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Princípios norteadores da execução penal e do sistema progressivo

2 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E O SISTEMA PROGRESSIVO FRENTE A CRISE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO E A QUESTÃO DOS DIREITOS

2.2 Princípios norteadores da execução penal e do sistema progressivo

Para a aplicação da Lei de Execução Penal, é de suma importância observar que não basta a aplicação da letra fria da lei para a efetivação da finalidade da referida lei, já que,

conforme Roig (2018, p. 17), devem ser analisados os princípios que norteiam sua aplicação, os quais se tratam de um meio e limitação racional do poder executório estatal sobre as pessoas.

Assim, se faz necessária uma breve análise de alguns dos principais princípios que norteiam a aplicação da Lei de Execução Penal, momento em que será observada grande defesa dos direitos humanos em relação ao encarcerado no processo de sua ressocialização e reinserção na sociedade.

2.2.1 Princípio da Humanidade

Conforme Roig (2018), o princípio da humanidade vem como uma forma de conter os danos provocados pelo exercício do poder punitivo do estado, sendo um dos fundamentos do Estado Republicano e Democrático de Direito, sendo considerado como um norteador dos demais princípios, servindo por diversas vezes como uma contenção de abusos dos direitos humanos dos presos por parte do estado.

Ainda, segundo Roig (2018, p. 18):

O princípio também é encontrado na Convenção Americana de Direitos Humanos (ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano – art. 5º), no Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão da ONU (a pessoa sujeita a qualquer forma de detenção ou prisão deve ser tratada com humanidade e com respeito da dignidade inerente ao ser humano – Princípio 1º) e nos Princípios Básicos para o tratamento dos reclusos da ONU (todos os reclusos deverão ser tratados com o respeito devido à dignidade e ao valor inerentes ao ser humano – Princípio 1). O Princípio n. 1 dos “Princípios e boas práticas para a proteção das pessoas privadas de liberdade nas Américas” da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (aprovados pela Resolução n. 1/2008) 27 dispõe igualmente que “não poderão ser invocadas circunstâncias, como estados de guerra ou exceção, situações de emergência, instabilidade política interna ou outra emergência nacional ou internacional para evitar o cumprimento das obrigações de respeito e garantia de tratamento humano a todas as pessoas privadas de liberdade”. Não se pode olvidar, ainda, a Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes da ONU e a Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura, da OEA, instrumentos igualmente importantes na tutela da humanidade.

Já no Brasil, tal princípio decorre de fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, III, da Constituição Federal, bem como do princípio da prevalência dos direitos humanos, que está previsto no artigo 4º, II, da Constituição Federal. (BRASIL, 1988).

Logo, quando se trata da aplicação de tal princípio na execução penal, tem-se que ele funciona como uma forma de conter o poder punitivo do estado, proibindo a tortura e tratamento cruel e degradante, que se encontram previstos constitucionalmente no artigo 5º, III, da Constituição Federal, bem como da individualização da pena, também prevista no artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal e na proibição das penas de morte, cruéis ou perpétuas, igualmente previstas no artigo 5º, XLVII, da Constituição Federal. (BRASIL, 1988).

Nesse sentido:

Em uma visão redutora da execução penal, a humanidade também se identifica com o imperativo da tolerância (ou alteridade), exigindo do magistrado da execução uma diferente percepção jurídica, social e humana da pessoa presa, capaz de reconhecê-la como sujeito de direitos. Essa nova compreensão do princípio da humanização da pena – cotejada pelo reconhecimento do outro – busca então afastar da apreciação judicial juízos eminentemente morais, retributivos, exemplificantes ou correcionais, bem como considerações subjetivistas, passíveis de subversão discriminatória e retributiva. Busca ainda deslegitimar o manejo da execução como instrumento de recuperação, reeducação, reintegração, ressocialização ou reforma dos indivíduos, típicos da ideologia tratamental positivista. (ROIG, 2018, p. 18-19)

Diante de tais afirmações, se percebe novamente presente a figura ressocialização do preso, já que se verifica que o manejo da execução se dá tanto pela sociedade, como pelo magistrado estado, que deverão agir juntos para privilegiar um tratamento humano do preso.

Assim, Roig (2018, p. 19) afirma que a Lei de Execução Penal adota o princípio da humanidade, já que estabelece sanções disciplinares, que, contudo, não poderão colocar em perigo a integridade física e moral do preso, conforme prevê o artigo 45, §1º, da Lei, vedando, inclusive, o emprego de cela escura em seu parágrafo segundo.

