribunal Federal e sendo capaz de executar de forma abstrata o controle das leis e do revisionismo judicial de modo mais abrangente, como também permitir o uso do instrumento da ação de constitucionalidade e inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário.

Em se tratando das mudanças que o texto constitucional de 1988 trouxe para o Supremo Tribunal Federal, destacamos a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), a ação declaratória de constitucionalidade por omissão (ADO), ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Além desses instrumentos trazidos pela Constituição

10 Esse modelo abstrato de constitucionalidade tem algumas particularidades de acordo com modelo constitucional do país. A primeira experiência desse modelo foi feita por Hans Kelsen e aplicada na Áustria, logo depois na Alemanha, Itália após a Segunda Guerra Mundial.

de 1988, temos a ampliação para nove do rol dos agentes com legitimidade a propor e fazer uso das ADs11. Além deles, devem ser citadas a ação civil pública e a ação popular como instrumentos judiciais da justiça comum que têm potencial de levar causas coletivas ao Supremo, bem como o papel do tribunal como instância recursal extraordinária das diversas questões levadas às instâncias inferiores da justiça brasileira.

A reformulação do sistema de justiça, em 1988, demonstra uma reorganização intencional do legislador em modificar a sua estrutura de poder, com o tribunal constitucional agora funcionando como árbitro de questões de alto alcance social e político.

Esse grande movimento de consolidação política para o poder judiciário configura-se em dois conjuntos interpretativos, um primeiro que interpreta como positivo, pois o mesmo só aconteceria em democracias consideradas consolidadas e cujo entendimento compreende a “descentralização e domesticação do poder político” (ARANTES, 1997, p. 205); e outro associa-se à “delegação de poderes como via diminuir a responsabilidade estrategicamente” (ARANTES, 1997, p. 205), também como uma espécie de análise estratégica e de previsibilidade por parte dos legisladores, já pensando em um equacionamento de forças políticas, como exemplo a volta de períodos autoritários.

De qualquer modo, Arantes (1997, p. 198) traduz de forma clara o real impacto dessa adoção de preferência por transferência de poderes:

[...] a ampla transferência de autoridade para o Judiciário e para cortes constitucionais não deve ser tomada facilmente com um natural e progressivo desenvolvimento da democracia, mas deve ser examinada também à luz da interação estratégica entre elites interessadas em se proteger da incerteza futura que a própria política democrática acarreta.

11 Os agentes com legitimidade a partir da CF/1988 são: o presidente da República, a mesa do Senado Federal, a mesa da Câmara dos Deputados, a mesa da Assembleia Legislativa ou Câmara Legislativa do DF, o governador de estado e do DF, procurador da República, Ordem dos Advogados do Brasil, Partidos Políticos com representação no Congresso Nacional, Confederações Sindicais (artigo 103, BRASIL, 1988).

2.1.2. Cidadania negra no Brasil: mudanças constitucionais, tribunal constitucional e