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Os estudos da sociolinguística e o género

2. Diferenças comunicativas e o género

2.6. Os estudos da sociolinguística e o género

A sociolinguística, que emergiu nos anos de 1960, é um ramo da linguística que se pode definir como o estudo da linguagem/discurso no seu contexto social, ou seja, a sociolinguística aparece como “[…] an interdisciplinary field of interest, bringing systematic attention to language as a social phenomenon” (Thorne e Henley 1975b: 6). O estudo da

linguagem/discurso no seu contexto social implica essencialmente o estudo da variação linguística. A sociolinguística estuda o discurso no sentido de demonstrar que a variação linguística não ocorre ao acaso, mas é estruturada. Dessa forma, o seu objetivo é apresentar de forma ordenada a heterogeneidade presente no discurso de determinada comunidade. Joan Swann e Janet Maybin (2008) consideram que a sociolinguística engloba uma plêiade de áreas de estudo:

[…] contemporary variation and change; language choice in multilingual contexts; the socially and culturally oriented study of language-in-interaction; applied concerns such as language policy and planning – and a range of methodologies, both quantitative and qualitative (Swann e Maybin 2008: 21).

Dentro da variação linguística, a sociolinguística vai debruçar-se sobre a variação estilística e a variação social, principalmente no discurso vernacular, isto é, discurso do dia-a- dia. Esta variação foi exatamente o ponto de partida para o nascimento da Estilística, através de Charles Bally, no início do século XX. Bally (1965) permanece fiel à distinção saussureana entre langue e parole, mas acrescenta-lhe um outro domínio de estudo: a língua falada tendo em conta o seu conteúdo afetivo ou subjetivo, objeto de estudo da estilística, sempre fazendo parte da linguística geral:

En somme, je reste fidèle à la distinction saussurienne entre la langue et la parole, mais j’annexe au domaine de la langue une province qu’on a beaucoup de peine á lui attribuer: la langue parlée envisagée dans son contenu affectif e subjectif. Elle réclame une étude

spéciale: c’est cette étude que j’appelle stylistique. Un des objets de mon enseignement sera de montrer comment la stylistique s’emboîte dans la linguistique générale (Bally 1965: 159).

A variação estilística diz respeito às diferentes formas e estilos com que o indivíduo utiliza a linguagem em diferentes contextos sociais. A variação social tem a ver com o facto de os falantes diferirem uns dos outros em termos de idade, sexo, classe social, grupo étnico, tendo, por isso, diferentes estilos conversacionais, embora o contexto seja o mesmo. Por último, a sociolinguística interessa-se, principalmente, pelo discurso vernacular, isto é, o discurso espontâneo e natural entre pessoas que se conhecem bem (Cf. Coates 1986: 4-5). Portanto, a sociolinguística preocupa-se com o estudo do discurso de todos os membros de uma comunidade e não somente com o dialeto privilegiado ou norma. Este estudo linguístico da variação ficou conhecido o paradigma quantitativo (Cameron 1989: 3). Portanto, o estudo da variação não teve, inicialmente, intenção de estudar a linguagem e o género, mas sim, primeiramente, verificar a variação regional (Romaine 2003). Todavia, a partir dos estudos realizados, apercebeu-se que o género se constituía como uma categoria ou variável a ter em conta na variação da linguagem. Até então, os estudos de variação incluíam, por norma, sempre grupos de indivíduos masculinos (Cf. Eakins e Eakins 1978: 14). Para Elaine Showalter, “one of the most striking changes in the humanities in the 1980s has been the rise of gender as a category of analysis” (Showalter 1989: 1).