Nesse ponto, a Lei de Execução Penal deverá privilegiar a humanidade do preso enquanto este tiver encarcerado, devendo o estado fornecer meios para que o preso possa voltar a sociedade de modo reintegrado, fornecendo todos os direitos que uma pessoa digna merece, devendo, para tanto, a sociedade igualmente contribuir com tal premissa, adotando uma postura diferenciada perante o preso, quando ele é posto em liberdade, devendo tratá-lo com um ser dotado de garantias e direitos.

2.2.2 Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade previsto no artigo 5º, XXXIX, da Constituição da República e no artigo 1º, do Código Penal, estabelece que não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. (BRASIL, 1988).

Referido princípio encontra-se previsto, ainda, no artigo 45 da Lei de Execução Penal, segundo o qual “não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar”. Funcionando, desse modo, mais uma vez como uma forma de controle das decisões e atos praticados pelo Judiciário e pela Administração Penitenciária, respectivamente, evitando, com isso, que o preso seja privado de direitos e garantias fundamentais. (BRASIL. 1984).

Trata-se de princípio de suma importância para a aplicação da pena, igualmente ao princípio da humanidade, servindo como base para uma série de outros princípios, já que veda a aplicação de penas ao preso sem prévia cominação em lei, evitando, deste modo, que na aplicação da pena o preso sofra algum tipo de abuso por parte do Judiciário, ou quando do cumprimento da pena sofra algum abuso por parte da Administração Penitenciária.

2.2.3 Princípio da Individualização da Pena

O princípio da individualização da pena, da mesma forma, encontra-se previsto na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XLVI, que prevê:

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

b) perda de bens; c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos; (BRASIL, 1988).

Conforme Batista (2001, p. 104-105, apud ROIG 2018, p. 31):

Na verdade, individualização deve significar, em primeiro lugar, que as autoridades responsáveis pela execução penal possuem a obrigação de enxergar o preso como verdadeiro indivíduo, na acepção humana do termo, considerando suas reais necessidades como sujeito de direitos. Daí decorre a exigência de que as autoridades administrativa e judicial dispensem um olhar humanamente tolerante, capaz de considerar a concreta experiência social e a assistência e oportunidades dispensadas à pessoa presa.

Nesse viés, o princípio da individualização da pena prevê que cada preso terá sua pena, de modo individual, porém, tanto a sociedade como os agentes do estado deverão tratá- los de modo igualitário, oferecendo lhes condições mínimas de dignidade humana, já que, só assim, a pena irá atender ao fim de que necessita, ou seja, o fim ressocializador.

2.2.4 Princípio da Isonomia

O princípio da isonomia está positivado no caput do artigo 5º da Constituição Federal, e no artigo 3º da Lei de Execução Penal, que dispõe:

Art. 3º - Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Parágrafo único - Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política. (BRASIL, 1984).

Esse princípio visa que todos os apenados sejam tratados sem diferenças, proibindo qualquer forma de discriminação, estando comumente ligado aos direitos humanos, bem como direitos essenciais ao preso, que se encontram previstos na lei de execução penal, em seu artigo 41:

Art. 41 - Constituem direitos do preso: I – alimentação suficiente e vestuário; II – atribuição de trabalho e sua remuneração; III – Previdência Social; IV – constituição de pecúlio; V – proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI – exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII – assistência material,

à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII – proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX – entrevista pessoal e reservada com o advogado; X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI – chamamento nominal; XII – igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII – audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV – representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes; XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (BRASIL, 1984).

Portanto, o princípio da isonomia deverá ser aplicado em conjunto com outros princípios que norteiam a execução da pena, como o princípio da humanidade, legalidade e individualização da pena.

Assim sendo, para que a execução da pena atue de modo a atender a ressocialização do preso deverá ela atender a todos princípios analisados, tendo em vista que são eles quem norteiam a atividade do estado quando dá aplicação da lei e da pena.

Portanto, realizada uma análise do sistema progressivo e a Lei de Execução Penal, se pode entrar em uma explanação da situação do sistema penitenciário brasileiro, demonstrando quais as dificuldades que ele encontra, bem como demonstrando qual a importância dos direitos humanos no processo de reintegração e ressocialização do preso, perante todas dificuldades apresentadas pelo então sistema penitenciário.

2.3 A situação do sistema carcerário brasileiro frente ao sistema progressivo e a lei de