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Os direitos humanos e sua aplicação no sistema penitenciário brasileiro

2 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E O SISTEMA PROGRESSIVO FRENTE A CRISE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO E A QUESTÃO DOS DIREITOS

2.4 Os direitos humanos e sua aplicação no sistema penitenciário brasileiro

Considerando que o sistema penitenciário se encontra em uma grave crise quanto ao seu papel ressocializador, principalmente no que diz respeito à superlotação, a violência nas prisões, bem como a existência de ambientes desumanos, se faz necessária fazer uma análise de qual o papel dos direitos humanos no processo de ressocialização do preso, enfatizando a sua não aplicação por diversas vezes no sistema carcerário brasileiro.

Nesse viés, Nogueira (2014, apud Comparato, 2010, p. 13) define os Direitos Humanos como:

A revelação de que todos os seres humanos, apesar de inúmeras diferenças biológicas e culturais que o distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir verdade e criar a beleza. É o reconhecimento universal de que, em razão dessa radical igualdade, ninguém, nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação, pode afirmar-se superior aos demais.

Conforme já abordado anteriormente, todo preso, sendo detentor de direitos e garantias e direitos fundamentais, tem direito à uma cela que tenha tamanho de 6m², conforme estabelece o artigo 88 da Lei de Execução Penal.

Assim, coadunando com a LEP, a Constituição Federal também trata da proteção dos direitos humanos, em seu artigo 4º, II, englobando, por consequência o direito a uma cela de 6m², como também o direito ao trabalho, assistência física e moral, dentre várias outras garantias, o que, porém, não se verifica nos presídios brasileiros.

Nesse sentido:

O isolamento na cela ou em local adequado menciona que o preso, em regime fechado, como punição, será mantido isolado em sua própria cela. Não fosse trágico, seria risível. Na imensa maioria dos presídios brasileiros, não há cela individual, como determina esta Lei (art. 88, caput). Os presos são mantidos em celas coletivas e, pior, em muitos locais, superlotadas.

Como se pode isolar na própria cela, quem nunca teve cela individual? [...]. (NUCCI, 2014, p. 89).

Outro documento que também traz a proteção dos direitos humanos é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que estabelece em seu Artigo V que: “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. (RIBEIRO, 2020).

Portanto, se diz que quando o preso é colocado no sistema penitenciário, ele não só perde sua liberdade, perdendo também, tantos outros direitos fundamentais, passando por tratamentos desumanos e degradantes, sofrendo, inclusive, diversos castigos por parte dos outros presos, bem como por parte dos agentes do estado, acarretando a degradação de sua personalidade e a perda de sua dignidade, não o preparando para voltar ao convício social.

Se somando a isso, Greco (2015, p. 80) diz que:

A Constituição brasileira (vide art. 1"-, III - fundamento da República) reconhece, por exemplo, o direito à saúde, à educação, à moradia, ao lazer, à cultura, à alimentação, enfim, aos direitos mínimos, básicos e necessários para que o ser humano tenha uma condição de vida digna, ou seja, um mínimo existencial. No entanto, em maior ou menor grau, esses direitos são negligenciados pelo Estado. Veja-se, por exemplo, o que ocorre com o sistema penitenciário brasileiro. Indivíduos que foram condenados ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade são afetados, diariamente, em sua dignidade, enfrentando problemas como superlotação carcerária, espancamentos, ausência de programas de reabilitação, falta de cuidados médicos etc. A ressocialização do egresso é uma tarefa quase que impossível, pois não existem programas governamentais para sua reinserção social, além do fato de a sociedade, hipocritamente, não perdoar aquele que já foi condenado por ter praticado uma infração penal.

Nesse sentido Roig (2018, p. 282), quando fala sobre a superlotação dos presídios europeus afirma que:

Em termos de mensuração do espaço pessoal a ser assegurado aos presos, a Corte Europeia de Direitos Humanos se orienta pelos critérios elaborados pelo Comitê para a Prevenção da Tortura e das Penas Desumanas ou Degradantes da Europa, que estabelece como standard desejável o limite mínimo de 7 m² por pessoa, com uma distância de 2 metros entre as paredes e de 2,50 metros entre o chão e o teto. A Corte, todavia, entendendo não poder estabelecer uma medida exata de superfície sustentável, fixou um

limite pessoal mínimo de 3 m², abaixo do qual está caracterizada, por si só, a imposição de tratamento desumano e degradante.

Abstraindo-se as coerentes críticas quanto ao estabelecimento de um “parâmetro métrico de dignidade humana”, fato é que a detenção do ser humano em ambientes de reduzido espaço implica restrição física de movimento, decaimento das condições de saúde e higiene, angústia e tensão crescentes. Em suma: tratamento desumano e degradante.