Por conseguinte, a mulher passou a constituir-se como um grupo de estudo desta ciência, uma vez que deixa de ser entendido como um grupo minoritário e insere-se dentro da relação de variação na linguagem pelo sexo. Até então, a mulher constituía-se como um grupo inferior ao do homem. Contudo, “nowadays women are more aware that they do not have equal status with men, and they are less prepared to accept this state of affairs” (Coates 1986: 9). Efetivamente, a par do movimento feminista, a sociolinguística foi também uma das causadoras do desenvolvimento dos estudos e investigações sobre a “women’s language”, tal como foi apelidada por Robin Lakoff, em 1975 (O’Barr e Atkins 1998: 377). Mary Ritchie Key (1996) considerou mesmo que antes do desenvolvimento da sociolinguística, nenhum investigador estava preparado para estudar as diferenças entre homens e mulheres, uma vez que estas estão relacionadas com uma série de variáveis:

Before the development of sociolinguistics, linguists were not truly ready to talk about male / female differences because none of these differences operates alone and without intrincate connections to other variables (Key 1996: 5).

Recapitulando: as diferenças de género na linguagem começaram então a ser estudadas pelos estudos quantitativos da sociolinguística, que principiaram por examinar a correlação entre a variação linguística e outras variáveis, nomeadamente a classe social dos falantes. Assim, estes estudos revelaram a estratificação social e levantaram dois conceitos associados a ela e ao uso da linguagem: o prestígio e o estigma. O prestígio está ligado às formas linguísticas normalmente usadas pelo grupo social com mais status, passando a ser considerada a norma e de correcto. Contrariamente, estigma está ligado às formas não pertencentes à norma. São estas formas linguísticas não pertencentes à norma que vão ser

alvo de interesse, constituindo-se como o discurso vernacular, que interessa especialmente à sociolinguística.

Como já referimos, a maioria dos primeiros estudos sociolinguísticos interessaram-se primeiramente pelas diferenças entre as classes sociais. No entanto, a partir daqui foram consideradas como implicadas na variação linguística outras variáveis não linguísticas, como o grupo étnico, a idade e sexo ou género. Esta última variável revelou-se “[...] fundamental to any system of social categorization” (Eckert 2000: 55), uma vez que “sex is a variable central to language” (Thorne e Henley 1975b: 10). Marjorie Swacker (1975) defende mesmo que o

sexo / género do falante é uma variável tão importante que se algum estudo sociolinguístico a desconsiderar, não será válido e fiável.

[...] the adoption of speaker sex as a separate sociolinguistic variable – a variable as important, as methodologically necessary, and as valid as education or region or socioeconomic level. Indeed, any sociolinguistic research which does not, at least, specifically give consideration to the sex of the informant might well be of questionable validity (Swacker 1975: 82).

A partir do relevo dado à variável sexo / género, começou a sublinhar-se que, em muitas comunidades falantes, as mulheres tinham mais tendência para usar as formas linguísticas de prestígio do que os homens. “In other words, the prestige norms seem to exert a stronger influence on women than on men” (Coates 1986: 64).

Estudos sociolinguísticos quantitativos levados a cabo na Grã-Bretanha por Peter Trudgill (em Norwich, 1974), Ronald Macaulay (em Galsgow, 1977), Mark Newbrook (em West Wirral, 1982) e Suzanne Romaine (em Edinburgh, 1978) concluíram que:

1) Em todos as classes sociais e estilos, as mulheres tendiam a usar menos formas estigmatizadas do que os homens;

2) Em contextos formais, as mulheres são mais sensíveis ao uso das formas de prestígio do que os homens;

3) Nas classes médias mais baixas é onde os estilos das mulheres varia mais agudizadamente: no estilo menos formal, elas usam em grande proporção formas estigmatizadas; porém, quando estão em situações mais formais tendem a corrigir o seu discurso, procurando fazê-lo corresponder ao da classe social imediatamente acima;

4) O uso das formas não estandardizadas (isto é, do vernacular) parece estar associado não só aos falantes das classes trabalhadoras, mas também a falantes do sexo masculino (Cf. Coates 1986: 65-66).

Estes quatro estudos britânicos demonstraram a regularidade que a variante sexo tem na diferenciação do discurso, na medida em que os falantes masculinos e os falantes femininos escolhem diferentes variantes, sendo que a variante de prestígio é mais vezes usada pelos falantes do sexo feminino.

Jennifer Coates (1986) apresenta como explicação para os dados levantados pelos quatro investigadores referidos que a sensibilidade das mulheres para com a norma linguística é verificada e é atribuída à sua posição social insegura, que faz com que elas se procurem

afirmar procurando corrigir-se por forma a falar e acordo com as classes superiores e, dessa forma, se distinguirem dos homens. De facto, homens e mulheres distinguem-se pela linguagem porque eles pertencem a grupos diferentes. É importante para os grupos manterem a sua identidade e a variação linguística contribui de duas formas:

- As diferenças linguísticas podem reforçar a unidade do grupo (ou seja, os membros do grupo reconhecem as semelhanças linguísticas entre si e as diferenças das pessoas fora do grupo);

- Por outro lado, as diferenças linguísticas também podem acentuar a distância entre os grupos (o que ajuda a manter a identidade distintiva do grupo).

Neste contexto, “linguistic differences between women and men can be seen as functioning to maintain their separate identities” (Coates 1986: 77). Mais uma vez se reitera o valor da variante sexo na variação linguística. Não obstante, por vezes o problema reside no facto de “women appear as deficient – or deviant – in studies of language and sex” (Spender 2001: 7).

Não obstante, este paradigma quantitativo utilizado na sociolinguística começou a ser criticado pelas feministas, uma vez que as mulheres eram muitas vezes excluídas das pesquisas, pois raramente faziam parte do grupo de informantes (Cameron 1989: 6). Por outro lado, muitas das explicações dadas para as diferenças linguísticas entre os géneros eram baseadas em ideias estereotipadas, generalizando resultados localizados (Cameron 1989: 11). Entre essas explicações mais comuns para as diferenças de género surgiram a questão social e ideia de status, o conservadorismo e a soliariedade (Cameron e Coates 1989: 13-14).

Tal como já foi comentado, a questão da classe social e do estatuto postula que a mulher acredita que, seguindo a norma padrão ou de prestígio, estará a conseguir ganhar

status através do discurso. Revelando mais consciência de status que o homem, a mulher

esforça-se por usar a norma de prestígio, procurando falar sempre corretamente.

O conservadorismo está também associado a uma visão tradicional e estereotipada da mulher. No entanto, não existe consenso se realmente a mulher é mais conservadora que o homem. Porém, tendo em conta que a mulher procura seguir a norma de prestígio e que tem consciência de status, ela estará ligada a toda a mudança na norma de prestígio (Cameron e Coates 1989: 15).

A questão da solidariedade estava relacionada com o facto de a mulher não sofrer a mesma pressão que o homem para aderir às formas vernaculares da língua. Acrescente-se ainda que o uso de formas linguísticas fora do padrão está associado à masculinidade (Deuchar 1989: 28). Esta pressão surge essencialmente no mundo do trabalho, nas redes de amigos que se criam:

[...] the importance of solidarity as a factor influencing language use. The concept of social

network, by enabling us to see the individual in relation to the group, refines our

understanding of linguistic variation. The evidence is that a tight-knit network is an important mechanism of language maintenance. The close-knit networks to which working-class men have traditionally belonged serve to maintain vernacular norms (Cameron e Coates 1989: 19).

Como a mulher não tinha criado tantos laços e redes no mundo do trabalho, não sofria tanta pressão para falar formas vernaculares, podendo seguir a norma de prestígio.

Assim, para Cameron e Coates, “the three explanations most commonly put forward to account for sex-difference findings are inadequate, as well as being implicitly sexist” (Cameron e Coates 1989: 24).

A estas três explicações, Margaret Deuchar (1989) apresenta uma outra razão para justificar o maior uso por parte das mulheres da norma de prestígio – a questão da face e do poder. Pegando na noção de face15 e de poder relativo de Brown e Levinson (2001), Deuchar

(1989) conclui 4 asserções:

1) os participantes em interação desejam proteger a sua própria face;

2) a atenção que se tem relativamente à face do outro é afetada pelo poder relativo que se tem em relação ao outro;

3) a atenção que se tem relativamente à face do outro pode prejudicar a nossa própria face;

4) a mulher tem menos poder relativo que o homem (Deuchar 1989: 30).