Diante das palavras de Roig, percebe-se que segundo a Corte Europeia de Direitos Humanos, deve ser evitada a tortura e penas desumanas ou degradantes, fixando um limite pessoal mínimo de 3m² para cada preso que se encontrar encarcerado.

Outrossim, apesar de tais regras serem aplicadas na Europa, nada impede de haver uma interpretação extensiva em relação ao Brasil, no que concerne as disposições da Execução Penal, que respeitando à dignidade humana, estabeleceu em seu artigo 85 que o estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com sua estrutura e finalidade, devendo, para tanto, o preso ser colocado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório, atendendo, inclusive os requisitos do artigo 88 da LEP. (BRASIL, 1984).

Assim, Roig (2018, p. 283) assevera que:

[...] No ordenamento brasileiro, além da disposição legal que impõe a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios (art. 40 da LEP), figura sobretudo a expressa garantia constitucional de não submissão a tortura ou tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III, da CF), bem como a tutela da integridade física e moral das pessoas presas (art. 5º, XLIX, da CF). Não apenas a Constituição Federal, mas o próprio Governo Federal, por meio das Regras Mínimas para o Tratamento de Presos no Brasil (Resolução n. 14/94, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério da Justiça), asseverou a necessidade de respeito à individualidade, integridade física e dignidade pessoal do preso (art. 3º), bem como a necessidade de satisfação das exigências de higiene, de acordo com o clima, particularmente no que se refere à superfície mínima, volume de ar, calefação e ventilação (art. 9º).

Logo, depreende-se das palavras de Roig que para que ocorra a efetivação dos direitos dos presos, deve haver o respeito à Lei de Execução Penal, o que vale tanto para os agentes do Estado, como também à sociedade, que se encontra estritamente ligada ao processo de

ressocialização do encarcerado, já que é ela quem deverá aceitar o preso quando posto em liberdade.

Outrossim, quando se volta a falar em superlotação, se faz de suma importância trazer alguns dados estatísticos trazidos pelo Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, que é um órgão executivo subordinado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e tem como principal objetivo acompanhar e controlar a aplicação das diretrizes da Política Penitenciária Nacional e da Lei de Execução Penal, tal órgão trás as estatísticas de estudos oriundos do INFOPEN, que trata-se de um sistema do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o qual foi criado em 2004 e que fornece dados/estatísticas do sistema prisional brasileiro. (INFOPEN, 2017).

Nessa senda, quando se fala em população prisional, verifica-se que em dados estatísticos trazidos pelo DEPEN, através de informações do INFOPEN, até junho de 2017, levando-se em conta 1.507 unidades prisionais cadastradas no INFOPEN, foram constatadas cerca de 726.354 pessoas privadas de liberdade no Brasil, das quais 706.619 pessoas são mantidas em unidades administradas pelas Secretarias Estaduais e ainda 19.735 pessoas custodiadas em carceragens de delegacias de polícia ou outros espaços de custódia administrados pelos Governos Estaduais. (INFOPEN, 2017).

Se não bastasse esse número exorbitante de 726.354 presos, segundo dados trazidos pelo DEPEN, existe um número total de vagas de apenas de 423.242, logo, existe um déficit de vagas de 303.112 vagas, ou seja, em um país com o sistema carcerário com capacidade para apenas 423.242 presos, existem 726.354 presos ocupando tais vagas, o que demonstra um crise enorme de vagas nos presídios brasileiros, que só acarreta o aumento da superlotação dos presídios, atentando contra os direitos humanos de forma preocupante. (INFOPEN, 2017).

Para se ter uma ideia, no estado do Rio Grande do Sul, em 2017, existia uma população prisional de 36.149, sendo que só existiam 25.813 vagas, mostrando-se claramente presente uma crise tanto no Brasil como no estado do Rio Grande do Sul, que igualmente carece de recursos para manter os presídios que se encontram superlotados, desrespeitando, igualmente os direitos humanos dos presos. (INFOPEN, 2017).

Verifica-se que o sistema penitenciário brasileiro vem sofrendo uma crise quase que incurável, uma crise que causa nos destinatários das penas uma série de efeitos, e conforme Bitencourt (1993, p. 180), vem causando uma “paranoide” no preso.

Cumpre mencionar que considerando que a superlotação é um problema evidente no sistema carcerário brasileiro, entra mais um problema, que é o problema dos motins que são realizados pelos presos. Tais motins aparecem como uma forma de mostrar a insatisfação dos presos diante das condições precárias da prisão. Condições que vão contra os direitos humanos, atingindo a integridade física e moral do preso.