Portanto, segundo Brown e Levinson (2001), se temos ou não em conta a face do outro depende de vários fatores, nomeadamente o poder relativo do locutor e do interlocutor. Por isso, quanto mais poderoso for o interlocutor, mais atenção será tida em conta pelo locutor no que diz respeito à face do interlocutor. Tendo em conta que “women are relatively powerless speakers [...], then they will receive little attention to their own faces, and will damage their own while paying attention to the face of others” (Deuchar 1989: 31). Neste contexto, o uso da norma padrão, com a sua conotação de prestígio, surge como apropriada para proteger a face de locutoress relativamente com menos poder sem atacar a face do iterlocutor. Assim, quando a mulher usa a norma padrão, ela está a proteger a sua própria face, mas também está a prestar atenção à face dos seus interlocutores, sem, no entanto, lhes ameaçar a face (Deuchar 1989: 32).

Não obstante, convém realçar que esta quarta explicação ultrapassa o domínio da sociolinguística, entrando no ramo da pragmática.

Assim sendo, foi a partir dos anos de 1970 que a investigação sociolinguística começou a substituir os velhos mitos e visões estereotipadas por ‘factos’ (Coates 1998: 2). Foi então que o interesse pelo modo como homens e mulheres falavam, bem como pelas suas diferenças no uso da linguagem, cresceram astronomicamente em diferentes culturas.

Inicialmente, a investigação sobre as diferenças de género na linguagem começaram por centrar-se principalmente em conversas mistas, isto é, conversas que envolviam tanto homens como mulheres. Os investigadores procuravam investigar aquilo que consideravam as caraterísticas principais da linguagem: fonética e fonologia, sintaxe e morfologia. Depois,

15 Cf. “face, the public self-image that every member wants to claim for himself, consisting

intwo related aspects:

(a) negative face: the basic claim to territories, personal preserves, rights to non-distraction – i.e. to freedom of action and freedom from imposition

(b) positive face: the positive consistent self-image or ‘personality’ (…) claimed by interactants” (Brown e Levinson 2001: 61).

voltaram para aspetos mais abrangentes, como as estratégias de conversação caraterísticas de homens e mulheres. Mais recentemente, os investigadores têm procurado centrar-se na interação conversacional entre indivíduos do mesmo género.

Obviamente, estas mudanças de ponto de vista da investigação foram acompanhadas por mudanças na perspetiva teorética. Assim, enquanto nos primeiros anos (décadas de 1960- 1970), a investigação sobre a relação entre o género e a linguagem se baseava num paradigma que categorizava os indivíduos primeiramente de acordo com o seu sexo biológico, usando desse modo métodos quantitativos (paradigma quantitativo); a partir das décadas 1970-1980, surgiu um período que reconhecia já a construção cultural de categorias como o género, recorrendo predominantemente a abordagens qualitativas e etnográficas. Mais recentemente, uma abordagem social construcionista mais dinâmica concilia a investigação quantitativa e a qualitativa (Coates 1982: 3; Swann e Maybin 2008: 21). No fundo, o que ocorreu foi uma mudança no paradigma de análise, os estudos já não se focam tanto nas diferenças de género, mas como o género pode influenciar a comunicação em determinados contextos comunicacionais16. No entanto, embora a linguagem e o género sejam práticas

contextualizadas, Joan Swann (2002) alerta para que a linguagem e o género sejam analisados como transcendendo sempre os contextos específicos em análise (Swann 2002: 62). O género passa assim a ser encarado como uma variável no estudo da variação da linguagem (Sunderland e Litosseliti 2002: 6) e, a partir daí, podem verificar-se as diferenças comunicativas entre os géneros sob diferentes perspetivas e métodos de análise.

2.7. O género investigado no domínio da competência comunicativa –