Assim, quando se fala em direitos humanos, deve atentar-se ao princípio da humanidade, o qual já foi objeto de estudo anteriormente. Neste sentido, Nucci (2014, p. 16) diz:

O princípio da humanidade (art. 5.º, XLVII, CF) veda as penas cruéis e a execução penal precisa seguir exatamente essa linha. Infelizmente, na prática, não se observa esse seguimento pelos operadores do Direito. Há celas, em vários presídios, superlotadas, o que, por si só, constitui uma pena cruel. Deve-se separar os criminosos primários dos reincidentes, mas não se registra isso na prática.

Argumenta-se que a prisão é uma escola do crime, ou seja, a pena privativa de liberdade não presta e está falida. Dispensando-se a lei, valendo-se somente da prática, a assertiva está correta. Mas não há cabimento em sustentar um erro crasso, vale dizer, o descumprimento da lei. Se esta fosse cumprida fielmente, com muita probabilidade, a pena não estaria falida.

Igualmente, Bitencourt (1993, p. 205-206), quando fala dos motins realizados pelos presidiários diz que:

Os motins carcerários são os fatos que mais dramaticamente evidenciam as deficiências da pena privativa de liberdade. É o acontecimento que causa o maior impacto e o que permite à sociedade tomar consciência, infelizmente por pouco tempo, das condições desumanas em que a vida carcerária se desenvolve. O motim uma erupção de violência e agressividade, que comove os cidadãos, serve para lembrar à comunidade que o encarceramento do delinquente serve apenas para postergar o problema. O motim rompe o muro de silêncio que a sociedade levanta ao redor do cárcere. Infelizmente, pouco depois de desaparecido o conflito carcerário,

a sociedade volta a construir um muro se silêncio e de indiferença, que se manterá até que outro acontecimento dramático comova, transitoriamente, a consciência social. Este ciclo fatal, cuja interrupção é muito difícil, é um dos fatores que mais influem para que a problemática carcerária não encontre solução satisfatória na maior parte das sociedades. [...]

Assim, Bitencourt, cita como exemplo um motim que marcou a história brasileira dos presídios o “Massacre do Carandiru”, que ocorreu sob o comando do Coronel Ubiratan Guimarães, na Casa de Detenção de São Paulo, no ano de 1992, ocasião em que 111 presos foram covardemente assassinados, quando a Tropa de Choque da Polícia Militar paulista invadiu o presídio no qual ocorria uma rebelião.

O massacre ocorreu no pavilhão 9, onde se encontravam os presos que aguardavam julgamento, mostrando uma face desumana que a prisão possui, bem como demonstrando o quão cruel pode ser o ser humano, demonstrado, inclusive, que a estado por muitas vezes não respeita os direitos humanos, violando inclusive preceito constitucionais. (BEZERRA, 2014).

Aludido massacre só demonstra o desrespeito à Lei de Execução Penal e aos direitos humanos, e conforme Greco (2015, p. 28-29):

A maioria dos países prevê, tanto em suas Constituições, como em suas legislações infraconstitucionais, um elenco enorme de direitos do homem, já consolidados universalmente. Todavia, mesmo com tais previsões, muitos deles, na prática, são desrespeitados, a exemplo do que ocorre com a dignidade da pessoa humana, com o direito de não ser torturado etc. Assim, modernamente, mais do que lutar para adquirir novos direitos, a preocupação reside na sua efetiva observação, pois de nada adianta ter um direito constitucionalmente previsto se esse direito é constantemente desrespeitado até mesmo pelo próprio Estado.

Veja-se o que ocorre, por exemplo, com os direitos do preso, que teve sua liberdade cerceada em virtude de ter praticado uma infração penal. Embora condenado, tendo seu direito de liberdade limitado, não perdeu seus demais direitos (não atingidos pela sentença), por exemplo, o de ser tratado de forma digna. Não poderá o Estado, sob o argumento de que alguém praticou uma infração penal, tratá-lo de forma cruel, desumana.

Portanto, atualmente, mais do que buscar o reconhecimento de novos direitos humanos, a luta é pela sua efetiva aplicação.

Assim, nota-se que a maioria dos países, como o Brasil, possuem leis que asseguram direitos e garantias aos presos, leis essas que garantem diversos direitos, porém, conforme

Greco (2015) afirma, de nada serve ter diversas leis se essas são desrespeitadas constantemente até mesmo pelo próprio Estado. Mostra-se assim, uma face desumana que advém de atitudes ligadas ao autoritarismo e a falta de respeito com o ser humano.

3 POSSÍVEIS ALTERNATIVAS PARA EFETIVAR A RESSOCIALIZAÇÃO E